Agência Senado'Senadores invisíveis': baixa produção legislativa e gastos elevados

As excelências ocultas

Você possivelmente não sabe que eles são senadores da República. Mas esteja certo de que eles sabem desfrutar – e muito bem – de todas as mordomias que o cargo lhes dá
07.01.22

Pelos corredores do Senado desfilam figuras que, sem terem recebido um voto sequer, desfrutam gostosamente das benesses da casa que um dia Darcy Ribeiro disse ser um pedaço do céu na Terra. Hoje, nesse grupo, há um punhado de excelências das quais você, caro leitor, provavelmente nunca ouviu nem o nome, muito menos qualquer informação relevante sobre as suas contribuições para o país. Suplentes que ganharam a cadeira por serem próximos de gente importante em seus estados de origem ou simplesmente por terem ajudado a bancar as campanhas dos titulares dos mandatos, eles se fartam em restaurantes renomados à custa das polpudas verbas do chamado cotão, viajam ao exterior com dinheiro público, dispõem de auxílio-moradia ou de residência oficial, andam em carros oficiais e têm direito a um plano de saúde de primeiríssima linha. A atividade parlamentar, o que deveria realmente importar, é próxima de zero. Projetos de lei relevantes são raros. Alguns desses “senadores invisíveis” nem sobem à tribuna para discursar. A lista conta com personagens que, embora sejam desconhecidos do grande público, têm laços familiares com figurões de Brasília.

Waldemir Barreto/Agência Senado

Eliane Nogueira, a mãe de Ciro

Um caso ilustrativo, e talvez um dos mais retumbantes exemplos de atividade legislativa praticamente nula, é o de Eliane Nogueira, senadora pelo estado do Piauí. Mãe de Ciro Nogueira, cacique do PP e ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro, ela nunca havia disputado uma eleição ou ocupado um cargo público antes de 2018, quando foi convidada pelo filho para ser sua suplente. Em uma rede social, chegou a escrever que ficou “espantada” com a ideia. Depois de assumir como senadora – quando Ciro virou ministro –, a empresária de 72 anos parece ter tomado gosto pelo mandato. Ou, ao menos, por duas coisas que ele proporciona: viagens e comida. Em um intervalo de 42 dias, fez duas viagens oficiais para a Europa, Roma e Madri, com direito a experiências que dificilmente teria se fosse uma reles mortal, como um encontro com o papa Francisco. A reunião foi devidamente registrada nas redes sociais, onde ela também costuma aparecer com frequência participando de chás da tarde com suas amigas da sociedade de Teresina.

Por sua turnê europeia à custa dos cofres públicos, Eliane Nogueira foi reembolsada em 23 mil reais. Oficialmente, ela viajou para participar de uma reunião de parlamentares preparatória para a COP-26 e para um encontro de cúpula de presidentes de parlamentos – em que pese ela não ter atuação conhecida na área ambiental nem ser presidente de parlamento algum. A viagem para Madri foi para outro encontro de parlamentares. Da capital espanhola, a senadora postou uma foto sorridente, de cachecol, acompanhada de um texto repleto de platitudes. “Os debates e trocas de informação são necessários para encontrarmos soluções que ajudem não só cada país, mas toda a população”, escreveu. Eliane também é useira e vezeira em gastos da verba de sua cota parlamentar com combustível para avião particular. Já foram 47 mil reais desde que ela assumiu o mandato, em julho. Detalhe: ela não tem jatinho (quem tem é o filho, o ministro Ciro Nogueira). A senadora frequentemente apresenta, para reembolso, notas fiscais de generosas refeições. Em uma delas, pediu 430 reais por um almoço realizado em 8 de agosto, Dia dos Pais, no qual pediu camarões, salmão, carré de cordeiro e sobremesas. Se é bastante ativa nos pedidos de reembolso de viagens e refeições, a mãe de Ciro é, digamos, um pouco mais tímida em sua atuação parlamentar. Desde que assumiu o mandato em julho de 2021, falou em plenário apenas cinco vezes e apresentou um único projeto de lei.

Reprodução/Redes sociais

Alexandre Giordano, o senador da churrascaria

Com uma bagagem de processos por dívidas e invasão de terrenos e suspeita de ter atuado como lobista em reuniões obscuras no Paraguai, Alexandre Giordano, do MDB, chegou ao Senado em março do ano passado, após a morte de Major Olímpio. Antes das eleições de 2018, o ex-camelô jamais havia participado de uma eleição. No serviço público, o único cargo que exerceu foi o de subprefeito, em São Paulo, nas gestões de José Serra e Gilberto Kassab, entre 2005 e 2007. Apesar de ter um patrimônio de 1,5 milhão de reais, Giordano não abriu mão da ajuda de custo de 33,7 mil reais oferecida pelo Senado para levar sua mudança até Brasília, onde ocupa um imóvel funcional. Assim como a colega Eliane Nogueira, ele tem desfrutado das viagens oficiais. Em outubro, foi a Glasgow, na Escócia, a pretexto de participar da COP-26. A viagem durou 11 dias. Antes de embarcar, recebeu 26.172,43 reais para custear despesas com alimentação, hospedagem e transporte. Em nove meses de mandato, o senador torrou mais de 121 mil reais do cotão parlamentar. A maior parte do dinheiro foi usada para pagar combustível e comida. Em um único almoço de domingo, em uma churrascaria conhecida de São Paulo, ele gastou 1.130,10 reais. “Trabalho na semana, aos sábados, aos domingos e de madrugada. Não me recordo dos detalhes dos gastos, porque quem cuida disso é a assessoria. Mas as contas são altas porque sempre estou ouvindo bastante gente. É contra a lei?”, disse ele a Crusoé. “Inclusive, agora estou em um café da manhã em atividade parlamentar, no recesso, com três prefeitos e seis vereadores. Estão tomando um café da manhã suculento e gostoso”, ironizou. O emedebista também tem atuação discreta no Senado. Além do discurso de posse, foi ao microfone em apenas uma oportunidade. Propôs apenas dois projetos de lei – um cria mecanismos para o governo federal ajudar estados e municípios a arcarem com os custos da gratuidade para idosos no transporte público a idosos e o outro abranda penas para empresas que desrespeitam direitos dos consumidores.

