RuyGoiaba

O Brasil não é um país, é uma cloaca

07.09.18

Foram necessários 2.000 anos para que o Templo de Bel em Palmira, na Síria, fosse destruído, graças a uma combinação de guerra civil no país e ataques do Estado Islâmico. O Brasil, melhor em tudo, acabou com seu Museu Nacional em um décimo desse tempo, sem precisar de terrorismo nem conflito interno –só com nosso reconhecido know-how em irresponsabilidade e gambiarra.

Como é possível ainda acreditar, depois do incêndio de domingo, que a terra do “crime ocorre, nada acontece, feijoada” seja um país digno do nome? Havia alertas de que o museu pegaria fogo –formulados não como “pode acontecer”, mas como VAI acontecer– desde 2004, pelo menos. Houve dinheiro, certamente desviado para muitos bolsos, para financiar a gigantesca barata do embusteiro Santiago Calatrava (o tal Museu do Amanhã, sem acervo) e mil outras obras.

Em compensação, depois da tragédia, o Brasil segue sendo imbatível em pelo menos dois esportes: jogo de empurra e declarações infelizes de políticos. No segundo caso, temos desde Marcelo Crivella, prefeito do Rio, falando em “recompor o acervo” do museu –vai demorar só uns 12 mil anos até conseguirmos uns fósseis novos, passa rápido– até Jair Bolsonaro, o líder das pesquisas, dizendo “já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê?”.

No campeonato de empurra, temos gente de governos, de todos os níveis, apontando os dedos uns para os outros e tentando explorar o episódio eleitoralmente. Mas a reitoria da UFRJ e os apoiadores do PSOL –esse partidinho tão bom e tão idealista, que só não é PT porque “o PT se corrompeu”, embora muitos amem Lula mesmo assim– merecem um troféu especial. Tendo autonomia para gerir recursos, a universidade ESCOLHEU deixar o museu à míngua e investir, por exemplo, numa rádio; ainda assim, sua direção é tratada como “vítima”. Não: é corresponsável e tem de ser cobrada por isso.

Em qualquer país que não fosse uma cloaca, os responsáveis pelo desastre já teriam renunciado, do primeiro ao último idiota. Não vai acontecer. Ortega y Gasset escreveu que o homem “não é nunca um primeiro homem”, porque a memória permite a ele acumular, possuir e aproveitar o próprio passado. Nada disso vale para o Brasil, que deixa queimar séculos de seu passado e vive nesse eterno ônibus circular entre barbárie e decadência, sem passar pela civilização.

Só lamento pelos pesquisadores que perderam o trabalho de vidas inteiras no incêndio. É gente muito, muito melhor que o próprio país.

P.S., 7 de setembro: este texto foi escrito antes do atentado a Jair Bolsonaro, que só veio confirmar o seu título.

Keiny Andrade/FolhapressFHC se arrumando para seu concerto no telhado (Keiny Andrade/Folhapress)

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A GOIABICE DA SEMANA

Jornalista escrever sobre erro de ortografia dos outros é sempre cuspir para cima. Basta apontar algum, que a gente comete outro pior (eu mesmo acabei de reler a frase anterior, para ter certeza de que não saiu “hortografia”). Mas não consigo deixar passar FHC, o Príncipe da Sociologia, escrevendo no Twitter que mandou verba para “concertar o telhado” do Museu Nacional há 20 anos.

Algum dicionarista dirá que “concertar” poderia ser empregado nesse caso, mas é evidente que o grão-tucano quis se referir ao conserto dos buracos no teto do museu. A não ser que a ideia fosse levar o que sobrou dos Beatles para um novo concerto no telhado. Na falta de eleitores do PSDB, só assim mesmo para alguém dizer a FHC “get back to where you once belonged”.

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  1. Grande Rui, estou gostando muito de seus textos e criatividade. Se não consertamos o Brasil, pelo menos façamos um "concerto" com nossas mazelas sempre que possivel. Um abraço.

  2. Sempre achei aquela bosta do Museu do Amanhã(futuros radiosos e porvires venturosos que NUNCA virão) uma barata branca que logo estará enferrujada. Rio de Janeiro passou de um certo desenvolvimento direto à barbárie, sem um período estável. O "ossiólogo" FHC, deveria era tocar um "conserto de violino no telhado". Sem cair é claro.

  3. Hahahahhahah. Será que o Paul topa concertar no telhado do Museu ? Mas não sobrou telhado. Go back JoJo. Esse boca de godê duplo já deu o que tinha que dar.

