Ricardo StuckertPara atrair Alckmin, Lula acena com a hipótese de entregar também um ministério ao ex-tucano

A ‘tríplice coroa’ dos sonhos de Lula

Para o chefe petista, não basta conquistar o Planalto. Ele opera fortemente para que o PT leve também o governo de São Paulo. Sua outra meta: fazer com que Sergio Moro saia das eleições humilhado
21.01.22

O ex-presidente Lula costuma recorrer a uma analogia futebolística na hora de traçar seus planos para as eleições deste ano. “Temos que ganhar o Mundial, a Libertadores e o Brasileiro”, tem afirmado, em conversas com dirigentes petistas. A conquista da“tríplice coroa”, vislumbra o morubixaba petista, passa por sua eleição à Presidência da República como objetivo principal e primordial, o que o faria embalar o discurso de pretenda absolvição pelas urnas, e, em segundo lugar, pela conquista inédita do governo de São Paulo pelo PT, estado mais rico do país e tradicional reduto tucano. O derradeiro e pretensioso projeto de Lula é fazer com que Sergio Moro, pré-candidato ao Planalto pelo Podemos, saia menor da eleição presidencial do que entrou, para que o ex-juiz, algoz do petista, não disponha de musculatura e protagonismo político capazes de importuná-lo no futuro.

Para tanto, já há um itinerário bem delineado – e uma das peças-chave da estratégia é o ex-tucano Geraldo Alckmin. Como é sabido, o flerte de Lula com Alckmin começou num encontro reservado em julho, em São Paulo, na casa do ex-secretário de Educação Gabriel Chalita. De lá até a primeira aparição pública dos dois, no notório jantar promovido pelo grupo Prerrogativas, a facção jurídica do PT, em 19 de dezembro, houve pelo menos três conversas ao telefone. Em todas, Lula deixou claro o interesse em ter Alckmin como vice em sua chapa ao Planalto.

Num animado convescote de final do ano em seu apartamento em São Bernardo do Campo, na presença da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e do eterno faz-tudo Paulo Okamotto, entre um gole e outro de vinho Bordeaux, Lula disse que teria sacado outra carta na jogada para atrair o ex-governador de São Paulo à aliança petista: além da vaga de vice, teria acenado com a possibilidade de Alckmin acumular os nem sempre atrativos afazeres no Palácio do Jaburu, sede da vice-presidência, com os de ministro de estado. Não seria algo inédito na gestão petista. Entre 2004 e 2006, após a demissão de José Viegas, José Alencar conciliou a vice com o cargo de ministro da Defesa.

O assunto é tratado com máxima reserva na cúpula do PT, para não engrossar o coro dos descontentes com a parceria Lulalckmin. Nos últimos dias, vários petistas levantaram a voz contra a dobradinha para a eleição presidencial de 2022. Entre eles, os ex-presidentes da sigla José Genoino e Rui Falcão, além da ex-presidente Dilma Rousseff. Na visão desses petistas, a união entre Lula e o ex-tucano representaria uma “traição” aos ideais do partido. Da turma, Falcão foi o que expôs mais claramente sua insatisfação. “Ele (Alckmin) representa uma contradição a tudo o que o partido fez e quer fazer. Lula não precisa de uma muleta eleitoral”, afirmou o deputado, em recente entrevista. Em linha com o companheiro, o presidente do PT de São Paulo, Luiz Marinho, chegou a dizer que o “Chuchu”, como Alckmin é ironicamente chamado, precisa se mostrar “engolível” se quiser ser vice de Lula. “O Alckmin vai ter de passar a falar diferente. Ele tem de saber que estará defendendo um projeto que tem CPF, tem lado, tem CNPJ. Ele tem de se tornar engolível. É disso que se trata”, resumiu.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/FolhapressDisputa antecipada por poder: Rui Falcão se insurge contra a chapa Lulalckmin
O alto comando petista faz uma avaliação pragmática do movimento de setores históricos do partido contrários à união com Alckmin. Entende se tratar de uma tentativa de marcar posição já de olho numa futura disputa de poder num eventual governo petista. A ideia seria vender caro a entrada do antigo adversário eleitoral, para obter mais cacife para negociar espaços na estrutura de poder, caso Lula seja eleito.

Para colocar água na fervura da crise, José Dirceu, que voltou a operar com desenvoltura no PT, entrou firme nos bastidores nos últimos dias. Para além dos ganhos eleitorais, ele tem argumentado que a chegada de Alckmin ajudaria a formar um bloco de resistência democrática mais sólido, capaz de imunizar um futuro governo petista contra eventuais movimentos antidemocráticos do bolsonarismo.

Na quarta-feira, 19, o próprio Lula saiu a campo para defender a aliança. Em entrevista a blogs companheiros, reforçou a intenção de contar com Alckmin na chapa ao Planalto. “Não terei nenhum problema em fazer chapa com o Alckmin para ganhar e governar esse país. Só não posso dizer ainda porque falta definir para qual partido ele vai, ver se o partido vai fazer aliança com o PT”, afirmou. “Temos divergências? Temos. Por isso, pertencemos a partidos diferentes. Temos visões de mundo diferentes? Temos. Mas isso não impede a possibilidade de que as divergências sejam colocadas em um canto e as convergências de outras para poder governar. Espero que Alckmin esteja junto, sendo vice ou não”, acrescentou.

