RuyGoiaba

Proíbam a rinha de cartas abertas

21.01.22

Bom dia, amigos da Crusoé. Comportaram-se bem na minha ausência? Tive umas férias ótimas, mas a reentrada na atmosfera do Bananão neste ano eleitoral já destruiu completamente o efeito reconstituinte delas. Desse modo, estou rigorosamente em dia com as prestações do meu mau humor e pronto para transmitir essa irritação a vocês, queridos dois ou três leitores restantes.

Dois dias atrás, eu estava com o modo “velho nostálgico” — que odeio, mas às vezes é inevitável — plenamente ligado e disposto a dar a este texto o título “Proíbam a rinha de colunistas”, inspirado por aquilo que Jânio Quadros, o breve, fez em mil novecentos e bolinha com as rinhas de galo. Vocês sabem como funciona: colunista polemiquinho do jornal X publica texto, outros colunistas rebatem em nome do “debate de ideias”, indignados clicam, divulgam, formam torcidas em torno de uns e outros — até todo mundo ficar de saco cheio e partir para a empolgante polêmica seguinte. No mundo real, nada acontece, feijoada.

A parte nostálgica é porque me lembro muito bem daquela época jurássica, pré-internet, em que essas rinhas eram mais espaçadas — não todo santo dia — e a baixaria sem nenhuma classe envolvia pessoas mais interessantes que os atuais zé-manés com sei lá quantos seguidores no Twitter e no Instagram. Uma espécie de “Quadrilha” de Drummond, mas com Paulo Francis dizendo que Caio Túlio Costa tinha uma “cara ferrujosa de lagartixa pré-histórica”; Caetano Veloso chamando Francis de “bicha amarga” e “boneca travada” (e Millôr Fernandes, instado a comentar o embate Francis x Caetano, dizendo que não se metia em “briga de baianos”); José Guilherme Merquior descrevendo Caetano como “pseudointelectual de miolo mole”. Ah, meus amigos, those were the days.

Mas aí apareceu a tal carta aberta de jornalistas da Folha contra o artigo de Antonio Risério publicado dias antes pela Ilustríssima. Vou tentar ser o mais sucinto e o menos chato possível: achei fraco o texto do antropólogo, principalmente pelo empilhamento de exemplos anedóticos ocorridos nos EUA (em que medida eles valem para o Brasil?). Mas não há racismo ali: ele reconhece já na primeira frase o racismo de brancos contra negros, argumenta que esse não é o único vetor possível do preconceito e diz que o movimento identitário, seu alvo, pode estimular outras formas de racismo. É possível, e eu diria até saudável, discordar disso o quanto se quiser: pelas contas da própria Folha, o jornal publicou cerca de dez textos francamente contrários ao de Risério.

Assinada por algumas pessoas que conheço e até estimo, a carta aberta passa como um trator por cima de qualquer discussão e decreta: o antropólogo e outros dois colunistas escreveram textos “racistas”, aos quais a Folha, ou qualquer veículo que diga prezar a democracia, não deve dar guarida. É um texto autoritário, mal escrito — inclui até um “vimos por meio desta”, que me lembrou a reação de Graciliano Ramos sempre que ele topava com um “outrossim” — e especialmente indecente na analogia que tenta fazer com o negacionismo do Holocausto. Sem contar a alegação orwelliana de que está defendendo o “pluralismo” ao exigir o exato oposto, sua restrição. Opinião, por mais idiota, não é crime (e olha que minha tolerância à burrice alheia é ínfima): admitam, amigos, que vocês não gostam da livre expressão de quem discorda e andam cada um com seu index prohibitorum no bolso. Não é bonito, mas é mais honesto.

Nisso, com as redes sociais mais uma vez transformadas no inferno dos aldeões com tochas, aparece outra carta aberta — desta vez, a favor de Risério e contra o identitarismo. Pronto: o que era rinha de colunistas virou coisa ainda pior, uma rinha de cartas abertas que provoca em qualquer pessoa com um restinho de bom senso aquela vontade de se suicidar rasgando a boca à la Didi Mocó. “Carta aberta”, com raríssimas exceções das quais nem me lembro agora, não serve para coisa nenhuma a não ser sinalizar para a sua turma que você está do lado do Bem. Racismo é crime, que deve ser denunciado às autoridades competentes — mas acho improvável que algum dos signatários da carta à Folha tenha se dedicado a fazê-lo contra os colunistas acusados. Nada-acontece-feijoada do mesmíssimo jeito, o Brasil segue sendo preconceituoso, desigual e violento, mas você fez sua parte pedindo censura aos textos de três zé-manés: parabéns.

No meu despotismo esclarecido, a rinha de cartas abertas será substituída por uma espécie de Banheira do Gugu compulsória: joga todos os signatários desses troços numa megabanheira (pode ser no Maracanã, com TV ao vivo) e quem conseguir pegar o sabonete vira o dono DEFINITIVO da razão. Pensem nisso para quando, enfim, chegarmos à idiocracy e ninguém mais no Brasil souber ler — a julgar pelo atual governo e pelas últimas polêmicas, já estamos muito perto.

***

A GOIABICE DA SEMANA

O BBB, que um querido amigo chama de “Shakespeare dos dias atuais” (de sacanagem, mas nem tanto), está de volta. Nota-se o empenho da Globo em incluir no reality show minorias como negros, gays e trans — mas não é que já apareceu colunista reclamando de “gordofobia” porque o elenco da edição 22 incluiu um gordo só (Tiago Abravanel, o neto de Silvio Santos)? Nunca nada está bom para a Patrulha da Chatice: só espero que me chamem quando a minoria contemplada incluir Lula, Vicentinho e Luís Carlos do Raça Negra (com trilha sonora do saudoso Cazuza). Línguas-soltas of the world, unite and take over.

Reprodução/TV GloboReprodução/TV GloboO elenco da nova edição do BBB, lamentavelmente com baixos teores de gordura

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