DivulgaçãoGeraldo Alckmin com o bispo Edir Macedo, da Universal: os candidatos, como sempre, estão de olho no voto dos fiéis

Evangélicos unidos contra o PT

Como os pastores mais poderosos do país atuam no jogo da política e por que, desta vez, eles decidiram se unir para evitar que os petistas voltem ao poder
07.09.18

Há tempos as menções a Deus não eram tão recorrentes em uma eleição presidencial. Nos debates, nas propagandas e nos discursos. A devoção eleitoral é explicada especialmente pelo vertiginoso crescimento, nas últimas décadas, dos evangélicos no país. Segundo estimativas, eles já são um terço da população e devem ultrapassar os católicos em aproximadamente 20 anos. Embora seja uma imensa colcha de retalhos, com dezenas de denominações, e não tenha um comando único, o segmento evangélico tem em comum o fato de a maioria de seus líderes atuar com desenvoltura no jogo da política, negociando o apoio e o voto de seus rebanhos em troca das benesses do poder. Assim foi nas últimas campanhas, e assim está sendo nesta. Com uma diferença importante a ser observada: se antes os chefes das igrejas mantinham relações estreitas com o PT, desta vez eles se alinham para evitar o risco de um petista voltar a ocupar a cadeira mais importante da República. Viram no que consideram traições a oportunidade de alinhar prática e discurso.

Trata-se de uma inflexão crucial, com potencial de impactar no tabuleiro da eleição. E representa uma perda incalculável para os planos petistas. No final de 2014, a então presidente reeleita Dilma Rousseff se encontrou no Palácio da Alvorada com o presidente do PRB, Marcos Pereira. A legenda, controlada pela cúpula da Igreja Universal, caminhava com o petismo desde o primeiro mandato de Lula, motivo pelo qual Pereira avaliou que era chegada a hora de cobrar, pela longa parceria, um incremento na fatura. O partido já tinha alguns cargos relevantes no governo, mas, a Dilma, o presidente do PRB insinuou ter interesse na vaga aberta no Supremo Tribunal Federal com a saída de Joaquim Barbosa. Pereira pediu, mas não levou. Pouco mais de um ano depois, o pastor liderou o processo para deixar a base aliada da petista e anunciar o apoio ao impeachment. Não sem antes negociar com Michel Temer seu espaço no governo. O PRB ganhou o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. E Pereira se escalou para o posto. Lá, ele acabaria arrastado para o epicentro do escândalo da JBS. Foi incluído entre os políticos que receberam propinas de Joesley Batista e companhia.

ReproduçãoReproduçãoJair Bolsonaro é batizado no rio Jordão: desde a pré-campanha ele se move para atrair o apoio dos religiosos
A falta de cerimônia do PRB na política ilustra bem como o fisiologismo que marca a política brasileira se reproduz entre lideranças religiosas. A lógica é a mesma, com o acréscimo de que os pastores oferecem o voto dos fiéis, em tese mais garantido. Só neste ano, o PRB flertou com Alvaro Dias, Jair Bolsonaro e Henrique Meirelles, até fechar finalmente com Geraldo Alckmin. O tucano se mostrou mais categórico ao dizer que o partido conseguiria manter seu espaço e seu prestígio na Esplanada dos Ministérios. De novo, foi Marcos Pereira, o escudeiro de Edir Macedo, quem negociou a aliança. Outro que tem seguido à risco essa receita de negociação é o pastor José Wellington, um dos poderosos chefes da Assembleia de Deus Ministério Belém, a maior igreja evangélica do país, com mais de 15 milhões de fiéis. Com base em São Paulo, Wellington sempre foi muito próximo de Alckmin, mas em julho recebeu Henrique Meirelles, do MDB, em um culto. “Irmãos, ao meu ver, ele é um candidato em potencial para ser nosso futuro presidente da República”, disse àquela altura. Na sequência, o pastor recuou. Declarou duvidar da capacidade de Meirelles decolar nas pesquisas e, mais adiante, anunciou que Alckmin merecia “atenção”. Mas seu filho, o deputado federal Paulo Freire, efetivo operador político da igreja, apoia nos bastidores o presidenciável Jair Bolsonaro, apesar de ser filiado ao PR, que fechou com o tucano. A salada parece confusa. Os pastores, contudo, jogam para não perder – e apostam nas frentes que julgam ter mais chances de vitória.

