Marcos Nagelstein/Folhapress"Bolsonaro é um homem que não passaria num psicotécnico para carteira de motorista"

‘A corrupção está voltando pior do que era’

Decano da política nacional, o ex-senador gaúcho Pedro Simon se mostra horrorizado com o atual momento do país. Para ele, Bolsonaro não passaria em um exame psicotécnico
17.12.21

Na velha guarda da política nacional, Pedro Simon é um dos poucos que podem se orgulhar de nunca terem se envolvido em escândalos. Sem mandato depois de mais de seis décadas de vida pública, ele viu boa parte da história política do último século passar diante de si e, com autoridade, assegura que nenhum outro momento se compara ao atual, marcado pelo extremismo e pela falta de convergência. Nem nos complicados anos da ditadura militar, diz, era assim. “Sabíamos o que queríamos. Agora, ninguém sabe o que quer.” Aos 91 anos, Simon foi vereador, deputado estadual, governador do Rio Grande do Sul, ministro e senador – só no Senado, passou 32 anos. Não significa, porém, que tenha se afastado do jogo. A partir de seu apartamento em Porto Alegre, o gaúcho respira política em tempo integral. Na semana passada, ele participou por vídeo da cerimônia de lançamento da pré-candidatura ao Planalto da senadora Simone Tebet, sua colega de partido. Dias antes, se reuniu com outro pré-candidato, o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro.

Nesta entrevista a Crusoé, o emedebista traça um panorama do quadro político brasileiro. Diz que o governo de Jair Bolsonaro é “um pavor” (“Bolsonaro é um homem que não passaria num psicotécnico para carteira de motorista”), lamenta o esvaziamento da Lava Jato, critica as decisões do Supremo Tribunal Federal em favor de réus e investigados e constata: “A corrupção está voltando pior do que era”. O ex-senador é um entusiasta declarado da candidatura de Tebet. Tanto que ataca sem meias palavras os “diabólicos” integrantes da cúpula emedebista que estariam insuflando o nome da senadora só para aumentar o cacife do partido. Simon se empolga ao sugerir uma dobradinha entre Tebet e Moro, a despeito das resistências ao nome do ex-juiz dentro do MDB. A combinação, para ele, seria imbatível, com qualquer um dos dois como cabeça de chapa. “Num quadro real, se vamos para valer, vai ela e o Moro e não tem quem pare”, defende. Eis a entrevista.

Como o sr. avalia o atual momento da política brasileira?
Tenho 91 anos, 60 anos de mandato e 32 anos de Senado. Participei praticamente de tudo. Já vivi de tudo em termos de ditadura, violência, radicalização, expectativa de governo que não se cumpriu, mas nunca vivi uma época como esta que estamos vivendo agora. Nos anos de ditadura, não tínhamos problema de decidir para onde íamos. Queríamos estabelecer democracia. Sabíamos o que queríamos. Agora, ninguém sabe o que quer. Aplaudi o governo Lula, teve um momento positivo, mas no segundo governo os escândalos de corrupção tomaram conta. Ele foi condenado, cumpriu a pena e de repente volta tudo atrás. Uma hora está na cadeia como ladrão e na outra é uma vítima, um coitado que virou candidato a presidente. Do outro lado, tem um presidente da República que faz uma administração que é um pavor. Bolsonaro é um homem que não passaria num psicotécnico para carteira de motorista. E esse homem é o presidente da República.

Dida Sampaio/Estadão ConteúdoDida Sampaio/Estadão Conteúdo“Aplaudi o governo Lula, teve um momento positivo, mas no segundo governo os escândalos tomaram conta”
O sr. vê saída para o clima de ódio que tomou conta do debate político nacional ou estamos fadados a conviver com isso por muito tempo ainda?
É uma radicalização total. Ou o fulano é o diabo ou o fulano é Deus. A grande prova será o ano que vem, com a eleição. Vamos superar esse clima, esse ambiente e fazer uma eleição em que haja entendimento e respeito? Esse é o desafio que estamos vivendo. Tenho usado o meu celular para falar com jovens, estudantes, dizendo para eles falarem com seus seguidores e fazerem um debate do bem. A modernidade dos meios de comunicação é altamente positiva, mas também pode ser muito negativa para alimentar a rede de ódio.

Depois do enfraquecimento da Lava Jato, os velhos hábitos parecem estar de volta a Brasília. Era previsível?
O que eu vi e senti nos anos que passei no Senado era algo que estava chegando a limites insuportáveis. Era algo instalado e oficializado. Nunca víamos um político ir para a cadeia por ser ladrão. Eram manchetes de roubo e escândalo sem que nada acontecesse. Aí veio o estouro da Lava Jato, todas as denúncias que tinham que ser feitas aconteceram, uma série de pessoas começou a ser presa. E de repente, não mais que de repente, tudo mudou. O Supremo mudou, voltou atrás e decidiu que só vai para cadeia condenado em última instância. É bom lembrar: Lula não foi absolvido, a condenação foi anulada. Zerou tudo. E a corrupção está voltando pior do que era.

