Carlos Fernandodos santos lima

O eleitor bolsopetista

10.12.21

“Discutir com uma pessoa que renunciou a lógica é como dar remédio a um homem morto”. A frase de Thomas Paine, revolucionário britânico e um dos pais fundadores da democracia americana, resume bem a impotência que muitos sentem ao tentar abordar racionalmente os grandes problemas do país com boa parte do eleitorado que apoia um dos dois candidatos extremistas, Lula e Bolsonaro.

É bem verdade que o homem se guia, mais do que gostaríamos de admitir, pelas emoções do que pelo pensamento racional. Poucas opções de abordagem racional são passíveis de serem feitas para convencer quem acredita que Bolsonaro é um mito ou que Lula é um inocente perseguido pela CIA. Infelizmente, Nelson Rodrigues estava certo ao afirmar que “nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem”.

Eu só não diria que a política é a única paixão emburrecedora, pois o ser humano tem a propensão à evangelização seja para sua religião, paixão política ou time de futebol – deixando qualquer racionalidade de lado. Em certa medida, boa parte de problemas atuais da irracionalidade, do obscurantismo e da intolerância decorrem da ascensão das redes sociais, pois esse fenômeno permitiu que aqueles seguidores apaixonados de mitos e mentiras encontrassem na internet a bolha de pessoas que partilham do mesmo pensamento, passando a crer que essa pequena caixa de repercussão de suas próprias vozes seja igual à verdade.

Não que eu discorde que a inteligência de Bolsonaro seja um mito. Realmente a capacidade intelectual do atual presidente é tão real quanto um saci-pererê ou o curupira. Além disso, Jair Bolsonaro é um mitô…mano, mentiroso compulsivo e orgulhoso de sua ignorância e falta de estudo. Se fosse apenas um capitão do Exército reformado desonrosamente a vomitar equívocos em uma mesa de bar, bastaria virarmos as costas e o deixarmos falando sozinho. Entretanto, como presidente, sua compulsão pela mentira, especialmente em relação ao combate à pandemia, transcende a irresponsabilidade de um incapaz. Trata-se, isto sim, de um ato criminoso de desinformação que leva pessoas à morte.

Por outro lado, os extremos se tocam, pelo menos nos métodos. Não é à toa que dizem que, se caminharmos muito para oeste, chegaremos ao leste. Aqui, o apelo à paixão política, o uso da mentira e o populismo unem Bolsonaro a Lula. Este último, envelhecido e com as mãos sujas da corrupção escancarada em seu governo, também apela a mecanismos de mentiras semelhantes aos de Bolsonaro, para unir sua base de apoio. Os grupos de aficionados e simpatizantes do PT, entretanto, terão dificuldade de fazer a sociedade crer novamente na esperança que um dia Lula encarnou. Luiz Inácio Lula da Silva, por suas próprias decisões, optou por jogar no lixo o patrimônio ético que um dia o Partido dos Trabalhadores, e de roldão a esquerda em geral, representou – verdadeiramente ou não.

Assim, dificilmente os adversários de Lula deixarão de transformar o antigo jingle do “Lula-lá” em uma nova versão “Lula-drão”, assim como os adversários de Bolsonaro não esquecerão a rachadinha nos gabinetes parlamentares da família, a gestão criminosa do combate à pandemia e a péssima condução da economia. A única vantagem de Lula é que seus erros estão mais no passado dos que o de Bolsonaro, fazendo com que o pensamento maniqueísta e a pouca memória de boa parte da população acabe beneficiando a extrema-esquerda.

Entretanto, nenhum dos dois possui mais que 20% de seguidores realmente fanáticos. Considerando o número, é muito triste o simples fato de estarmos falando que 40% dos eleitores é incapaz de estabelecer um diálogo minimamente positivo sobre o país e seu futuro sem cair na radicalização política. Entretanto, devemos comemorar que é possível conversar com os outros 60%, pois essa maioria dos brasileiros compreende, mesmo que ainda não de forma totalmente consciente, que precisamos de soluções e paz, coisas que nem Lula, nem Bolsonaro são capazes de fornecer.

A abordagem, portanto, da terceira via deve ser pragmática e não ideológica. O convencimento dos eleitores que se encontram na centro-direita ou centro-esquerda se dará não pela radicalização política, mas por propostas para a solução dos problemas do dia-a-dia, como a inflação, a oferta de saúde pública, a escola para os filhos, a segurança pública e o trabalho digno. E aqui, é bom lembrarmos, pouco importa a cor do gato, mas sim se ele caça os ratos. Novamente, o que as pessoas desejam é voltar a trabalhar, com saúde, educação e comida dentro de suas casas, e não de discussões ideológicas ou guerras culturais.

Além disso, nenhum nome, nem mesmo o de Sergio Moro – pessoa que conheço há mais de vinte anos — é merecedor de qualquer endeusamento. A condução da Lava Jato, assim como o Mensalão, o Petrolão, a compra das Olimpíadas, as obras da Copa, as rachadinhas, o enriquecimento de familiares, a compra de mansões ou o recebimento do tríplex, tudo, enfim, deverá ser ampla e abertamente discutido na campanha eleitoral, inclusive em debates públicos. O combate à corrupção terá um papel secundário nesta eleição, mas o passado dos candidatos deve ser objeto de amplo escrutínio público.

Também será importante, mesmo diante de todas as dificuldades, que os eleitores da terceira via encontrem meios de buscar o eleitorado de Lula e Bolsonaro, para colocá-los diante de novas perspectivas políticas que permitam o avanço do país. A campanha não será desta vez decidida por propaganda ou desinformação, mas pelo debate na sociedade acerca do que cada um realmente espera para sua vida. Não se deve esperar, contudo, a adesão imediata e pública dessas pessoas à terceira via. Mas a abordagem racional e propositiva certamente fará com que muitos, especialmente aqueles que intimamente sabem que tanto Bolsonaro quanto Lula são um beco sem saída, além de incapazes de restabelecer a paz social e organizar a economia, abandonem silenciosamente esses dois populistas.

O importante, portanto, apesar de todas as dificuldades, é não deixarmos o campo da educação, da racionalidade, das propostas e da lucidez. Qualquer um que defenda uma candidatura da terceira via se sente tentado a responder aos comentários ultrajantes que são diariamente lançados em redes sociais, e até mesmo na imprensa, com agressividade e sarcasmo, mas aí jogaremos o jogo em que Lula e Bolsonaro são profissionais. O que fará a terceira via merecedora de alcançar o poder será justamente a superação desse modo de fazer política.

Isso não significa ser tolerante com a intolerância, com a mentira ou com a agressão aos valores que embasam a nossa sociedade. Entretanto, a resposta a essas violações deve se dar dentro da lei e pelas autoridades. O respeito, a busca pela paz e a capacidade de se colocar na posição do outro devem retornar à nossa democracia. E a oportunidade para isso começa exatamente agora.

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