CNN ReproduçãoChansley, o "viking", foi condenado por obstrução de procedimento oficial e pegou 41 meses de prisão

Lições do Capitólio

O rigor das instituições americanas ao investigar e punir os militantes trumpistas que invadiram o Congresso serve de alerta para os radicais brasileiros que desafiam a democracia
07.01.22

Um ano após uma multidão de aloprados invadir o prédio do Capitólio, onde funcionam a Câmara dos Deputados e o Senado dos Estados Unidos, a sociedade americana e suas instituições têm uma história exemplar para contar. A reação ao maior ataque já perpetrado contra a maior democracia do mundo incluiu a localização, detenção, julgamento e condenação de centenas de envolvidos. Além disso, uma investigação para apurar o comportamento do ex-presidente Donald Trump vem ganhando corpo no Congresso, com audiências públicas marcadas para meados de janeiro.

A resposta à invasão teve início ainda naquele dia 6 de janeiro de 2021, quando o vice-presidente Mike Pence, que presidia a sessão do Colégio Eleitoral para validar o resultado da eleição nos estados, recusou-se a seguir os pedidos de Trump para invalidar o processo. A despeito das quatro horas de balbúrdia, em que morreram cinco pessoas, a sessão foi retomada na madrugada do dia 7. “Para aqueles que causaram danos em nosso Capitólio, eu digo: vocês não ganharam”, disse Pence.

Já nos dias seguintes, o Departamento de Justiça e a polícia federal americana, o FBI, iniciaram um esforço gigantesco para enquadrar os criminosos. Mais de 725 pessoas foram detidas nos 50 estados americanos e no Distrito de Columbia por conexão com o episódio. A título de comparação, nos onze meses que se seguiram aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, foram detidos 762 estrangeiros sob suspeita de vínculo com o ato. Mas, se daquela vez muitas pessoas foram presas sem evidências, as detenções de agora foram amparadas por provas diversas, como registros de placas de carros que circularam por Washington, 14 mil horas de filmagens dentro do Capitólio feitas pelas câmeras de segurança e pelos dispositivos presos aos uniformes dos policiais, dados de geolocalização de celulares, mensagens, fotos e vídeos publicados nas redes sociais.

Já no dia 8, o brasileiro Eliel Rosa, de 53 anos, apresentou-se ao FBI e admitiu que ele e uma amiga, a florista Jenny Louise Cudd, estavam entre os invasores. Um agente tinha assistido a um vídeo nas redes sociais de Jenny, em que ela dizia ter entrado no Capitólio após ver uma porta aberta. Como ela também declarou na internet ser do Texas, bastou ao agente federal consultar sua carteira de motorista para localizar a dupla.

À esquerda, o brasileiro Eliel (com gorro vermelho), logo atrás de Jenny
O resto da história foi contado pelas câmeras de segurança. Quinze minutos após os congressistas serem orientados a deixar a sessão do Colégio Eleitoral por segurança, Rosa e Jenny foram vistos entrando no prédio sem autorização. Os passos da dupla por sete ambientes foram reconstituídos graças às imagens gravadas. Como os dois não destruíram objetos nem atacaram policiais, eles receberam penas mais brandas. Eliel confessou ter invadido um local público sem autorização e ter promovido desordem. Pegou um ano de liberdade condicional, foi obrigado a pagar uma multa de 500 dólares e a prestar 100 horas de serviços comunitários.

Ao negociar com os promotores, o brasileiro evitou a acusação mais grave, a de obstruir um procedimento oficial — no caso, a reunião do Colégio Eleitoral para sacramentar o resultado das urnas. Caso contrário, ele poderia ter sido condenado a até vinte anos de prisão. Quem não teve a mesma sorte foi o “viking do Capitólio”, Jacob Chansley, condenado a 41 meses de prisão. Fantasiado com chifres, pele de urso e portando uma lança e um megafone, ele se tornou o invasor mais emblemático. Sua sentença foi a mais dura entre os que confessaram a culpa.

Em paralelo às ações do Departamento de Justiça, a líder dos democratas na Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, montou em julho do ano passado uma comissão bipartidária para investigar o episódio. Dos nove integrantes, dois são republicanos e sete são democratas. Os congressistas já reuniram 35 mil documentos, incluindo e-mails e mensagens de celulares. Mais de 300 testemunhas foram entrevistadas. Nove em cada dez têm cooperado. Apesar de não ter poder de determinar punições, assim como as CPIs do Brasil, o comitê tem o objetivo de saber se a invasão foi o resultado de um plano organizado por Trump e seus aliados. Outro foco é saber se o ex-presidente cometeu crime de responsabilidade ao demorar para condenar a confusão. Se a comissão encontrar novas provas, o Departamento de Justiça seguirá com o trabalho, de maneira a punir outros envolvidos que aparecerem no relatório.