O vai-e-vem de Pereira e José Wellington neste ano se repete em grande parte das outras denominações evangélicas, que se aproveitam da maior fragmentação da disputa presidencial e da imprevisibilidade do resultado das eleições para aumentar seu cacife junto aos candidatos. E, à diferença do que ocorreu nas campanhas passadas, em que a polarização entre PT e PSDB reduzia a duas as possibilidades de uma aliança político-religiosa vitoriosa, na disputa de agora foi preciso reajustar a estratégia. No primeiro turno, os pastores acenam à maioria dos presidenciáveis, em especial àqueles situados mais à direita do espectro político, sem fechar explicitamente com nenhum deles. A Universal é uma das poucas, dentre as maiores denominações, a ter declarado oficialmente seu apoio a um candidato (Alckmin). Se não há para a maioria delas uma definição muito explícita sobre quem apoiar, existe uma certeza: se o PT estiver no segundo turno, os pastores já sinalizam que estarão do outro lado. “Estamos nos preparando para a orientação aos fiéis na reta final. Vamos escolher um candidato ligado a nossas bandeiras, princípios e valores. Mapearemos onde foram depositados os votos da esquerda no primeiro turno e vamos para lá fazer campanha contrária. O que não fizemos com Aécio em 2014 vamos fazer neste ano contra a esquerda. Corpo a corpo, sentar com pastores, orientar”, afirmou a Crusoé o bispo Robson Rodovalho, da Sara Nossa Terra, em uma das sedes de sua igreja, na periferia de Brasília. A Sara Nossa Terra tem mais de mil templos espalhados pelo país.

ReproduçãoReproduçãoEvangélica, Marina não tem a simpatia dos líderes, mas aparece bem nas pesquisas entre os fiéis
Rodovalho admite que a pluralidade de nomes na direita fez com que, neste ano, as lideranças fossem mais comedidas em declarar seus votos de bate-pronto. O receio era que pudessem estar fazendo uma aposta errada. Em julho, o bispo recebeu Alckmin em um culto em São Paulo. O tucano foi apresentado como “presidente”. Mas os olhos de Rodovalho brilham mesmo é quando ele fala de Bolsonaro. “Acreditamos em Bolsonaro e Alckmin. Muita gente gosta da moderação do Alckmin. Ele é religioso, é da Opus Dei (corrente radical do catolicismo). O problema é que não se move nas pesquisas. Já o Bolsonaro fala o que todo evangélico quer ouvir”, disse, antes do atentado contra o candidato do PSL. A sinalização de Bolsonaro de que pode mudar o modelo de distribuição de recursos federais, destinando mais verbas para os municípios, tem ajudado a atrair apoio dos líderes evangélicos. “Ao mudar o tipo de relação política, ele reforça a relação com os municípios”, afirma o pastor deputado Sóstenes Cavalcante, do Rio, acrescentando em seguida que essa lógica deve facilitar a chegada de recursos a projetos tocados pelas igrejas.

O pastor integra a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que cerrou fileiras com Bolsonaro. Uma das principais lideranças da denominação é o polêmico pastor Silas Malafaia, responsável por abençoar a aliança com o ex-capitão do Exército. Embora negocie nos bastidores, publicamente Malafaia tenta minimizar a capacidade de interferência das igrejas nos resultados eleitorais – algo que, por sinal, a lei proíbe. “Com o advento da rede social, acabou o monopólio da informação. Não temos mais esse efeito todo”, diz o pastor. Assim como Rodovalho, Malafaia também avalia que o voto evangélico vai caminhar majoritariamente para Bolsonaro. “Os evangélicos estão em sua maioria com o Bolsonaro porque ele fala sobre crenças e valores que estão internalizados neles”, diz. O pastor conversa com frequência com o candidato do PSL. Há algumas semanas, o aconselhou a ser mais agressivo com o PT. Ele também foi um dos que operaram mais fortemente para que o senador evangélico Magno Malta fosse vice de Bolsonaro. Uma pesquisa do Ibope divulgada em agosto mostrou que Bolsonaro tem a preferência dos evangélicos, mas divide a preferência com Marina Silva, ela própria evangélica — em quem os pastores não confiam, por ser uma candidata demasiadamente celestial, digamos. Daqui a um mês, as urnas mostrarão se eles conseguirão entregar os votos que têm oferecido, sempre em nome de Deus.

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