ReproduçãoEx-líder estudantil de extrema-esquerda, Gabriel Boric assume o Chile em meio a uma crise econômica e ao aumento do desemprego

Qual esquerda avança na América Latina?

A vitória de Gabriel Boric no Chile amplia o arco esquerdista na região, que ainda terá eleições na Colômbia e no Brasil. A adesão do líder estudantil à democracia e seu distanciamento das ditaduras de Venezuela, Cuba e Nicarágua ainda serão testados na prática
24.12.21

Candidatos de esquerda venceram diversas eleições na América Latina na esteira da pandemia de Covid. Luis Arce Catacora ganhou na Bolívia no final de 2020. Neste ano, Pedro Castillo e Xiomara Castro, esposa de Manuel Zelaya, venceram no Peru e em Honduras. A eles se junta agora Gabriel Boric, de 35 anos, no Chile. Com o México sendo governado por Andrés Manuel López Obrador e a Argentina, por Alberto Fernández e Cristina Kirchner, a constatação de que o pêndulo da região está se afastando da direita fica mais forte. Colômbia e Brasil terão eleições no ano que vem, com candidatos esquerdistas à frente nas pesquisas de intenções de voto: Gustavo Petro e Lula, respectivamente.

Em parte, essa onda é uma consequência do enfraquecimento dos governos nacionais que não conseguiram ou não souberam lidar com a pandemia de Covid-19 e seus efeitos colaterais, como a crise econômica e o aumento do desemprego. Alguns, como o do peruano Martín Vizcarra, ainda foram fragilizados por escândalos de corrupção. Além disso, agremiações de esquerda foram hábeis em aproveitar o descontentamento mais generalizado com a política tradicional, formando coalizões com outros partidos.

No Chile, os protestos de 2019 já tinham sinalizado uma mudança mais profunda, desejo que foi balizado com a convocação de uma Convenção Constituinte. No primeiro turno das eleições, os partidos que governaram o Chile nos últimos 30 anos foram rejeitados nas urnas. Boric, um líder estudantil de extrema-esquerda com dois mandatos de deputado, conseguiu passar para a fase seguinte. No segundo turno, no domingo, 19, ele sagrou-se vencedor com 56% dos votos, desta vez contando com o apoio da centro-esquerda moderada, representada pelo Partido Socialista e pela Democracia Cristã.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisGustavo Petro lidera as pesquisas na Colômbia: eleições do próximo ano podem confirmar ascensão da esquerda no país
O movimento regional remonta ao dos anos 2000, quando lideranças de esquerda ascenderam ao poder em diversos países. O ditador venezuelano Hugo Chávez comprava apoio político com seus petrodólares e fazia uso da inteligência cubana. Uma valorização das commodities, como o petróleo e a soja, permitiu investimentos e a adoção de políticas assistencialistas, incluindo no Brasil petista.

Nessa época de bonança econômica, o escritor e jornalista peruano Álvaro Vargas Llosa, filho do prêmio Nobel Mario Vargas Llosa, criou duas categorias de esquerda, “carnívora” e “herbívora”, para designar os regimes no continente. Na primeira turma estariam a Venezuela de Hugo Chávez, o Equador de Rafael Correa, a Nicarágua de Daniel Ortega e a Bolívia de Evo Morales. Como regra geral, eles buscaram refundar seus países: mudaram a Constituição para se perpetuar no poder, perseguiram a imprensa livre e submeteram o Judiciário e o Legislativo aos seus desígnios. Entre os governados por “vegetarianos” daqueles tempos, estavam o Chile de Michelle Bachelet, o Brasil de Lula, o Uruguai de Tabaré Vázquez e o Peru de Alan García.

Alan Marques/FolhapressAlan Marques/FolhapressMovimento regional deu início nos anos 2000, quando Hugo Chávez comprava apoio político com seus petrodólares
Mais do que as convicções republicanas desses governantes, o principal fator que determinou a sina dos países foi a capacidade das democracias de resistir aos seus arroubos totalitários. Lula tentou controlar a imprensa, assaltou as estatais e comprou o Congresso, mas as instituições resistiram e hoje seguem impondo limites ao Executivo no governo de Jair Bolsonaro. Mais recentemente, no Peru, Pedro Castillo foi impedido de implementar um programa cubano e marxista, ao se deparar com um Congresso aguerrido.

