Tomaz Silva/Agência BrasilO ex-secretário Edmar Santos: revelações sobre oferta de parceria em Brasília

Um mercador de propinas no Ministério da Saúde

Delator, ex-secretário de Wilson Witzel revela as propostas indecentes de um lobista ligado ao PP que vendia livre trânsito em Brasília, garantia acesso a recursos milionários e oferecia até empresas em paraísos fiscais para esconder dinheiro desviado
21.01.22

Réu confesso, o ex-secretário estadual de Saúde do Rio de Janeiro Edmar Santos foi personagem central no impeachment do ex-governador Wilson Witzel. O médico deu detalhes do esquema que desviou recursos do estado em plena pandemia e apontou crimes que teriam sido cometidos pelo então governador, pelo vice-governador e por uma dúzia de secretários, prefeitos e deputados. No mesmo dia em que Edmar foi preso, o Ministério Público informou, sem revelar nomes, que um dos investigados devolveu aos cofres públicos 8,5 milhões em dinheiro vivo. O que até hoje não se sabia é que Edmar também contou aos investigadores ter recebido uma proposta indecente para ingressar em um milionário esquema que envolveria diretamente o Ministério da Saúde. A oferta se deu em Brasília, na mansão de Roberto Bertholdo, um conhecido lobista com laços estreitos com o PP e seus chefões.

Amigo do peito do deputado federal Ricardo Barros, líder do governo na Câmara, Bertholdo chegou a ser preso por participar de um esquema de desvios ligado à organização social Iabas, contratada por diversos governos – inclusive o do Rio – para montar hospitais de campanha durante a pandemia. Na delação, Edmar revela que os tentáculos do lobista envolviam o próprio ministério. Segundo ele, Bertholdo propôs usar sua influência dentro da pasta para facilitar negócios escusos que poderiam render, por fora, alguns milhões de reais. No vídeo em que dá detalhes da oferta (assista mais abaixo), o ex-secretário conta que o lobista oferecia um “pacote completo” a quem se interessasse em participar. Estava incluída até mesmo uma ajudinha para abrir empresas e contas no exterior, onde o dinheiro desviado poderia ser escondido.

O lobista, de acordo com Edmar, avançou na conversa a ponto de detalhar a proposta. A operação passava pela abertura de duas empresas nos Estados Unidos, uma delas no paraíso fiscal de Dakota do Sul. Com um detalhe bem interessante, segundo Edmar: Bertholdo insinuou que essa mesma estrutura já teria sido usada em “parcerias” com senadores e deputados federais.

Edmar conheceu Roberto Bertholdo logo nos primeiros meses do governo Witzel. O então secretário de Saúde foi apresentado a ao lobista por sua então chefe de gabinete, Marcia Verginelli, que havia trabalhado com Bertholdo no Instituto Sócrates Guanaes, que atua na área da saúde e tem sede no estado de Goiás. Edmar contou que Verginelli apresentou o lobista como alguém “com forte influência política em Brasília”, uma figura que poderia abrir portas no Ministério da Saúde e facilitar a transferência de recursos para o estado – àquela altura, ainda não se falava em corrupção.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisBertholdo: o lobista tem relação estreita com poderosos, principalmente no PP
De fato, o lobista abriu as portas do governo federal para Edmar. Disse o delator aos investigadores: “Fui diversas vezes na mansão do Roberto Bertholdo em Brasília, que funciona como escritório, no Lago Sul. Diversas vezes encontrei senadores, deputados e outras figuras da política que eram muito frequentes na casa do Roberto, em jantares, churrascos, almoços. Efetivamente, (ele) me facilitou agendas no Ministério da Saúde para discutir questões de habilitação do estado do Rio que estavam pendentes. Bertholdo tinha, dentre todas as conexões políticas, acesso muito grande ao subsecretário de Assistência à Saúde do ministério (a repartição, na verdade uma secretaria, é conhecida pela sigla SAES), que era o Francisco Assis. A SAES tem boa parte do dinheiro (…) O Assis está ligado à liberação de recursos para fins de políticas (públicas), de instalação de políticas”.

Francisco Assis Figueiredo foi nomeado para o Ministério da Saúde em 2016, quando Ricardo Barros era o ministro, na cota do PP. A Crusoé, pessoas com trânsito na pasta afirmam que Assis destoava dos demais burocratas em cargos de chefia pelo baixo desempenho nas reuniões – era quase um estranho por ali. A falta de traquejo, porém, não o impediu de permanecer no ministério após a mudança de governo. Ele foi foi exonerado em maio de 2020, por meio de um ato assinado pelo então ministro da Casa Civil, Walter Braga Neto, sem maiores explicações.

