MarioSabino

A novela do PT está no ar desde 2005

17.12.21

No dia em que escrevo este artigo, meu filho caçula faz 16 anos, e desde o seu nascimento a minha vida pessoal nunca mais foi a mesma, como é natural. Há 16 anos, a revista na qual eu trabalhava destampou o escândalo do mensalão, e a minha vida profissional nunca mais foi a mesma, como é antinatural.

Filhos são sempre fonte de alegria, preocupação e alguma irritação, inclusive quando atingem a idade adulta, caso do meu primogênito, hoje com 28 anos, que vai muito bem, obrigado, na Austrália. Escândalos de corrupção governamental, para um jornalista político, deveriam significar apenas mais um trabalho marcado pela efemeridade, mesmo quando são gigantescos. E, no entanto, isso não aconteceu com o escândalo do PT.

O meu filho cresceu, está feliz porque tirou o aparelho dental e, se o seu plano permanecer firme, quer ser roteirista de séries de TV e cinema. O mocinho sonha alto: pretende conquistar um lugar ao sol nos Estados Unidos e até escreveu três episódios de uma série, em inglês. Intrépido, enviou o que escreveu para uma grande produtora americana, dizendo que tinha 15 anos, era brasileiro, mas que o problema no Brasil é que só se produzia novela, praticamente, e ele odeia novela. Como americanos respondem a todas as mensagens, o rapazinho foi informado de que a produtora só trabalhava com roteiros sob encomenda. “Recebi o meu primeiro não, pai!”, disse ele, todo orgulhoso.

Enquanto o meu filho agora com 16 anos está às voltas com roteiros e doido para sair da escola que o obriga a estudar Química e Biologia (“esse tipo de escola é uma coisa ultrapassada, pai”), eu continuo às voltas com um novelão interminável, protagonizado por atores vagabundos e com uma trama na qual os vilões têm vencido nos capítulos decisivos, fazendo do Brasil um país ultrapassado em quase todos os campos. Eu e outros jornalistas tentamos mudar o roteiro, dentro dos nossos limites, mas recebemos sucessivos nãos, e nenhum deles é motivo de orgulho nem para nós nem para ninguém que tenha o mínimo de decência.

Os escândalos protagonizados pelo PT e os seus cúmplices, inclusive aqueles que se colocaram como opositores para enganar o indistinto público, constituem uma única novela repetitiva e, portanto, enfadonha. As designações mudam — mensalão, aloprados, petrolão, mensagens roubadas —, mas o folhetim é sempre o mesmo, com idêntico final infeliz. E, além de ser protagonizada por atores vagabundos, o texto da novela tem um português péssimo.

Nesta semana, Lula tentou limpar a imundície do mensalão, afirmando que os bilhões do orçamento secreto de Jair Bolsonaro é que são corrupção de verdade — como se a compra de parlamentares pelo PT não tivesse aberto o caminho para a compra de parlamentares por Jair Bolsonaro. Relativizar os próprios crimes é um das falas constantes desse elenco de quinta categoria. Negar o que disse alto e bom som também faz parte do arsenal dos canastrões. O exemplo mais recente também data desta semana. Alvo, juntamente com o irmão Cid Gomes (aquele democrata da retroescavadeira), de uma operação da PF que investiga corrupção na construção do estádio Castelão, em Fortaleza, o pedetista Ciro Gomes disse que se tratava de uma ação política da Polícia Federal aparelhada por Jair Bolsonaro e acusou o presidente da República de ser ladrão, assim como os seus filhos. Ele já vinha acusando Lula de ladroagem, igualmente, com quem disputa a preferência dos eleitores de esquerda. Ciro Gomes afirmou, num dos seus arroubos calculados: “Vão me insultar, vão me agredir. Mas a intenção é exatamente essa: me abater para que eu seja moderado, para que eu não continue atacando aqueles ladrões e assaltantes da vida pública brasileira, como é o Bolsonaro e como foi o Lula”.

Depois que o chefão petista lhe deu uma piscadela, condenando a operação da PF, Ciro Gomes negou que tenha chamado Lula de ladrão: “Agradeço o gesto democrático do presidente Lula em denunciar isso que eu sofri. A violência que aconteceu contra mim é para me calar, e eu apenas disse que vou continuar dizendo o que penso. Eu não acho que o Lula seja um ladrão, eu nunca disse isso”. Como explicar essa mentira? É porque o chefão petista aproveitou a oportunidade para dar uma porta de saída a Ciro Gomes e faturar com isso. Como o pedetista não tem chance de fazer decolar a sua candidatura ao Palácio do Planalto, e o seu partido quer que ele desista, para não gastar dinheiro do fundo eleitoral à toa, o ainda candidato poderá aderir a Lula sem vergonha, afirmando que passará a integrar uma “frente democrática” contra um presidente autoritário que quer transformar o Brasil numa ditadura militar e do qual ele, Ciro Gomes, foi vítima com a operação da PF. Esse script da “frente democrática” já está previsto para Geraldo Alckmin, aquele que, como o pedetista, acusava Lula de ser corrupto. Trata-se de uma reviravolta na história que surpreende apenas quem não acompanha de perto o novelão insuportável que está no ar desde 2005.

Meu filho caçula tem razão: o Brasil só produz novela, e eu também odeio novela.

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