Joga contra Boric o apoio do Partido Comunista chileno, adepto do chavismo. Esse fator o impede de condenar explicitamente os regimes totalitários de esquerda. Após os protestos em Cuba contra a ditadura comunista, em julho, ele evitou falar da repressão estatal. Apenas disse ser a favor da democracia. Em momentos pontuais, Boric fez reparos à ditadura venezuelana. Em maio, após Nicolás Maduro parabenizar o Chile pela eleição para uma Convenção Constituinte, Boric escreveu que o venezuelano não estava à altura do seu país, por não defender os direitos humanos.

O tom de seu governo ao lidar com as ditaduras vai depender muito do papel que terá o Partido Comunista, o PC, no novo governo.O PC é só mais um dos partidos que compõem a coalizão Aprovo Dignidade. Muito de sua influência futura vai depender de quais ministérios a sigla terá”, diz o cientista político chileno Claudio Fuentes, da Universidade Diego Portales. “Também é preciso lembrar que as posturas do Partido Comunista em política exterior são marginais e apreciadas por poucos, mesmo na esquerda.”

O respeito aos direitos humanos é um dos temas centrais do programa de Boric. Os estudantes chilenos transformados em políticos querem aumentar o imposto de atividades poluidoras, para poupar o meio ambiente. Destacam o feminismo, as pautas da comunidade LGBT e os direitos das comunidades indígenas. São a favor da legalização da maconha e do aborto. Mas, se não há condenação da ditadura cubana, também não há apoio. Também não se vê vestígios do antiamericanismo, ainda presente entre petistas e chavistas. “Muitas das pautas defasadas da esquerda tradicional latino-americana não constam do discurso de Boric. Isso ocorre porque essa esquerda chilena não veio dos sindicatos, mas sim do movimento estudantil urbano”, diz o analista de risco político Gabriel Brasil, da Control Risks. “Há uma mudança geracional em curso, que está trazendo um pensamento mais moderno, mais alinhado com a esquerda europeia.”

Por ser um fenômeno totalmente novo por aqui, qualquer previsão sobre o futuro do governo Boric deve ser tomada com cautela. Não há muitas referências para servirem de parâmetro. A esquerda do presidente chileno eleito tem vários pontos divergentes das de outros líderes de esquerda regionais. A pauta liberal nos costumes é oposta à do peruano Pedro Castillo, um conservador que é contra o aborto, o casamento igualitário e a legalização da maconha. Os chilenos também nutrem uma desconfiança histórica em relação ao peronismo argentino. Com a Bolívia, que segue numa espiral autoritária com Evo Morales perseguindo judicialmente seus desafetos, o Chile tem uma antiga disputa territorial.

ReproduçãoReproduçãoTransição pacífica de poder: Sebastián Piñera deu conselhos a sucessor
O futuro presidente chileno poderia passar por cima de todas essas diferenças no intuito de ganhar simpatia entre os vizinhos ideológicos. Seria um recurso atraente, principalmente se suas políticas domésticas não avançarem ou se provarem um fracasso. Boric quer elevar impostos para custear serviços gratuitos, o que pode comprometer a recuperação da economia. Mais taxas sobre o combustível podem gerar inflação. Sua proposta para limitar a jornada de trabalho a 40 horas por semana pode não estimular a geração de empregos, como prometido.

Ao ver que o país de 19 milhões de habitantes e um dos mais ricos da América Latina passaria para as mãos de um jovem tatuado e sem experiência no Executivo, o presidente Sebastián Piñera tentou dar conselhos, na tentativa de evitar um desastre. “A história nos ensinou que, quando percorremos os caminhos da unidade, da paz, do diálogo, da colaboração e dos acordos, o Chile e os chilenos se dão bem”, disse em conversa com Boric, que foi transmitida pela televisão aos chilenos. O presidente eleito respondeu dizendo que será “o presidente de todos os chilenos, dos que votaram por mim, dos que não o fizeram e dos que não votaram”.

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  1. Realmente a América Latina não sabe votar. Vai de um extremo ao outro. Já ouviram falar em centro direita? Social democracia?

  2. Um colega disse ao professor de filosofia: - Comunismo, Imperialismo, Liberalismo "no fundo" é tudo a mesma coisa. O professor respondeu ao meu colega: - Defina "fundo".

  3. "pensamento mais moderno, mais alinhado com a esquerda europeia". Isso seria muito bom se fosse espontâneo, fruto de reflexão e vivência, mas se for como aqui, é uma metodologia imposta no meio universitário onde se discrimina o conservadorismo e o liberalismo.

  4. Duvido muito que esse governo traga algum benefício ao Chile… quando a esquerda se instala é só demagogia barata como tivemos aqui com Lula!

