Reprodução/Yale

Por mais respeito à ciência

30.12.21
JULIO CRODA

Fazendo uma reflexão a respeito do ano de 2021, podemos talvez entender o que esperar para 2022. A cada ano que passa, existe mais esperança de que, apesar da dificuldade da eliminação do vírus, chegaremos ao seu controle. No mundo, em dezembro de 2020 e em janeiro de 2021, na Inglaterra e no Brasil, enfermeiras receberam a primeira dose de vacina para a Covid-19. Um ano depois, já temos mais de 8,5 bilhões de doses administradas ao redor do planeta. Além disso, já temos 2 antivirais orais comprovadamente eficazes para a doença, além dezenas de anticorpos monoclonais que diminuem o risco de evolução para formas severas.

Avançamos dez anos em um, e isso foi possível por meio de investimento expressivo em ciência. Não tenho dúvida de que ainda iremos avançar bastante, mas neste momento é importante que todas essas conquistas cheguem para todos. Só iremos encontrar os caminhos nesses tempos difíceis de forma coletiva, com testagem, vacinação e tratamento disponível para toda a população mundial.

Quanto à ciência, esperamos ainda mais progressos em 2022, com a aprovação da vacina para crianças de 6 meses a 5 anos e correlatos de proteção que garantam maior celeridade na aprovação de vacinas adaptadas às novas variantes.

Teremos maior oferta de doses, maior distribuição de vacinas para os países mais pobres por intermédio da OMS e novos tratamentos orais, mais eficazes e capazes de impactar na evolução da Covid-19. O futuro, apesar de ser desafiador, enche-nos de esperança, porque sabemos que a ciência, com investimentos adequados, trará respostas surpreendentes em curto espaço de tempo.

No contexto do Brasil, não podemos dizer o mesmo. Houve um desinvestimento em ciência nos últimos anos e essa tendência seguirá em 2022. Teremos o pior orçamento em dólar para pesquisas nos últimos dez anos. Como entender essa situação? Como compreender que, apesar de todos os benefícios que foram alcançados através da ciência, isso não foi suficiente para convencer os gestores a aumentar os investimentos em uma área extremamente essencial para o desenvolvimento de uma nação? Será que não iremos aprender que só através da educação, da ciência e da inovação iremos transformar a realidade do nosso país?

Apesar de a ciência nos trazer esperanças, o ano de 2022 trará um grande desafio. Com o surgimento da Ômicron, uma nova variante mais transmissível e com maior poder de escape de resposta imune, precisaremos, mais do que nunca, de vacinas eficazes principalmente para prevenir as hospitalizações e os óbitos.

Dados iniciais da África do Sul e do Reino Unido mostram que, a despeito da queda de anticorpos neutralizantes e da proteção para a doença sintomática, as atuais vacinas continuam protegendo contra internações e mortes, principalmente nas pessoas que já receberam sua dose de reforço.

A pandemia se combate de forma coletiva, e para que 2022 seja melhor que 2021, teremos que sair dessa situação todos juntos. É urgente solucionar nossas iniquidades em relação ao acesso às vacinas. A desagregação do pensamento coletivo, do senso comum e do respeito à vida deixou claro e evidente como a sociedade contemporânea se comporta diante de uma crise sanitária dessa magnitude. A ciência ofertou ferramentas e, por diversos momentos, alternativas para evitar a tragédia. Mas a nossa sociedade teve dificuldade para responder às adversidades e sempre se apresentou de forma titubeante, elegendo culpados ou salvadores da pátria, justificando atitudes anticientíficas com teorias da conspiração e perpetuando a desinformação.

A experiência dos Estados Unidos deixa claro o fracasso da sociedade moderna em responder de forma coletiva à pandemia. Apesar de terem uma das maiores rendas per capita do planeta, maiores investimentos em pesquisa, maiores universidades e grande indústria farmacêutica, os americanos fracassaram na tarefa de controlar a transmissão e minimizar o impacto em termos de número de óbitos. Até o final de 2021, mais de 800 mil mortes foram reportadas no país, onde menos de 70% da população completou o esquema vacinal.

A ciência, por si, não deveria ser a única esperança, mas o caminho para tornar nossa sociedade mais justa, com maior fraternidade e igualdade não só no que diz respeito ao acesso à saúde, mas também em relação à segurança alimentar, à renda, à educação e à oferta de moradia. Em 2022, se quisermos transformar nossa sociedade, precisaremos não esquecer nossos erros. E, lembrando das mais de 600 mil vidas ceifadas pela Covid-19 no Brasil, usar esse momento de dor para repensar e reestruturar nossos comportamentos e já propor as bases para construir uma resposta melhor a futuras pandemias.

Julio Croda é médico infectologista, pesquisador da Fundação Instituto Oswaldo Cruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Foi diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.

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