SergioMoro

São as instituições, estúpido!

07.01.22

Desde que voltei em definitivo ao Brasil, em novembro de 2021, iniciei uma jornada para elaborar um projeto para o país. Para tanto, convidei especialistas para a construção de um programa. O grupo está sendo coordenado pelo economista Affonso Celso Pastore. Semanalmente, temos nos reunido e conversado sobre diversos temas que passam pela macroeconomia, mas vão muito além. Combate à pobreza, educação na primeira infância, políticas de emprego, reforma tributária, saúde na era pós-pandemia, infraestrutura, desenvolvimento sustentável, entre outros. Nessas ocasiões, o grupo recebe convidados ilustres para expor sua visão sobre esses temas, garantindo profundidade e pluralidade. Pastore conhece todo mundo, o que facilita.

Claro que um programa de governo não pode ser construído com base apenas na opinião de especialistas. O programa será divulgado ao público e submetido à crítica de todos. É preciso ouvir todas as pessoas para aprimorá-lo. Ninguém melhor do que um trabalhador desempregado para falar sobre o que precisa ser alterado nos programas de reinserção profissional. Ninguém melhor do que um chefe de família para falar sobre a qualidade da educação pública disponibilizada aos seus filhos. Um ponto é pacífico na discussão do programa: ele precisa comprometer-se com a retomada do crescimento econômico. Sem esse compromisso, não há futuro. Sem ele, não há a volta do emprego nem condições de diminuir as desigualdades.

A volta do crescimento econômico não pode ser efêmera. Precisa ser duradoura  e sustentável. Nada mais negativo do que a alternância de curtos períodos de  prosperidade com outros longos de recessão ou de estagnação e que têm sido a tônica do Brasil há muito tempo. Precisamos de um período longo de crescimento contínuo, o que demandará estimular os investimentos e elevar a  produtividade, com responsabilidade fiscal e social.

Convenço-me, a cada dia mais, da correlação ótima entre o nível de desenvolvimento e a qualidade das instituições. Sem um quadro institucional  robusto, o crescimento econômico não ocorrerá ou, quando muito, será esporádico. Para garantir prosperidade, são imprescindíveis a estabilidade e a previsibilidade próprias de países com instituições sólidas. A diferença entre o Reino Unido e a Somália não reside no tamanho do produto interno bruto ou nas decisões pontuais, certas ou equivocadas, dos seus governantes de momento, mas, sim, na qualidade das instituições de um e outro país. Seguindo nossa  tradição política ocidental, precisamos fortalecer as instituições próprias das  democracias liberais. Governo de leis, separação de poderes, distinção entre o que é próprio da esfera pública e o que é privado, democracia representativa, combate aos privilégios, incluindo ao patrimonialismo e à corrupção, adoção de políticas inclusivas e de erradicação da pobreza, proteção do livre mercado e incentivo à competição, entre outras.

A falta de enfoque no fortalecimento das instituições tem sido o principal erro do Brasil nas últimas décadas. Sim, decisões econômicas equivocadas comprometeram o crescimento do Brasil, como as que geraram a grande recessão de 2014-2016 ou a estagnação econômica atual. Mas a principal causa do fracasso econômico brasileiro – e esta é mais antiga – consiste na fragilidade de nossas instituições e na sua subordinação ao arbítrio. Esse é um dos motivos pelos quais é certo que um novo e eventual governo Bolsonaro ou um novo e eventual governo Lula estariam fadados ao fracasso na gestão da economia. Ambos estão irremediavelmente comprometidos com o enfraquecimento das instituições, por uma mistura de irracionalismo, patrimonialismo e corrupção, em níveis variados em um e outro caso. Nenhum  deles pode oferecer o que o Brasil realmente precisa, a melhoria da qualidade das nossas instituições.

A economia não depende apenas da infraestrutura física, mas também da infraestrutura intangível, como o compromisso com o império da lei. Sem reformarmos e fortalecermos nossas instituições, seguiremos sem crescimento duradouro ou sustentável. Parafraseando um conhecido slogan eleitoral, eu poderia dizer “são as instituições, estúpido”: nenhuma proposta de governo que ignore essa verdade pode oferecer algo real à população brasileira.

P.S.: Este é meu último artigo na Crusoé. Foi uma experiência prazerosa escrever para esta prestigiada e corajosa revista digital. Transfiro minha “pena” para O Antagonista, no qual publicarei com a mesma periodicidade.

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