    1. Que não seja do Centrão. Mas isso é difícil, já que nesta Terra o Centrão está sempre no centro. Agora precisamos definir centro, que deve ser a mesma que a definição de "fundo" lá de cima. Vou esperar o professor para tentar entender. Por hora fico com o "Fundo do Poço" em que estamos. Quando vemos uma mulher inteligente candidata e o presidente do partido dela em conchavo com advogado e políticos do outro lado do buraco sem fundo, que continuam cavando. Provavelmente vão tampar com corpos ...

  5. Sorte do Uruguai e Equador que superaram essa onda esquerdista autoritária sem caírem nas mãos da esquerda. Já nós não teremos tanta sorte.

    1. Um dia nos livraremos de políticos semialfabetizados e salvadores-da-pátria!

  6. Tantas k hdas do bolsonaro que corremos o sério risco do pt voltar. O jornalista Vargas Llosa é péssimo, menos que uma unha de seu pai, pois acha que o chefe da maior quadrilha a saquear uma nação é "herbívoro". Não há na história do mundo registro de um saque tão metódico, prolongado e tão vultoso quanto o perpetrado pelo quadrilhão do pt. Estou errado?

  7. E, no Brasil, os eleitos à presidência, em tempos recentes, mas sabem falar direito e articular pensamentos! (excetuando-se o Vampirão)

    1. Parece que se apropriar do bem público na política brasileira é uma regra inquebrável!

  8. Moral da história: a América Latina continuará sendo a o que é desigual, atrasada, com uma educação péssima e a criminalidade rolando solta. É muito triste. MS

  9. Pena que o povo brasileiro não seja tão politizado como o Chileno. Que as próximas eleições tenhamos discernimento e responsabilidade no voto. Todos somos responsáveis pela condução do nosso país, seja pela ação (cobrança dos políticos) ou pela omissão.

  10. LULA: os EXEMPLOS EXECRÁVEIS que uma SOCIEDADE tão CORRUPTA é capaz de produzir! São DEGENERADOS MORAIS que IMPEDEM o BRASIL de AVANÇAR! Em 2022 SÉRGIO MORO “PRESIDENTE LAVA JATO PURO SANGUE!” Triunfaremos! Sir Claiton

  11. O povo latino americano precisa acordar para o risco de virarmos uma America latrina deste canalhas populistas a la Hugo Chaves pois, como temos visto nestes ultimos tempos, onde sao eleitos eles levam pobreza para o povo e terminam eles proprios milionarios com suas respectivas familias, nao importantdo se o populismo se chama Luladrao ou MINTO. Moro presidente, melhor pra gente. faz o certo da forma certa.

  12. na América LaTINDO a esquerda é a mais perversa por criminosa com líderes assassinos se lixando para o povo nos levando rapidamente ao lixo .. o Chile acabou de ir a Argentina virou pó e o Brasil nesta toada é mera questão de tempo . felizes nós idosos que tudo já nos tiraram e podemos morrer recusando a escravidão e a perda da liberdade.

  13. ANTES DE MAIS NADA, NÃO EXISTE ESQUERDA NO BRASIL, EXISTE O LULA. Duas coisas me são muito caras na vida, a DEMOCRACIA, que é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela, como disse Churchill, e a CIÊNCIA. DEMOCRACIA E CIÊNCIA são concordantes e em muitos caso indistinguíveis, com apontou Carl Sagan. Sem CIÊNCIA é só escuridão. Sem DEMOCRACIA é só barbárie. Moro Presidente 🇧🇷

    1. Aproveito para desrjar a Você, Paulo, e Família, um Feliz Natal!

    2. Platão propôs a Sofocracia! Já pensou? Democracia ainda é o único reduto e salvaguarda, porque pode corrigir seus próprios erros rapidamente. Quer dizer, isso antes do déspota benevolente, FHC, estragar a democracia (porque matou a expectativa de melhorarmos a cada quatro anos) e agora temos um cenário de navegação quase sempre envolto em névoas e ameaçado por icebergs que escondem 90% de suas intenções, o que pode pôr a nau a pique.

  14. Tempos sombrios pela frente na AL, o vírus jogou nossos povos nas mãos da esquerda populista e controladora cujas pautas declaradas são apenas uma arma para atrair jovens, artistas e os ditos intelectuais de plantão. No fundo, teremos ditaduras ferozes e muita corrupção empobrecendo ainda mais os combalidos povos latino-americanos.

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