A corrupção voltou com mais força que antes?
Sim, voltou com muita força, mas não com força invencível, até porque todo mundo está aterrorizado, e alguma coisa tem que ser feita.

Qual é o papel do Judiciário nesse processo de restabelecimento do velho establishment político?
Muito triste. Infelizmente um ministro do Supremo (refere-se a Gilmar Mendes) diz que está implantado o semiparlamentarismo. E que o poder moderador já está com o Supremo. O mesmo ministro que votou pela condenação em segunda instância, para que um condenado fosse para a cadeia, agora voltou atrás sem ter nenhum fato diferente. Não precisam decidir em plenário ou em turma, um ministro toma uma decisão e para tudo. E o Senado não tem coragem de mexer no Supremo, porque tem vários parlamentares com processo em andamento lá. É um ambiente que não poderia ser pior, um exagero de interferência. É uma ciranda que leva a isso, com um presidente da República tremendamente esvaziado.

Gustavo Roth / Fundação Piratini - TVE e FM CulturaGustavo Roth / Fundação Piratini - TVE e FM Cultura“É bom lembrar: Lula não foi absolvido, a condenação foi anulada”
As mudanças de posicionamento do STF sobre condenados por corrupção geram insegurança jurídica? O Supremo virou um tribunal político?
Não tenho nenhuma dúvida de que o Supremo, quando tomou a decisão de mandar prender condenado em segunda instância, fez realmente o gesto mais significativo dos últimos 40 anos da vida política e institucional brasileira. E, quando voltou atrás, foi uma humilhação, um ato que não consigo explicar. Depois disso, o Supremo não merece mais o respeito da nação.

Após o discurso da “nova política” ganhar força na eleição de 2018, observamos Bolsonaro se aliar ao Centrão e fazer acordos para se manter no cargo, uma prática antiga. Eleitores do presidente parecem não se importar com o fato de ele ter deixado pautas de campanha para trás. Parte do eleitorado está mais condescendente?
Tenho pena do nosso eleitorado, com essas redes sociais radicais e esse debate pesado. Lula fala bem, mas diz horrores dos outros, reduz o (Sergio) Moro a zero. Por que ele foi parcial? Ele foi juiz e julgou. E essa campanha a favor do Bolsonaro, o pessoal dele lembra a propaganda do Hitler, chamando-o de mito, aprovando tudo o que ele fala. Bolsonaro tem um esquema muito bem feito de comunicação, são milhões de brasileiros conectados a ele.

Como o sr. avalia o perfil do Congresso atual, com a institucionalização do orçamento secreto e a distribuição de emendas sem transparência, agradando a aliados políticos?
O Congresso sempre teve muitos problemas, mas nunca foi igual ao que é agora. Bolsonaro se agarrou no Centrão, que sempre foram os que ganharam vantagem. Agora, tem essa emenda do relator. Nem na ditadura existia isso. É a fase mais triste do Congresso Nacional.

Acredita que, com o Auxílio Brasil, o governo vai recuperar o apoio entre os mais pobres?
É triste porque é a realidade dos milhões que estão passando fome e precisamos ajudá-los. E não se pode criticar o auxílio, tem gente morrendo de fome. Agora, pode-se criticar, sim, a iniciativa de fazer política em torno disso.

O que esperar do último ano do mandato de Bolsonaro?
É uma interrogação. Queira Deus que haja controle da inflação. Mas não sabemos o que o governo vai fazer ou não. Quando a campanha estiver na rua, será muito diferente do que foi há três anos. Havia uma expectativa em torno de Bolsonaro, mas nunca se imaginou isso que está acontecendo. E o oposto dele é Lula, que virá como mártir e herói.

Lia de Paula/Agência SenadoLia de Paula/Agência Senado“Tenho pena do nosso eleitorado, com essas redes sociais radicais e esse debate pesado”
O que vai definir a eleição do ano que vem? Economia será o tema principal ou a corrupção ainda estará em debate?
Não digo que corrupção não será um grande tema, mas a economia será muito importante. O Brasil tem coisas positivas, o mapa agrícola é fantástico. É o maior exportador de grãos do mundo. Agora, do outro lado, há uma série de equívocos. Essa crise dos três poderes, por exemplo: vamos ver como vai se comportar o Supremo no meio dessa confusão.

O sr. defendia uma candidatura própria do MDB. Como outras candidaturas que têm se colocado agora, fala-se que a de Simone Tebet pode ser usada para negociar o posto de vice no futuro. Afinal, é uma candidatura para valer?
Acho que sim. O MDB tem uma triste tradição. Nunca se deu bem em campanha para presidente, desde as Diretas Já. Mas agora estamos em outra realidade. A Simone é um grande nome e tem tudo para avançar. Nesse momento, temos que colocar em debate a união de Simone e Moro numa chapa, que tem tudo para vencer. O problema não é quem será o cabeça de chapa. Precisamos percorrer o Brasil com os dois e, às vésperas da eleição, em julho do ano que vem, fazer pesquisa para ver qual dos dois vai para presidente. São duas bandeiras espetaculares. Se unirmos as duas, temos tudo para fazer uma grande campanha. Não concordo em esvaziar a candidatura dela.

