Carlos Fernandodos santos lima

A audácia dos canalhas

21.01.22

“O momento exige que os homens de bem tenham a audácia dos canalhas”. Poucas vezes em nossa história essa frase de Benjamin Disraeli, político britânico do séc. XIX, foi tão verdadeira e necessária. Vivemos um momento em que nunca precisamos tanto de pessoas honestas e de boa vontade na política, e, no entanto, infelizmente, o que se vê são canalhas políticos profissionais, aproveitando-se dos muitos tíbios e fracos de caráter, a insistirem em narrativas sabidamente mentirosas de que a corrupção na Petrobras, nas obras da Copa, nas da Olimpíada e em tantas outras não existiram, mas foram invenções do Ministério Público e da Polícia Federal.

A audácia desses mentirosos é escandalosa, como se todos nós não soubéssemos que eles sempre viveram à custa de nós, contribuintes, especialmente dos mais pobres. Mentem sobre a inexistência do mensalão, do petrolão, da pensão para filhos fora do casamento, da rachadinha no gabinete de familiares, tudo para a satisfação de suas hordas de fanáticos seguidores e de uma imprensa incapaz de ir além do conflito de versões. Triste o país em que abundam políticos desonestos e mentirosos, mas em que há tão poucas pessoas dispostas a enfrentar esses quadrilheiros.

Hoje, ninguém com um mínimo de honestidade intelectual discute a existência desses mecanismos de corrupção sistêmica em nosso sistema político, pois, apesar de todas as críticas que são lançadas à operação Lava Jato, se há algo que esta provou além de qualquer dúvida foi o entranhamento da corrupção nos negócios públicos. A Lava Jato concretizou aquele sentimento difuso e coletivo das manifestações de 2013 de que havia algo de podre nos palácios do poder.

Assim, de nada adianta agora o ex-presidente Lula tentar disfarçar seus crimes com ofensas contra Sergio Moro e investigadores. Não adianta Renan Calheiros difamar Moro, esquecendo a pensão de seu filho paga por uma empreiteira. Todos sabem que o governo do Partido dos Trabalhadores, com apoio do Centrão e de políticos como Renan, liderou um esquema de corrupção sistêmica cujo objetivo era manter o partido no poder pelo uso de recursos públicos desviados e sustentar a nomenclatura petista e políticos fisiológicos em seus gostos por vinhos e presentes caríssimos. Usar o epiteto “canalha” contra Moro é só a confirmação do ressentimento de Lula em ter sua real natureza revelada publicamente e de ter que viver seus últimos anos reconhecido como o corrupto que é.

Entretanto, se essa constatação dos inúmeros crimes cometidos em obras e serviços públicos por todo o país e por diversos governos resultou em um período de revolta generalizada da população, acabou ela se transformando no atual cansaço e desesperança, num momento em que novamente somos meros espectadores bestializados dos abusos da classe política. Isso aconteceu principalmente com a apropriação indevida do combate à corrupção pela direita bolsonarista, como se roubar fosse uma questão de “direita versus esquerda”, e não simplesmente um problema ético e criminal independentemente de qualquer conotação ideológica.

Há ladrões na esquerda e há ladrões na direita, simples assim. Não é somente porque Lula e o Partido dos Trabalhadores foram pegos se lambuzando do dinheiro público, que a esquerda é mais corrupta que a direita. Não é preciso ir muito longe, bastando lembrar os escândalos de Paulo Maluf, com suas contas milionárias nas Ilhas Jersey, ou as rachadinhas nos gabinetes da família Bolsonaro. No final, seja o “esquerdista” Lula, sejam os “direitistas” Maluf e Bolsonaro, o que acontece no Brasil é que os políticos em geral querem apenas se manter no poder – pelo poder e com as benesses do poder – à custa do dinheiro dos outros. O corrupto de um lado não absolve ou justifica o corrupto de outro.