Entre os petistas que torcem o nariz para a empreitada, há quem ainda faça figa para que o ex-tucano tome uma rasteira às vésperas da oficialização da candidatura – o histórico do petismo sugere que tal hipótese não está descartada. Um recuo, porém, seria encarado como uma traição. Pessoas próximas do ex-governador de São Paulo dão a dobradinha Lulalckmin como pule de dez. Antes de embarcar para Nova York. para passar o Natal, o ex-secretário-adjunto de Segurança Pública de Alckmin, Marcelo Martins de Oliveira, advogado e hoje um dos interlocutores mais frequentes do ex-governador, disse a amigos que a questão estava sacramentada, dependendo apenas a definição do novo abrigo do ex-tucano, se o Solidariedade ou o PSB – a decisão ainda está por conta da resolução das intrincadas costuras dos palanques estaduais.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/FolhapressPara Tasso, a aproximação de Alckmin com Lula “pode ajudar a superar as divisões no Brasil”
Há outro sinal de que a parceria possa realmente ter alcançado um ponto de não-retorno. Hoje, um dos principais defensores da união antes considerada impensável é o tucano Tasso Jereissati. O senador, que fez campanha para o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, nas prévias do PSDB, virou um dos padrinhos do eventual casamento entre o ex-tucano e o petista, depois de manter ao menos duas conversas com Lula no ano passado. Em entrevista na primeira semana do ano ao jornal O Povo, do Ceará, Tasso disse acreditar que a aproximação de Alckmin com Lula “pode ajudar a superar as divisões no Brasil e facilitar o convívio político com os que pensam diferente”. Tasso fez outro movimento recente que indica sua proximidade com o projeto petista: reuniu-se com o ex-presidente Michel Temer para manifestar apoio à candidatura de Simone Tebet, do MDB, ao Planalto, numa atitude que enfraquece a terceira via. Para o PT, a piscadela de Tasso é emblemática e o exemplo mais do que concreto de que a intenção de fazer de Alckmin uma espécie de nova “Carta ao Povo Brasileiro”, tornando Lula mais palatável ao mercado, aos empresários e à classe política de maneira geral, já tem funcionado.

Para além do “efeito moderador” emprestado por Alckmin à chapa ao Planalto, a atração do ex-tucano serve ao propósito petista de alcançar, pela primeira vez, o Palácio dos Bandeirantes, um histórico enclave do PSDB. No xadrez montado por Lula, não basta remover Alckmin, até então um adversário de peso, da disputa ao governo de São Paulo, oferecendo-lhe a vaga de vice na chapa presidencial – segundo as últimas pesquisas, o ex-governador figurava em primeiro lugar nas pesquisas para o governo, com 28% das intenções de voto. Para abrir caminho para o triunfo no estado, o chefe petista trabalha para que Guilherme Boulos, do PSOL, também tire da cabeça a ideia de ser candidato ao governo e passe a fazer parte da coalizão de esquerda em torno de Fernando Haddad, hoje em segundo nas pesquisas, com 19%.

O acerto envolve o compromisso do PT de apoiar Boulos para prefeito de São Paulo, em 2024. Em paralelo, Lula buzina no ouvido de Márcio França, do PSB, para que ele desista de concorrer ao governo, para tentar o Senado. Consumada a frente idealizada por Lula, a fatura eleitoral poderia ser liquidada até no primeiro turno, a depender do desempenho de Rodrigo Garcia. O neotucano e candidato de João Doria, para além do rosto pouco conhecido, precisa superar a rejeição ao seu padrinho político se quiser chegar lá. Os dois são indissociáveis e atualmente Doria amarga uma reprovação de cerca de 40%.

 Leandro Paiva/Divulgação Leandro Paiva/DivulgaçãoProjeto do PT para conquistar o Palácio dos Bandeirantes passa ainda pela desistência de Boulos
Cumpridos os planos de alcançar a Presidência da República e fincar a bandeira vermelha de maneira inédita no Palácio dos Bandeirantes, restaria a Lula a tarefa de tirar Moro de seu caminho. No entendimento do PT, a sobrevivência política do ex-juiz, mesmo que seja derrotado nas eleições de outubro, constituiria uma eterna sombra sobre um futuro governo petista. Daí a necessidade, pregada internamente por Lula, de “eliminar” o seu principal algoz. Para isso, o petista conta com setores conhecidos do Judiciário e da turma de advogados e juristas abrigada na facção jurídica do PT. O combinado é fazer um revezamento nos ataques, como o que desferiu Lula nesta semana chamando Moro de “canalha”, ao que recebeu como pronta resposta que “canalha é quem roubou o povo brasileiro”.

Numa outra frente, a ideia é empreender ações para constranger o responsável por levar Lula à cadeia – há quem diga no petismo que a determinação do Tribunal de Contas da União para que a consultoria americana Alvarez & Marsal divulgasse quanto pagou a Moro já faça parte da estratégia. Não será uma jornada trivial, como quer fazer crer Lula. Durante a semana, numa derrota dos garantistas com e sem toga, a Alvarez & Marsal informou ao TCU que a remuneração de Sergio Moro como consultor privado de sua divisão de Disputas e Investigações está protegida por uma cláusula de confidencialidade e só o ex-juiz poderia decidir sobre sua divulgação.

Do ponto de vista eleitoral, apesar do clima de “já ganhou” que se espraiou pelo PT e pela esquerda, as articulações avalizadas pelo Podemos, atual partido de Moro, para um possível ingresso do ex-juiz no União Brasil, partido mais rico do país hoje e com extensa capilaridade nacional, sugerem que a peleja de outubro está longe de ser um jogo jogado. Para ficar nas proverbiais analogias de Lula, na política, assim como no futebol, o risco é sempre o de colocar a coroa na cabeça antes da hora.

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