Com base nas evidências coletadas até agora, sabe-se que Trump demorou 187 minutos, pouco mais de três horas, para divulgar nas redes sociais um vídeo pedindo que seus seguidores deixassem o prédio. Nesse longo período, seu então chefe de gabinete, Mark Meadows, recebeu mensagens e ligações de jornalistas da Fox News, canal favorável ao ex-presidente, de congressistas republicanos e do filho mais velho do presidente, Donald Trump Jr. “Ele tem de condenar essa m… o quanto antes”, escreveu o filho. Meadows respondeu que estava tentando firmemente convencer o chefe do Executivo. A filha Ivanka apelou duas vezes diretamente para o pai, sem sucesso. Da sala de jantar da Casa Branca, ao lado do Salão Oval e a poucos metros da sala usada para falar com a imprensa, Trump não tirou os olhos da televisão, que mostrava as imagens da violência. Quando finalmente decidiu gravar um vídeo, ele precisou fazê-lo mais de uma vez, porque “não conseguia dizer a coisa certa”, segundo um amigo. Ao final, Trump mandou aos apoiadores uma mensagem dúbia: “Eu conheço a dor de vocês. Sei que estão machucados. Esta eleição nos foi roubada. Vocês podem ir para casa agora. Nós amamos vocês. Vocês são muito especiais”.

Biden discursa no Capitólio um ano após a invasão
Em poder da comissão, também há uma apresentação de PowerPoint de 38 páginas que foi compartilhada por Meadows dias antes da invasão. O arquivo com o título “Fraude eleitoral, interferência estrangeira e opções para o 6 de janeiro” afirmava que a China e a Venezuela manipularam os resultados eleitorais e recomendava que o presidente Trump declarasse estado de emergência, para adiar a sessão do Colégio Eleitoral. Meadows colaborou com a comissão inicialmente, mas depois se recusou a prestar depoimento. Com isso, foi intimado. Outro que também foi punido por não colaborar é o ex-estrategista chefe de Trump, Steve Bannon – o mesmo que mantém laços estreitos com o estado-maior bolsonarista no Brasil.

Nesta quinta-feira, 6, Trump tinha marcado uma entrevista coletiva em sua propriedade de Mar-a-Lago, na Flórida, para falar sobre o aniversário de um ano da invasão. Ele acabou cancelando o evento. Prometeu tratar do assunto em outra ocasião, no dia 15. O presidente Joe Biden falou – e acusou o antecessor de ser o mentor do ataque. “Pela primeira vez, um presidente que perdeu uma eleição tentou impedir a transferência pacífica de poder, quando uma turba violenta invadiu o Capitólio. Mas eles falharam. Nós faremos o possível para que esse tipo de ataque nunca mais aconteça”, disse Biden.

A reação dos americanos à invasão do Capitólio traz algumas lições para o Brasil, onde as instituições têm sido atacadas e deslegitimadas com base em acusações falsas ou exageradas. O Brasil, nesse quesito, não escapa da crise que assola democracias em todo o mundo. Para evitar que as crises cheguem a um ponto de ruptura, é preciso, primeiro, que aqueles que ocupam cargos importantes não se esqueçam de que devem, em primeiro lugar, servir a sociedade. “Em seu primeiro ano de mandato, Biden tem empreendido um esforço muito grande para mostrar aos americanos que o governo representa o cidadão comum. Ele tem sido muito transparente em suas ações, tem dado satisfação, prestado contas e buscado políticas que buscam resolver os problemas práticos do cidadão comum”, diz o cientista político José Álvaro Moisés, professor da Universidade de São Paulo e autor de livros sobre a perda de confiança na democracia. “No Brasil, quando deputados legislam em causa própria, ampliando fundos para financiar campanhas eleitorais ou partidos, é claro que a confiança na democracia diminui.”

Além de uma postura responsável por parte dos representantes e de suas lideranças, é necessário também que o sistema funcione e seja capaz de punir aqueles que o colocam em xeque. Não se trata de punir indivíduos com opiniões contrárias, como ocorre nas ditaduras. A liberdade de expressão deve sempre ser uma prioridade. A questão é o que fazer com aqueles que usam da violência e de meios ilegais para desestabilizar o sistema político. O julgamento dessas pessoas deve seguir rigidamente os contornos das leis, para que não pareça uma caçada a opositores. Nos Estados Unidos, os agentes federais e promotores têm sido cautelosos para apresentar evidências e fazer acusações bem fundamentadas. “A ação das instituições democráticas e judiciárias dos Estados Unidos nesse episódio tem sido um paradigma de funcionamento institucional extremamente importante, que deve ser levado em conta”, diz José Álvaro Moisés.