Infelizmente, a simpatia ideológica obscurece o raciocínio e as bolhas de internet reforçam preconceitos de toda espécie. Assim, não há mais diálogo construtivo entre as diversas correntes de pensamento e até a ideia de “pessoas de bem” acabou sendo deturpada por ter sido usada por grupos de extremistas bolsonaristas para se autointitularem “melhores”, em contraposição aos demais, “pessoas do mal”, portanto. Hoje, assim como a bandeira do Brasil, o termo “pessoas de bem” ficou emporcalhado pela apropriação indevida por extremistas e ignorantes.

Mas, apesar disso, há realmente muitas pessoas que desejam o melhor para o país. Há muitas pessoas com compaixão por tantos brasileiros em situação de extrema vulnerabilidade – e isso não é exclusivo daqueles que ideologicamente se colocam à esquerda. Há muitos, mesmo à esquerda, que também compreendem que os mecanismos do livre mercado são os mais eficientes para a alocação de recursos econômicos que qualquer ser humano, por mais bem intencionado que seja.

O que precisamos é nos livrar dessa rotulação fácil do outro como “comunista” ou “fascista”. Ser de esquerda não significa ser comunista ou petista e ser de direita não significa ser fascista ou bolsonarista. Há autoritários e preconceituosos em ambos os espectros ideológicos, assim como ladrões e corruptos, como já dito. Aliás, as reais distinções a serem feitas são entre aqueles que querem impor sua vontade sobre os demais, em detrimento da liberdade de escolha e opinião, e entre aqueles que desejam alcançar a satisfação de seus interesses mesquinhos, mesmo que contra o direito de todos. Enfim, precisamos nos livrar desses parasitas, ladrões do dinheiro público, corruptos sem qualquer moral ou limite, digam-se eles de esquerda ou de direita, capazes de desviar recursos de aposentados e merenda das crianças, colocando-os na cadeia pelo que fizeram.

Entretanto, se no início da operação Lava Jato os canalhas encontravam-se na defensiva, eles conseguiram se reagrupar a partir do acordão nacional Maia/Toffoli, em 2018, invertendo a situação anterior. Ou seja, o que acontece hoje é que aqueles que realmente se importam com o Brasil encontram-se dispersos e atemorizados pelos ataques que vêm de órgãos como o Conselho Nacional do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União, do Congresso Nacional e de alguns gabinetes de ministros do Supremo Tribunal Federal. O jogo atualmente jogado é bruto e passa claramente pela subversão das leis e de nossa democracia, inclusive com a encomenda da inelegibilidade a ser declarada contra Moro.

A jogada audaciosa da canalha passa agora, portanto, por impedir que Sergio Moro concorra. Tanto Lula como Bolsonaro têm medo da terceira via, especialmente aquela representada pelo ex-juiz da Lava Jato. Mas não só eles temem o que a Lava Jato representa, uma mudança na forma pela qual se faz política no Brasil, como também todo o Centrão receia perder a máquina de apropriação do dinheiro público que funciona independentemente do malfeitor que estiver na Presidência.

Seja como for, mesmo com todas as dificuldades e ameaças, resta lutar para que haja ainda alguma luz de esperança e que possamos nos tornar um país melhor. Ladrões e corruptos sempre existirão, pois são também manifestações da natureza humana. Entretanto, isso não quer dizer que devemos aceitar como normal que eles nos governem. Precisamos reafirmar que não é certo ter suas contas pessoais pagas por fornecedores do governo, não é certo desviar valores dos salários de servidores públicos, mesmo que trabalhem em seu gabinete, não é certo ganhar tríplex ou chácara de presente, não é certo ter suas contas pessoais sempre pagas por gentis empreiteiros e não é certo aceitarmos mais esses políticos que insistem em viver às custas do nosso suado imposto. Enfim, não existe maior canalha do que aquele que rouba o povo. Infelizmente eles são muitos e perderam o medo da lei.

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