A ideologia estatista
incendiou o Museu Nacional

07.09.18

Logo quando comecei a ler sobre as muitas inépcias gerenciais e visão de mundo ultrapassada do quadro diretivo do Museu Nacional e da UFRJ, lembrei-me imediatamente do filme “The Square”, vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2017.

Na cena de abertura do filme (um dos dez melhores que você terá visto em sua vida), uma repórter está prestes a entrevistar o diretor de um museu em Estocolmo.

Trata-se de uma instituição de arte contemporânea. A jornalista quer saber quais são os principais desafios que o dirigente enfrenta em sua administração cotidiana.

Para surpresa da entrevistadora, ele vai direto ao ponto: sua principal tarefa é arrumar dinheiro para o museu. Não de governos ou fundos estatais, mas de apoiadores privados que possam garantir a seu museu uma posição competitiva perante instituições congêneres.

“The Square” aborda muitas tramas sociais contemporâneas — lidar com imigrantes, mendigos, filhos de um casamento que se desfez, o caráter viral das redes sociais. Não deixa também de ser uma refinadíssima sátira ao atual mundo das artes plásticas, seu esnobismo e nonsense.

Mas uma mensagem definitiva que o filme projeta é a de que o diretor do museu, para além de seu pleno conhecimento teórico e comando técnico, atua como um CEO de empresa. É a dura vida de levantar recursos, promover exposições e atividades que garantam a viabilidade econômica da instituição — e ainda assim ocupar-se de sua curadoria.

Nas grandes instituições museológicas, estejamos aqui falando do MOMA de Nova York ou mesmo da Reunião de Museus Nacionais da França (que se responsabiliza por gigantes como o Louvre e o D’Orsay), o perfil da direção não é o do intelectual-militante-político-engajado. E nada a ver com a postura de alguém que simplesmente ocupa o polo passivo da recepção de recursos governamentais.

A governança dessas instituições não as transforma em empresas, mas elas tampouco são cabides de empregos para correligionários partidários ou ideológicos. Todas são crescentemente pautadas por uma lógica econômica e de eficiência. E isto é otimo para a arte e a cultura.

Nos anos noventa, conheci Thomas Krens, o legendário diretor da Fundação Solomon R. Guggenheim, que expandiu dramaticamente a cena museológica pelo mundo. Krens observava que, apesar do caráter de fins não-lucrativos dos museus, uma boa marca se torna artigo de fé para seu público. Numa matéria publicada na revista Advertising Age, ele dizia que “se você compra uma BMW ou uma Mercedes, ou se hospeda num hotel da rede Four Seasons, ou, ainda, visita o Louvre, sua expectativa é a de uma grande experiência de qualidade”.

Para ilustrar a imensa distância que separa a gestão dos museus brasileiros do que se faz em outras partes do mundo, vou apenas relembrar aqui o frustrado projeto de parceria entre o Museu Nacional e o Banco Mundial.

Em meados dos anos noventa, o empresário Israel Klabin, notável homem de cultura e apoiador de um debate moderno sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável, construiu uma grande oportunidade. Convenceu James Wolfensohn, presidente do Banco Mundial (museófilo e bom violoncelista), a ajudar num projeto de “aggiornamento” do Museu Nacional.

A parte de investimento financeiro seria substantiva. O Banco destinaria US$ 80 milhões ao Museu Nacional. Os recursos seriam utilizados na parte arquitetônica, com a contratação de especialistas internacionais de restauro. As instalações teriam controle de umidade e detecção de possíveis focos de incêndio. E contariam com um eficiente circuito interno de câmeras de monitoramento.

Qual a contrapartida demandada pelo Banco Mundial? A modernização da estrutura de governança do Museu Nacional, com administração profissionalizada e conselhos gestor e curador montados com base em mérito.

A UFRJ topou? Claro que não. O bolor ideológico e corporativista dos professores impede o debate sobre a cobrança de mensalidade em universidades públicas a quem possa pagar. Inviabiliza a aproximação entre academia e empresas de modo a produzir patentes e propriedade intelectual em bens e serviços orientados ao mercado. E, assim, barrou também a valiosa colaboração entre o Banco Mundial e o Museu Nacional.

Ainda estão em curso as investigações para saber se foi um balão, um curto-circuito ou uma gambiarra que, no limite, causou o incêndio na Quinta da Boa Vista. Mas é certo que o estatismo e a burocracia foram elementos determinantes para a combustão do Museu Nacional.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO