Ricardo Stuckert/Instituto LulaLula com o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez: proposta de rever a reforma trabalhista

A ordem é desfazer

Governantes de esquerda pelo mundo têm atuado para rever iniciativas liberais adotadas por seus antecessores. No Brasil, os petistas empolgados com as chances de Lula já falam em trilhar o mesmo caminho
21.01.22

Diversas figuras do Partido dos Trabalhadores circularam nos últimos dias as propostas que pretendem implementar no Brasil, caso Lula seja eleito presidente no final deste ano. Mas, ao invés de sinalizar com ideias novas, o conteúdo marca uma volta ao passado. O plano inclui desfazer várias leis e as parcas reformas liberais implementadas recentemente no país, as quais tiveram o intuito de reduzir o peso do estado na economia, sanear as contas públicas e abrir os mercados. O rosário de itens que os petistas pretendem anular é longo e inclui a reforma trabalhista, a reforma da Previdência, o teto de gastos, as privatizações e a autonomia do Banco Central.

O movimento é espelhado em iniciativas de políticos de esquerda que assumiram o comando de países da Europa e da América Latina. Na discussão sobre revogar a reforma trabalhista, aprovada em 2017 durante o governo de Michel Temer, o PT diz se inspirar no primeiro-ministro da Espanha, o socialista Pedro Sánchez. Nas redes sociais, Lula elogiou as iniciativas de Sánchez, dizendo que elas têm como objetivo “recuperar direitos dos trabalhadores”. Sánchez agradeceu: “Obrigado, Lula, por reconhecer este novo modelo de legislação trabalhista que vai garantir os direitos de todos”.

Entre os argumentos petistas para querer acabar com a reforma trabalhista, estão o de que ela não gerou empregos e que retirou direitos dos trabalhadores. Mas o que gera empregos, fundamentalmente, é o crescimento da economia. “Lei nenhuma tem força para criar empregos. Se assim fosse, não haveria desemprego no mundo, pois, nos primeiros dias de mandato, os governantes aprovariam uma lei acabando com o desemprego”, escreveu o sociólogo José Pastore, em artigo para o Correio Braziliense. “Emprego e demais condições de trabalho dependem de investimentos e de crescimento econômico. O emprego de hoje é o resultado do investimento de ontem.”

Depois que a discussão foi instalada, políticos e economistas se lançaram na defesa de alguns pontos da reforma de Temer, como o fato de ela priorizar os acertos entre empregadores e empregados, permitir a divisão das férias, aceitar a rescisão do contrato de trabalho por comum acordo e reduzir os processos na Justiça trabalhista em 32%. A reforma trabalhista brasileira ainda teve o mérito de admitir o trabalho em casa, o home office, que viria a se disseminar com a pandemia de coronavírus.

O decreto do espanhol Sánchez, publicado no final de dezembro, partiu de uma realidade diferente da que existe no Brasil de hoje. A Espanha teve duas reformas trabalhistas, em 2010 e 2012. Elas tiveram como objetivo o de ajudar as empresas a lidarem com os efeitos prolongados da crise que se abateu sobre a Europa, em 2008. Como os contratos de trabalho eram muito engessados, as firmas eram obrigadas a demitir vários funcionários quando as receitas despencavam.  As reformas permitiram que elas cortassem uma parte da jornada de trabalho ou do salário, de forma a evitar cortes na folha de pessoal.

Reprodução TwitterReprodução TwitterLópez Obrador: vontade de favorecer estatal da área de energia
Outra solução foi a ampliação da lista de categorias que poderiam ter contratos temporários de trabalho – esses contratos podem ter um limite de tempo ou ser simplesmente atrelados a um projeto específico, como a construção de um prédio. Ao oferecer um cardápio amplo de alternativas aos empregadores, os liberais espanhóis queriam evitar que mais trabalhadores perdessem o emprego e caíssem em situação de pobreza, ainda que alguns direitos fossem sumprimidos. O socialista Sanchez, agora, quer reverter as iniciativas.

Um relatório publicado pela BBVA Research apontou que, se essas medidas reformistas tivessem sido adotadas logo no começo da crise europeia, em 2008, teriam evitado uma alta de oito pontos percentuais na taxa de desemprego. Após as duas reformas, de 2010 e 2012, a economia espanhola voltou a ganhar força lentamente. Entre 2013 e 2019, a fatia de trabalhadores em contratos temporários subiu de 23% para 26%, algo que foi visto como um efeito não desejável das reformas anteriores. O desemprego foi no sentido inverso e caiu de 26% para 13%, em 2020. É importante notar que a média dos salários reais se manteve, um indício de que as novas vagas não tinham remuneração pior.