  4. O incêndio foi uma forma de terrorismo sim. O abandono pelos administradores comunistas é compatível com sua estratégia de destruição da cultura.

  5. Então tudo combina: o Brasil é uma cloaca e o povo uma merda. Há excessões, poucas, mas há. As coisas que vejo e ouço dos "seus" Joãos (Joões?) e das donas Joanas da Silva, dá para entender o que acontece no país. EDUCAÇÃO ESCOLAR NESSA GENTE!

  6. Não há nada mais imoral nessa história toda ninguém ser preso ou demitido. Tá de boas, é aguardar os próximos incêndios...

  7. FHC já deu. Agradeço o que fez para o país, mas não o perdoo por ter minado tanto quanto pôde a candidatura de Alckmin, do próprio partido. De Aécio, traidor da Pátria e dos brasileiros, nada fala.

  8. As prioridades foram os estádios para a copa de 2014. 8,9 bilhões de reais, suficientes para manter o museu por 16.182 anos. É mole ou quer mais?

  9. Muito boa a sua crônica! E muito triste a nossa realidade! Revoltada master com tudo, mas não pude deixar de rir no final com Get Back!

  10. Ruy, otima cronica. Vale mencionar o trofeu maximo da cara de pau: Temer noticiando que estava ligando para empresarios pedindo “contribuiçoes” para “verba” de reconstrução para o Museu Nacional......Tira o tubo.....

  11. A nao ser que ele tenha achado que a orquestra tocava no telhado enquanto o Museu ardia em chamas, à moda do Titanic. Esses intelectuais...

  12. Ruy, só uma correção, ou melhor, observação. A frase dita por Bolsonaro e transcrita no seu texto, foi dita em contexto diferente do que se infere de imediato. Ele respondia a uma pergunta abilolada, depois de ter dado outras respostas bem alinhadas com seu texto. Vale uma "checada" nos fatos, por completo.

  13. Museu do amanhã é o tipo da coisa que mostra o apreço que a esquerda tem pela história, ou seja, nenhuma, o marxismo prevê a construção de uma nova história, uma história onde a URSS venceu a guerra fria, uma história onde Cuba é o pais mais prospero e livre da America, uma historia onde todas as pessoas são, ao mesmo tempo, LGBTs, negros, transsexuais, etc. Uma história onde as crianças, na escola, assistem aulas nuas, tocando suas genitálias mutuamente.

  14. Luzia sobreviveu por 12000 anos aos mais variados perigos. Só não sobreviveu à incompetência clássica brasileira psolista

  15. Impecável o artigo e a escolha de tema: A destruição das instituições é o que literalmente transforma o país em um esgoto a céu aberto, e isso vem ocorrendo com a mesma rapidez do fogo que esta semana consumiu séculos da nossa história.

  16. Pensei que ninguém lembraria daquela aberração arquitetônica, o "Museu" do Amanhã. Desde o incêndio no Museu Nacional não vi ninguém lembrar o dinheiro desperdiçado naquela coisa, nem O Antagonista lembrou. Uma das construções mais horrorosas jamais feitas. Imaginem se o dinheiro gasto para construir aquilo tivesse sido usado para restaurar a Quinta da Boa Vista. Nada disso teria acontecido. Os governantes do Brasil nasceram de uma cloaca.

    1. Não conheço Museu do Amanhã por dentro. O acervo do MAR é ridículo. Os dois são frutos e espelhos perfeitos do oba-oba megalomaníaco de copa/olímpiada e da total falta de senso de prioridade.

  17. Nos últimos 16 longos anos o processo de haitianização de Pindorama caminhou orgulhosamente a passos largos: logo superaremos o modelo e chegaremos ao paraíso de Rousseau…

  18. A última edição da Crusoé está especialmente boa. A revista se aprimora cada vez mais, em conteúdo, técnica e agilidade. As entrevistas sempre excelentes. Parabéns à equipe. Sucesso garantido!

  19. Isso por que você não sabe que o Decreto de nossa Independência tenha sido ele assinado por Leopoldina ou por D.Pedro evaporou-se, ninguém sabe, ninguém viu. Não fosse o tratado de 1826 ,Portugal poderia reivindicar a posse do Brasil e voltaríamos a fazer parte do reino Unido de Portugal e Algarves! kkkk. O lado bom é que teríamos automaticamente cidadania europeia e nossa moeda seria o EURO.

    1. Agora a má notícia : em vez do samba, nosso ritmo oficial seria o vira!

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