O MDB não tem resistência a uma aliança com Moro?
Prefiro não responder. Quem está sendo condenado deve ter resistência (ao nome de Moro). Quem tem denúncia não pode definir o caminho do MDB.

Há pouco mais de um mês, Moro se reuniu com o sr. em Porto Alegre. Como tem observado a movimentação dele como pré-candidato?
Ele veio me procurar, dei um abraço e torci para as coisas darem certo. Temos que ver qual será o MDB que vai sair para campanha. Se for o dessa turma que esteve no poder esse tempo todo, não dá para entender. Vamos dar um vice de mentirinha para um presidente que vai fazer o que não tem nada a ver com a história do MDB? Seria uma piada.

A direção do MDB colocou como data-limite abril de 2022 para a pré-candidatura de Simone Tebet emplacar e alcançar pelo menos 10% das intenções de voto. Nas pesquisas feitas até agora, ela aparece com 2%. O sr. aposta em uma virada nesses números?
Não tenho nenhuma dúvida, principalmente se fizer a chapa Simone e Moro. Essa chapa é perfeita. É Simone e Moro ou Moro e Simone. A chapa é essa. O povo vai aceitar com muita alegria. E esses caras que, diabolicamente, querem usar a Simone para fazer onda até junho vão ficar falando sozinhos.

Gustavo Roth / Fundação Piratini - TVE e FM CulturaGustavo Roth / Fundação Piratini - TVE e FM Cultura“Temos que colocar em debate a união de Simone e Moro numa chapa, que tem tudo para vencer”
Durante o lançamento da pré-candidatura da senadora foi notada a ausência de nomes representativos do partido, como Renan Calheiros, Eduardo Gomes e Fernando Bezerra. O MDB está dividido?
Não diria dividido. Diria que uma grande maioria do MDB deseja a candidatura de Tebet, e aceitará a dupla dela com Moro. Porque isso representa o que é o MDB e o futuro do Brasil. Os outros não têm coragem de vir à frente. Uns querem apoiar Lula, outros querem pegar uma vice. Realmente gostaram muito de ser vice. Pegamos a vice da presidente do PT (Dilma Rousseff) e, depois, com o impeachment, ocupamos o lugar dela. Até abril não dá para dizer quem vai ganhar a Presidência, pode ser que o presidente esteja em quarto ou quinto lugar.

O MDB é um partido que tem grande capilaridade no país. Em um cenário de polarização que se desenha, o sr. consegue enxergar emedebistas fazendo campanha para Simone Tebet em suas bases?
É uma pergunta interessante. Você vê que, até meses atrás, não se pensaria em Lula candidato. O cara foi condenado por corrupção, com sentença em segundo grau. O Judiciário voltou atrás e agora ele é candidato. No quadro que está aí, lançaram a candidatura da Simone de mentirinha para ganhar tempo. Agora num quadro real, se formos para valer, vai ela e o Moro e não tem quem pare.

O sr. disse em entrevista recente que via como improvável uma unidade na terceira via. Falta disposição dos pré-candidatos em ceder a cabeça de chapa em nome da união do centro?
Pode ser que isso tenha peso. Por enquanto, Lula está eleito no segundo turno, Bolsonaro em segundo e Moro em terceiro. Mas não tem nada definido. O Ciro Gomes é uma pessoa respeitável, mas tenho certeza absoluta de que ele não vai para o segundo turno. Quanto ao PSDB, nem eles sabem. Doria em quatro anos e meio saiu do nada, foi a prefeito, governador e agora quer tentar ser presidente. São Paulo é uma máquina de dinheiro que faz obra e realiza. O governo dele é sério, e durante a pandemia sustentou briga com Bolsonaro. No entanto, ele não levanta do chão nas pesquisas. O PSDB não sabe onde vai parar.

O ex-presidente Lula tem feito movimentos para se aproximar de líderes do MDB, em especial no Nordeste. Há chance do MDB fechar com Lula já no primeiro turno?
Eu não acredito.

Em 2019, o sr. afirmou que se o MDB não fizesse uma profunda reflexão corria o risco de desaparecer. Essa reflexão foi feita?
Não. A reflexão profunda sobre o contexto não foi feita. As pessoas que estão do lado errado são grandes e têm peso no partido. Os equívocos não foram revistos e nem foi traçada uma nova meta. Não foi feito. Mas posso dizer que a escolha da Simone foi um movimento de grandeza do partido. Não sei quantas pessoas aderiram, mas não nasceu de conchavo e sim de pessoas que veem nela uma grande candidata.

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