Promessas ao vento
Com um vídeo gravado de três minutos, o presidente Jair Bolsonaro falou nesta sexta-feira, 10, na Cúpula pela Democracia, idealizada e organizada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. A proposta do americano era a de que governantes dos 110 países convidados apresentassem compromissos contra o autoritarismo, a corrupção e em defesa dos direitos humanos.
Na sua apresentação, Bolsonaro disse que a luta contra a corrupção constitui “prioridade permanente” do governo brasileiro, a despeito das notícias comprometedoras envolvendo sua família e toda a politização dos órgãos policiais e de controle. Ele defendeu a liberdade na internet, algo que, na concepção bolsonarista, significa impedir a remoção de conteúdos falsos pelas plataformas digitais. Na frente dos direitos humanos, o presidente discorreu sobre o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado pela pastora Damares Alves.
Mas o que Bolsonaro falou ou deixou de falar não fará ninguém mudar de opinião sobre o presidente brasileiro. Tampouco a cobrança externa promoverá uma alteração no comportamento de Bolsonaro. Ao menos, uma mensagem já foi dada: a de que as potências ocidentais não tolerarão transgressões à ordem democrática no Brasil ou em qualquer outro país.
Fora do Brasil, é difícil encontrar quem considere Bolsonaro um paladino da democracia ou dos bons hábitos de governança. “Qualquer promessa de Bolsonaro não é levada a sério. O mundo todo o ouviu falando no Sete de Setembro que só deixará o poder preso, morto ou com vitória. As ameaças que ele fez às instituições pesam muito mais do que eventuais promessas e não foram esquecidas”, diz o analista político americano Peter Hakim, do think tank Diálogo Interamericano, em Washington. A organização de atos antidemocráticos no Sete de Setembro, aliás, foi um dos motivos que levaram o governo Biden a adiar o envio do convite a Bolsonaro para a Cúpula. Às vésperas das manifestações realizadas em Brasília e em São Paulo, nas quais o presidente fez duros discursos contra o Supremo Tribunal Federal, Crusoé perguntou se os Estados Unidos o convidariam para o evento. Em resposta, o Departamento de Estado fez suspense. E afirmou esperar que os países interessados assumissem “compromissos significativos”. A participação brasileira não só não estava garantida como era preciso fazer mais para estar à altura do encontro.
O secretismo com que o governo trata as informações também predomina na área de direitos humanos. O ministério de Damares Alves iniciou neste ano uma revisão do Programa Nacional de Direitos Humanos, que costumava ser elaborado com a participação de milhares de pessoas do setor público, da área privada e do terceiro setor. Agora, salvo alguns escolhidos, ninguém sabe o que está acontecendo. O prazo para a conclusão da revisão do programa foi postergado para o ano que vem e o resto da sociedade foi totalmente alijado do processo. “O governo do Brasil tem conduzido essa revisão de uma forma nada transparente e tem implementado políticas que flagrantemente violam os direitos humanos, perseguindo jornalistas e prejudicando pessoas com deficiências, ao atacar a educação inclusiva”, diz Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil. “Se os participantes desta Cúpula pela Democracia assumirem compromissos que já não cumprem, então o encontro será um fracasso.”
Também não se espera que os governantes de viés autoritário passem a se comportar adequadamente apenas para ganhar a aprovação de Biden, cuja reeleição é incerta por causa de sua queda de popularidade. “Duvido que a cúpula possa ter algum efeito nas políticas de Bolsonaro ou no próprio presidente. Sou cético quanto à capacidade dessa iniciativa transformar populistas e líderes autoritários em democratas comprometidos”, diz Thomas Pepinsky, professor de políticas públicas na Universidade Cornell, nos Estados Unidos, e pesquisador da Brookings Institution. Dos 110 convidados, 52 países são considerados democracias “parcialmente livres” e três são “não livres”, segundo a Freedom House, que avalia anualmente o grau de democracia das nações e monta um ranking. No grupo de “não livres” estão Congo, Iraque e Angola.
O encontro ao menos deixará um recado poderoso. Em um mundo onde a democracia tem regredido nos últimos 15 anos, com 73 países registrando erosão das liberdades, os líderes das potências do mundo ocidental estão chamando a atenção para dizer que valorizam os princípios democráticos e não estão dispostos a fazer concessões. “Nós estamos em um ponto de inflexão na história. As escolhas que faremos neste momento vão determinar a direção que o mundo vai tomar nas próximas décadas. Nós vamos deixar que a democracia continue em declínio sem fazer nada? Ou nós vamos, juntos, liderar a marcha do progresso e da liberdade humana? Acredito que podemos fazer isso e faremos isso”, disse Biden, na abertura da cúpula, nesta quinta. Bolsonaro deverá continuar com pouco ou nenhum espaço na agenda dos governantes democráticos durante o que resta de seu mandato.
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