Roque de Sá/Agência Senado

Chiquinho Feitosa, o cunhado de Gilmar

Grande empresário do ramo de transportes, Chiquinho Feitosa, do DEM, concorreu como suplente em quatro eleições gerais, mas viu o cabeça de chapa vencer somente uma vez — foi em 2014, quando fez dupla com o tucano Tasso Jereissati. Assumiu a cadeira sete anos depois, em novembro do ano passado, quando Tasso se licenciou do mandato, para orientar Eduardo Leite nas prévias do PSDB. Desde então, tem usado o espaço para aparecer nas redes sociais e se cacifar para disputar um mandato de deputado federal em outubro. Bom trânsito no poder não falta a Chiquinho. O senador é irmão de Guiomar Mendes Feitosa, mulher de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal. Se sobram publicações na internet, pelas quais gastou pelo menos 27 mil reais do cotão, faltam propostas ao congressista. Embora tenha sido relator de matérias de interesse do Planalto, como a medida provisória que recriou o Ministério do Trabalho e Previdência, Chiquinho Feitosa não apresentou nenhum projeto de lei.

Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Maria Eliza de Aguiar, a empresária da educação

Maria Eliza de Aguiar também estreou em eleições em 2018, como suplente de Confúcio Moura, de Rondônia. Dentista de formação, a empresária e professora tomou posse em setembro último, quando o titular do mandato tirou uma licença de 120 dias para cuidar de assuntos pessoais. Ao assumir a cadeira, ela prometeu foco na área educacional. Também pudera. Parte de seu patrimônio de 15,5 milhões de reais está concentrada em faculdades particulares das quais ela é sócia. A senadora encerrará a sua passagem pelo Congresso no próximo 24, deixando como herança três projetos de lei ainda pendentes de aprovação. Um deles prevê que o governo federal, estados e municípios devem arcar com a matrícula, na rede privada ou em creches comunitárias, de crianças de até quatro anos de idade que estiverem fora na rede pública por falta de vagas. A senadora é mais uma que faz questão de registrar seus momentos em Brasília nas redes sociais. No Instagram, acumulou 155 postagens desde a posse. Pela divulgação da atividade parlamentar, pagou 22,8 mil reais a um microempreendedor do Rio que produz fotos e realiza filmagem de festas e eventos. Ela também gastou 52,9 mil do cotão com passagens aéreas e combustível.

Waldemir Barreto Agência Senado

Nilda Gondim, a mãe dos irmãos Vital

Nilda Gondim, de 75 anos, tem ensino médio incompleto e vem de uma tradicional família política paraibana. Filha de um ex-governador, ela é mãe de Vital do Rêgo, que foi senador e hoje é ministro do Tribunal de Contas da União, e de Veneziano Vital do Rêgo, que também ocupa uma cadeira no Senado. Nilda assumiu o mandato após a morte de José Maranhão, vítima do coronavírus, em janeiro do ano passado. Antes disso, havia disputado apenas uma eleição, para deputada federal. Foi eleita, mas teve a atuação discreta na Câmara. A história se repete agora no Senado. Das suas proposições, a que mais chama atenção é um requerimento para homenagear a ex-BBB Juliete Freire por ter representado a cultura paraibana na televisão. A senadora é mais uma da turma de “invisíveis” que não economiza nos gastos com verba do Senado. Desde que assumiu, já despendeu 65 mil reais com envio de cartas e encomendas via Correios.

Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

Mailza Gomes, a rainha da propaganda

Mais uma neófita na política, Mailza Gomes chegou ao Senado em janeiro de 2019, quando Gladson Cameli deixou o assento para assumir o governo do Acre. À época, a única experiência dela em cargos públicos havia sido a de secretária no município de Senador Guiomard, durante a gestão do marido, James Gomes, na prefeitura. Em sua posse no Senado, Mailza prometeu atenção à área social. Não se sabe exatamente se a promessa está sendo cumprida como deveria, mas é certo que ela tem investido milhares de reais para propagandear sua passagem por Brasília. No ano passado, a senadora acriana torrou 169 mil reais com despesas de divulgação do mandato. Uma parte do dinheiro tem ido para sites e blogs locais. Mensalmente, ela transfere cerca de 5 mil reais ao portal local AC24h, por exemplo. No último ano, o site veiculou pelo menos 30 reportagens relativas à parlamentar. À moda antiga, a congressista também costuma encomendar panfletos em papel couchê. Sua produção parlamentar, porém, não condiz com a gastança. Ao longo de 2021, Mailza apresentou somente dois projetos de lei. Um deles, para facilitar o processo de regularização de lotes da reforma agrária. Outro, para regulamentar a profissão de doula, profissional que oferece apoio a gestantes. Em todo o período, fez só um pronunciamento em plenário — e para rasgar elogios ao então ministro Eduardo Pazuello, pouco depois do colapso do sistema de saúde de Manaus.

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