O decreto de Sánchez não chega a anular tudo o que foi feito nas reformas de 2010. Os contratos temporários continuarão sendo possíveis, mas a construção civil não poderá mais recrutar trabalhadores para obras específicas. Quando um prédio for concluído, a companhia terá de redirecionar o empregado para outro projeto. Não haverá aumento dos custos trabalhistas nas demissões ou modificação substancial das condições de trabalho.

Assim que foi noticiado, o ânimo de militantes do PT em rever a reforma trabalhista logo levantou a suspeita de que o verdadeiro objetivo seria o de retomar a contribuição obrigatória para os sindicatos, os quais formam a base de apoio do partido. Com as conversas evoluindo ao longo dos próximos meses, será possível saber se a questão entrará ou não na pauta.

Em linhas gerais, o “revogaço petista”, como tem sido chamado, traz algumas características que também são observadas em outros países. “Muitos peruanos acham que o estado os protegeu muito pouco durante a pandemia de Covid, e querem um governo mais atuante”, diz o cientista político peruano Carlos Meléndez, professor na Universidade Diego Portales, no Chile. Membros do governo de Pedro Castillo, eleito no ano passado, querem uma nova Constituição. Um dos alvos é o capítulo econômico da Carta vigente, aprovada em 1993. Esse capítulo definiu a autonomia do Banco Central, abriu o país para investimentos privados e estimulou as exportações. O trecho também proíbe que o estado desenvolva atividades empresariais, a menos que isso seja estritamente necessário.

Para os seguidores de Castillo e membros da esquerda, o capítulo e toda a Constituição devem ser alterados porque são um legado da ‘ditadura fujimorista’, de Alberto Fujimori. O debate político deve ir por esse caminho no Peru este ano”, diz Meléndez.

Reprodução TwitterReprodução TwitterGabriel Boric, do Chile, quer o fim dos planos previdenciários privados
Na Bolívia, o avanço estatal se deu com uma nova lei de bancos, a qual sepultou um decreto de 1985. “Esse decreto liberava os bancos a determinarem os juros. Isso ajudou a estabilizar a moeda e permitiu um crescimento real da economia, com pouca dívida interna e externa e chegada maciça de capitais privados”, diz o economista boliviano Hugo Marcelo Balderrama. A nova lei voltou a colocar os juros sob o controle do estado, o que deixou muitos bancos com problemas de liquidez. “É do interesse do governo ter o controle dos juros. O presidente Luis Arce Catacora usou o crédito barato para ganhar apoio eleitoral, e muitos bolivianos acham que foi Evo Morales que lhes deu uma casa nova.”

O maior esforço para desfazer o passado está sendo feito no Chile, onde uma convenção está reescrevendo a Constituição. Ainda que tenha começado antes da pandemia de Covid, o movimento chileno é parecido com o do Peru. As propostas se aproveitam de uma vaga rejeição ao texto constitucional vigente, que foi elaborado na ditadura de Augusto Pinochet (1915-2006). Entre os objetivos dos constituintes, está o de prover educação e saúde gratuita para a população. Há ainda a ideia de acabar com os planos de previdência privados, algo que também consta no programa do presidente eleito, Gabriel Boric.

O desejo de fortalecer o estado às vezes implica ressuscitar estatais perdulárias e subjugar o setor privado. No México, o presidente Andrés Manuel López Obrador levou ao Congresso o projeto de uma nova lei para o setor elétrico. Saudosista da estatal petroleira Pemex, que já foi uma das mais ineficientes do mundo, López Obrador quer rasgar a reforma energética aprovada em 2013, durante o governo de Enrique Peña Nieto. Essa reforma quebrou o monopólio da Pemex e abriu o setor para investimentos privados, mexicanos e estrangeiros. Fornecedores de energia eólica e solar, mais limpas, passaram a ter preferência para vender eletricidade ao sistema integrado nacional. Com isso, empresas privadas, principalmente estrangeiras, investiram 26 bilhões de dólares no país para gerar energia solar e eólica. Agora, AMLO quer que o governo volte a controlar o setor, por meio de uma estatal que usa principalmente combustíveis fósseis. No último dia 17, o Congresso mexicano começou a discutir a proposta do governo. O maior empecilho é que o Partido Revolucionário Institucional, o PRI, tem se colocado contra.

Exemplo similar de reação ao setor privado pode ser encontrado na Argentina, onde o presidente Alberto Fernández ordenou o fechamento do aeroporto de El Palomar, em Buenos Aires, alegando que a medida era necessária por causa da pandemia. A pista era usada principalmente por companhias privadas de baixo custo, como Flybondi e Jetsmart. Elas competiam com a Aerolíneas Argentinas, que a todo momento precisa receber socorro do Tesouro argentino para equilibrar suas contas. “Desde que chegou ao poder, Alberto Fernández tem ensaiado um retorno ao passado, apelando para receitas fracassadas”, diz o cientista político argentino Patricio Giusto, da Diagnóstico Político, em Buenos Aires. ”O fechamento do aeroporto de El Palomar é insólito. Seu objetivo é sacramentar o monopólio da Aerolíneas Argentinas, uma empresa ineficiente que perde mais de 1,5 milhão de dólares por dia.”

