Parceria entre Wellington Dias e Themístocles Filho embalou nomeações de parentes e apaniguados

O cabidão de empregos piauiense

Dobradinha entre o governador petista Wellington Dias e o presidente da Assembleia Legislativa, Themístocles Sampaio Filho, transforma o compadrio em norma no Piauí
24.12.21

Era uma terça-feira ensolarada de agosto, quando Lula desembarcou em Teresina, capital do Piauí, como parte de um périplo pelo Nordeste de sua pré-campanha à Presidência. Foi ciceroneado pelo governador Wellington Dias, apontado como o nome do PT para concorrer ao Senado no ano que vem. No palanque, em frente a um imenso banner com uma foto do ex-presidente petista, Dias entabulou um discurso para lá de surrado, mas que será repetido à exaustão durante a campanha a fim de tentar encantar os incautos: atacou a Lava Jato e disse que Lula representa “um perigo para quem não quer que os mais pobres tenham vez”. Um dos principais interlocutores hoje de Lula no Nordeste, o governador piauiense encarna o petista legítimo: aquele que prega o que não costuma praticar. Atualmente, na política local, quem “tem vez” são seus próprios apaniguados. No Piauí, as nomeações viraram sinônimo de compadrio – e é óbvio que, sendo assim, os contemplados não são os “mais pobres” do discurso aveludado de Dias. A partir de uma tabelinha entre o governador e o presidente da Assembleia Legislativa do Piauí, a Alepi, Themístocles Sampaio Filho, do MDB, foi montada uma espécie de rede de cabides de emprego que beneficia os próprios familiares de ambos, parentes de dirigentes partidários, além de integrantes do Ministério Público estadual e do Tribunal de Contas do Estado.

A nomeação do irmão de Themístocles Marllos Sampaio, em 2017, por Wellington Dias, para o cargo de coordenador do Programa Mais Vida Com Cidadania para o Idoso é uma das faces mais visíveis dessa engrenagem. Na função, o irmão do presidente da Alepi tem embolsado 30.724 reais mensais. No site oficial do programa coordenado por Sampaio não é informado sequer uma ação que tenha sido realizada sob a batuta do irmão de Themístocles, que é delegado da Polícia Civil. Parece não importar – ao menos para a dupla Dias e Themístocles Filho. O que interessa é que, graças a uma jogada típica de nepotismo cruzado, a Assembleia Legislativa emprega, como contrapartida, o irmão do governador do PT, Washington Dias. Ele está na folha de pagamentos do Legislativo piauiense, com vencimentos de 9 mil mensais. O sistema interno da Alepi não permite saber a data em que a nomeação de Washington Dias ocorreu. Os nomes dos servidores não aparecem no portal, que se restringe a informar o CPF dos funcionários. Segundo versão da assessoria da Alepi, apresentada após questionamento da Crusoé, o irmão do governador foi nomeado sem concurso público como revisor legislativo. Só que “na década de 80”. Eles não dizem quando ou quantas vezes a nomeação foi renovada e por quem.

De todo modo, a prática que contraria os princípios básicos da administração pública não parece ser um constrangimento para Themístocles Filho. Recentemente, numa canetada só, o mandachuva do legislativo piauiense pendurou as três cunhadas nos cofres da Alepi, um gasto que representa 34 mil reais mensais ao erário. Até a ex-mulher de Themístocles foi contemplada: assumiu um cargo de assessoria que lhe garante um salário de 19 mil reais mensais.

Washington Dias, irmão do governador do Piauí, ocupa cargo na Assembleia Legislativa
Para além da atenção aos seus e, claro, ao irmão do governador, Themístocles Filho agraciou parentes de outros políticos ligados ao PT. É o caso de duas filhas e um genro da ex-deputada petista Flora Izabel. Ela não ficou de mãos abanando: deixou a Alepi após virar conselheira do Tribunal de Contas do Estado, o TCE, em setembro deste ano — na empreitada para ocupar o cargo vitalício, ela recebeu o apoio de Themístocles. Integrantes do TCE são igualmente beneficiários dos préstimos do presidente da Assembleia Legislativa. Marido de Lilian Martins, presidente do TCE, Wilson Martins, que é ex-governador e não se elegeu ao Senado, foi nomeado consultor na Alepi com salário de 22,8 mil reais. A mulher do conselheiro do TCE Kleber Eulálio, Lúcia Maria Eulálio, foi nomeada para a mesma função, só que com vencimentos de 18 mil mensais. Alba Linhares, esposa do procurador de Justiça Antônio Linhares, que já chefiou por duas vezes o Ministério Público do Piauí, foi outra a ganhar uma boquinha na Assembleia Legislativa. Nesse caso, Themístocles foi menos generoso: conseguiu apenas uma vaga de assessora, a 1,8 mil reais por mês.

As nomeações nada republicanas patrocinadas pela dupla já renderam problemas para a imagem do petista Wellington Dias. Depois que Nailer Gonçalves de Castro, irmã da deputada Margarete Coelho, do PP, foi nomeada em 2017, por Dias, para um cargo de assessora especial em seu gabinete, descobriu-se que ela ocupava, ao mesmo tempo, um cargo também comissionado na Secretaria de Administração de São Raimundo Nonato, cidade a mais de 500 quilômetros da sede do governo estadual. O acúmulo de função durou mais de dois anos. Após a repercussão do escândalo na imprensa local, em maio de 2019, Dias se viu obrigado a exonerá-la. Detalhe não menos importante: Margarete Coelho, irmã da servidora beneficiada por Dias, foi vice na chapa do petista eleita em 2014.

Pablo Valadares/Câmara dos DeputadosPablo Valadares/Câmara dos DeputadosMargarete Coelho, ex-vice de Wellington Dias, teve irmã nomeada no gabinete do petista
O governador e o presidente da Assembleia Legislativa são donos de trajetórias semelhantes e integram famílias tradicionais da política piauiense. O pai e a mãe de Wellington Dias foram, respectivamente, prefeito e vice-prefeita do pequeno município de Paes Landim, a 400 quilômetros de Teresina. Eleito governador por quatro vezes, com direito a uma eleição ao Senado nesse ínterim, Dias é filiado ao PT desde 1985 e principal nome do partido no estado. Themístocles, por sua vez, é filho do ex-deputado federal Themístocles Sampaio Pereira, falecido em 2013. Exercendo o sexto mandato de deputado estadual, Themístocles Filho virou presidente da Alepi em 2005 e foi reconduzido ao cargo nada menos do que oito vezes – as eleições para a presidência da Alepi ocorrem a cada dois anos. A permanência de Themístocles Filho à frente do Legislativo piauiense representa um recorde nacional não alcançado por nenhum outro presidente de Assembleia. Agora ficou mais fácil entender o porquê – e tudo sob a benção do PT e de Wellington Dias, o mesmo que alardeia que os “pobres” só terão vez com a volta de Lula ao poder. O curioso é que os 14 anos do partido no poder parecem não ter sido tempo suficiente para tirar o Piauí da miséria. Pobre mesmo é do eleitor.

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