O cabidão de empregos piauiense
Era uma terça-feira ensolarada de agosto, quando Lula desembarcou em Teresina, capital do Piauí, como parte de um périplo pelo Nordeste de sua pré-campanha à Presidência. Foi ciceroneado pelo governador Wellington Dias, apontado como o nome do PT para concorrer ao Senado no ano que vem. No palanque, em frente a um imenso banner com uma foto do ex-presidente petista, Dias entabulou um discurso para lá de surrado, mas que será repetido à exaustão durante a campanha a fim de tentar encantar os incautos: atacou a Lava Jato e disse que Lula representa “um perigo para quem não quer que os mais pobres tenham vez”. Um dos principais interlocutores hoje de Lula no Nordeste, o governador piauiense encarna o petista legítimo: aquele que prega o que não costuma praticar. Atualmente, na política local, quem “tem vez” são seus próprios apaniguados. No Piauí, as nomeações viraram sinônimo de compadrio – e é óbvio que, sendo assim, os contemplados não são os “mais pobres” do discurso aveludado de Dias. A partir de uma tabelinha entre o governador e o presidente da Assembleia Legislativa do Piauí, a Alepi, Themístocles Sampaio Filho, do MDB, foi montada uma espécie de rede de cabides de emprego que beneficia os próprios familiares de ambos, parentes de dirigentes partidários, além de integrantes do Ministério Público estadual e do Tribunal de Contas do Estado.
A nomeação do irmão de Themístocles Marllos Sampaio, em 2017, por Wellington Dias, para o cargo de coordenador do Programa Mais Vida Com Cidadania para o Idoso é uma das faces mais visíveis dessa engrenagem. Na função, o irmão do presidente da Alepi tem embolsado 30.724 reais mensais. No site oficial do programa coordenado por Sampaio não é informado sequer uma ação que tenha sido realizada sob a batuta do irmão de Themístocles, que é delegado da Polícia Civil. Parece não importar – ao menos para a dupla Dias e Themístocles Filho. O que interessa é que, graças a uma jogada típica de nepotismo cruzado, a Assembleia Legislativa emprega, como contrapartida, o irmão do governador do PT, Washington Dias. Ele está na folha de pagamentos do Legislativo piauiense, com vencimentos de 9 mil mensais. O sistema interno da Alepi não permite saber a data em que a nomeação de Washington Dias ocorreu. Os nomes dos servidores não aparecem no portal, que se restringe a informar o CPF dos funcionários. Segundo versão da assessoria da Alepi, apresentada após questionamento da Crusoé, o irmão do governador foi nomeado sem concurso público como revisor legislativo. Só que “na década de 80”. Eles não dizem quando ou quantas vezes a nomeação foi renovada e por quem.
De todo modo, a prática que contraria os princípios básicos da administração pública não parece ser um constrangimento para Themístocles Filho. Recentemente, numa canetada só, o mandachuva do legislativo piauiense pendurou as três cunhadas nos cofres da Alepi, um gasto que representa 34 mil reais mensais ao erário. Até a ex-mulher de Themístocles foi contemplada: assumiu um cargo de assessoria que lhe garante um salário de 19 mil reais mensais.
As nomeações nada republicanas patrocinadas pela dupla já renderam problemas para a imagem do petista Wellington Dias. Depois que Nailer Gonçalves de Castro, irmã da deputada Margarete Coelho, do PP, foi nomeada em 2017, por Dias, para um cargo de assessora especial em seu gabinete, descobriu-se que ela ocupava, ao mesmo tempo, um cargo também comissionado na Secretaria de Administração de São Raimundo Nonato, cidade a mais de 500 quilômetros da sede do governo estadual. O acúmulo de função durou mais de dois anos. Após a repercussão do escândalo na imprensa local, em maio de 2019, Dias se viu obrigado a exonerá-la. Detalhe não menos importante: Margarete Coelho, irmã da servidora beneficiada por Dias, foi vice na chapa do petista eleita em 2014.
Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.