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  1. As instituições brasileiras são capengas e frágeis. Motivo pelos quais estou preocupado. O atual inquilino diuturnamente ataca as instituições além do negacionismo, ataque ás vacinas, falsas acusações e nada acontece! O mais grave aponta o dedo para os ministros Alexandre Morais e Roberto Barroso e nadinha de consequência criminal!

    1. Difícil levar a sério quem sequer tem coragem de se identificar...

    2. Um dia haverei de ler algum comentário decente do leitor que se esconde com esse nome Globolixo. Ou não. O jornalista perde um tempo enorme e elabora um excelente texto sobre a democracia americana ameaçada e o Globolixo só é capaz de dizer que o mundo merece a volta do Trump. Bem, talvez seja um problema de limitação de argumentação.

  2. O povo pode e deve, quando for o caso, invadir supremos, senados, câmaras e assembléias e outros tais, quando a liberdade está ameaçada!

    1. De preferência decapitando os bandidos conhecidos

  3. O nome disso é "Sistema eleitoral falho" 30 milhões de eleitores americanos ainda duvida da "Vitória de Joe Biden". No Brasil pra não acontecer isso basta o TSE agir com lisura e transparência pra convencer o eleitor. Más o Barroso decidiu sosinho que nao valia a a pena o investimento.

    1. SERGIO MORO PRESIDENTE! Chega de retrocessos!

  4. Hoje temos um ataque orquestrado aos dois pilares da civilização: Democracia e Ciência. Imaginem um Brasil autoritário, dominado por um grupo de religiosos, corruptos e anticiência, e ainda por cima armados. Moro Presidente 🇧🇷

    1. Grupo armado é só bandido apoiado pelo esquerda MALDITA. Se não sabe, hoje está mais difícil comprar uma arma do que no tempo do carniça.🐁🐁🐁🐁🐁

    1. Endosso as congratulações. Duda é titular de qualquer Dream Team de jornalismo.

  5. Eu diria que o mundo está necessitando de uma séria revisão do que seja o conceito de Democracia. Aliás, se perguntar para alguém na rua para definir o que é Democracia provavelmente 99% não vai saber definir ou definir de forma incompleta ou mesmo errada. A mídia em geral, os políticos e até o judiciário, aqueles que enchem a boca ao falar essa palavra, também só sabem usá-la no seu interesse prório. Abs

  6. pena que aqui nossa justiça faz política e menos justiça, tanto é verdade que até hoje tem anarquistas fazendo e posta do notícias enganosas pelos quatro cantos do Brasil como se nO houvesse leis contra isso em função de que os procedimentos instalados andam a passos bem lentos, quer dizer, com exceção a RJ ninguém mas será punido.

  7. Não servem de alerta, não! Por aqui - pelo menos por enquanto - nada de parecido em se tratando de respeito às leis acontecerá.

  8. O MUNDO ENLOQUECEU ... sob efeitos da pandemia e os EUA nação mais forte há décadas desestruturada à falta de um líder como em todo mundo . quem diria que haveria algo pior que Trump mas havia um frouxo espremido por um falso liberalismo que só enxerga seu umbigo a se arvorar xerife do universo .. a crise de homens é mundial e tardiamente os humanos verão que bem pior que um líder que age mal é um fraco que só reage . somos tão ignorantes que poucos até entenderão o meu alerta . capim neles.

  9. OS CHIFRES COM QUE O GADO BOZOLULISTA TENTA ATACAR A DEMOCRACIA É MAIS UM LEVANTE DE PALHAÇOS TRANSTORNADOS QUE SEGUEM AS ORDENS ABSURDAS DE QUEM OS ABANDONA NO CAMINHO E COMO SEMPRE ACABAM PAGANDO PELAS SUAS INSANIDADES. DEVERIAM SER CONDENADOS A UMA PENA EXEMPLAR DE NO MÍNIMO 5 ANOS PARA SERVIR DE EXEMPLO PARA OS DEMAIS BOVINOS QUE VISAM A ANARQUIA POIS O PREÇO A PAGAR SERÁ CARO. DE TODA SORTE FOI UM AVISO QUE TERÃO RESPONSABILIDADES SOBRE SEUS ATOS. UMA SÓ JUSTIÇA SOB A LEI! 🇧🇷⚖️🚔

  10. Por que todo bozista é chifrudo? Tanto lá como aqui, eles adoram mostrar este predicado. Enquanto isso, os bombeiros trabalham 24/7 para dar conta da demanda.

    1. O exemplo nessas bandas tupiniquins foi uma invasão do Congresso Nacional em junho de 2006, pelo MLST e seu líder, o aloprado Bruno Maranhão ainda desfila livre, (principalmente) LESO e solto.

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