Para cada proposta destinada a desfazer leis e reformas do passado, é preciso avaliar corretamente quais eram os seus objetivos e quais foram os seus resultados ao longo dos anos. Todo país deve se permitir rever iniciativas oficiais, mas o debate precisa ser aberto e sem viés ideológico, para não repetir erros que já haviam sido remediados.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. PASTORE DIZ QUE O EMPREGO DE HOJE É FRUTO DO INVESTIMENTO E CRESCIMENTO ECONÔMICO. É POR ISSO QUE EXISTE ATUALMENTE 14 MILHÕES DE DESEMPREGADOS. LULA E DILMA INVESTIRAM NOS BOLSOS E PHODA-SE O POVO.

  2. Isso é a maior doideira que um país pode sofrer, em um período tão curto, mudanças viscerais de políticas macroeconômicas só vão destruindo a confiança, crescimento e enriquecimento do povo. Para termos algo consistente, precisamos de décadas com uma política sólida sem mudanças catastróficas. Democracia não é isso.

  3. essa é a nova onda, estado enxuto, o estado tem que ser eficiente não enxuto. por exemplo essa onda de privatizar a Petrobras é furada, hj só tem 7 empresas, geandes, petrolífera no mundo e criaria um cartel.

  4. Well, há que se levar em conta que os políticos nunca trabalham a favor de melhoras que não sejam as do próprio bolso e dos cupinchas, e os "de esquerda" são especialistas nessa seara...e o atual desgoverno dito "de direita" também em nada mudou a situação de penúria de objetivos que não sejam se locupletarem e serem liberais com a bufunfa alheia...de modo que no Bananão resta-nos apenas a saída SM em mais uma tentativa de sair da região pantaneira (ou via portal mágico como nos filmes)...

  5. O problema do Brasil, são os brasileiros! O PT depois de 14 anos no poder, deixou a marca da corrupção e atraso! O Brasil precisa de escola para educar seu povo, para ver se pelo menos, aprendem a votar !

    1. Perfeito! Educação é prioridade máxima; haja vista a Coreia do Sul!#Moro2022

  6. O ex-presidiário Lula querer voltar a governar o Brasil, é IMORAL e IRRACIONAL. O PT não apenas comeu a nossa colheita. A corrupção sistêmica e a busca insana de se manter no poder, acabou avançando também sobre as nossas sementes (investimentos), comprometendo o nosso futuro. Como disse Pastore, não se gera emprego na canetada. O PT busca um experimento com "Cloroquina" na economia. Pensei que estávamos vacinados contra isso. MORO PRESIDENTE 🇧🇷

    1. Concordo plenamente com o seu comentário! Chega de retrocesso! Nem passado nem presente, #MoroPresidente!

  7. O maior problema do Brasil, é a formação do caráter do próprio povo, que não tem o mínimo suficiente de patriotismo com o país. Como pode um mal caráter Luiz Inácio Lula da Silva ser presidente de um país no qual foi condenado até 4ª instância é preciso criarem vergonha nacional.

  8. LULA: os EXEMPLOS EXECRÁVEIS que uma SOCIEDADE tão CORRUPTA é capaz de produzir! São DEGENERADOS MORAIS que IMPEDEM o BRASIL de AVANÇAR! Em 2022 SÉRGIO MORO “PRESIDENTE LAVA JATO PURO SANGUE!” Triunfaremos! Sir Claiton

    1. Sindicatos, Centrais sindicais, Partidos e ONGs, com raras exceções, servem para dar uma vida mansa para seus dirigentes e apaniguados. Ganham via expropriação legal do governo e das pessoas 100, gastam 80 com seus quadros e 20 (se tanto) com seus filiados.Tem se metido muito mais nas disputas políticas de poder, do que de pautas de benefícios para seus filiados.Lula é um exemplo inconteste do parasitismo.Bolsonaro idem.A classe política em sua maioria também. É preciso mudar já, por isso MORO.

    1. A corrupção desvairada foi un dos pilares da "pancada" de 1964. Estamos repetindo a dose................qualquer hora, um generalão sacudo (não os do Bolsolixo) vira a mesa e expurga o PT et caterva! De 1985 até agora só os políticos levaram vantagem na redemocratização.................nada para o povo...

Mais notícias
Assine agora
TOPO