Edmar relata que as primeiras conversas com Bertholdo ocorreram no hotel Fasano, um dos mais exclusivos da orla do Rio, e tiveram como foco a liberação de verbas de forma lícita. Logo depois, vieram as reuniões na casa do lobista, em Brasília. Elas passaram a ocorrer pelo menos uma vez por mês. Junto com os banquetes, foram surgindo aos poucos as propostas para montar uma parceria destinada a desviar dinheiro.

Disse Edmar: “Em setembro de 2019, começa a haver, por parte do Roberto, provocação de tentativa de estabelecer intermediações não lícitas nessa interface Ministério-Estado do Rio de Janeiro. Ele propôs que ampliássemos políticas de saúde no estado do Rio de Janeiro que pudessem ter verba liberada pelo Ministério da Saúde. E que obviamente, na frente, deveria ter retorno dessa verba para alimentar o esquema. Um dos projetos seria o (Rede) Cegonha, que teria alguns milhões a serem liberados para o Rio, se ampliássemos. Ele fez essas e outras propostas no mesmo sentido”.

Antonio Cruz/Agência BrasilAntonio Cruz/Agência BrasilRicardo Barros, líder do governo na Câmara: ligação antiga com Bertholdo
A Rede Cegonha, de onde os recursos seriam desviados, é um programa com o objetivo de oferecer “cuidados para assegurar às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo e a atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério”. Edmar garante não ter topado essa proposta de Bertholdo. Mas vieram outras. Pouco tempo depois, o lobista pediu ao secretário que aumentasse o volume de contratações do Iabas, o instituto dos hospitais de campanha, no Rio. Sobre esse assunto específico, Edmar afirma ter recomendado que Bertholdo tratasse com o grupo do Pastor Everaldo, então presidente nacional do PSC, também preso na operação que investigou os desmandos na saúde fluminense.

As conversas sobre desvios já estavam escancaradas. Até por isso, a certa altura, na tentativa de convencer o secretário a fechar a parceria, Bertholdo se viu à vontade para falar de suas operações com outras autoridades. “Ele abre conversa do que, segundo ele, ele faria para outras autoridades. Imagino que senadores, deputados federais e outras autoridades do poder para os quais ele atuava com mecanismo de lavagem de dinheiro”, contou Edmar aos procuradores, durante a sua delação premiada.

Na sequência, vieram os detalhes de como o esquema era montado para não chamar a atenção dos órgãos de investigação. Se Edmar aceitasse participar da empreitada, primeiro seria aberta uma empresa em nome dele com sede em Dakota do Sul. O estado americano permite que nomes de proprietários de firmas sejam mantidos em sigilo. Depois, essa empresa abriria uma outra, em Orlando, na Flórida. O dinheiro desviado da saúde seria convertido em dólares, passaria pelas duas empresas americanas e, por fim, retornaria ao Brasil na forma de investimento em imóveis. O próprio Bertholdo cuidaria de toda papelada e da transferência, segundo o ex-secretário. Pelo serviço de intermediação, o lobista ficaria com 20% dos valores que fossem desviados, mais uma “taxa de manutenção”. Edmar Santos admitiu que chegou a fornecer a Bertholdo os documentos necessários para a abertura das empresas, mas depois desistiu da operação. Segundo ele, por “não confiar no esquema”.

Procurado, Roberto Bertholdo negou ter apresentado Francisco Assis Figueiredo a Edmar Santos ou aproximado ambos. Ele diz “não ter a mínima ideia” do que seja o programa Rede Cegonha e que, por isso, “não poderia oferecer o que não conhece”. Negou, ainda, que tivesse “capacidade” para abrir empresas nos Estados Unidos. Ele admitiu ter relação com deputados e senadores, mas afirmou que essa rede de contatos “se limita à atividade profissional circunscrita aos limites legais”. O lobista criticou o modelo de delação premiada e se disse vítima de um “vale-tudo” de Edmar Santos. “O indivíduo é pego com 7 milhões roubados e, para não ir para a cadeia, tem que falar o máximo possível”, afirmou. Edmar e Francisco Assis não responderam às tentativas de contato feitas por Crusoé.

DivulgaçãoDivulgaçãoUm secretário do Ministério da Saúde foi apresentado pelo lobista como canal para destravar liberação de verbas
Não se tem notícia, até hoje, de que a parte da delação do ex-secretário sobre as conexões do esquema do Rio com o Ministério da Saúde esteja sendo apurada – nem mesmo o trecho que diz respeito aos serviços prestados por Bertholdo a outras autoridades de Brasília, teoricamente um tesouro a ser explorado pelos órgãos de investigação. O passado do lobista o credencia como personagem merecedor de atenção. Embora seja mais próximo do PP, ele tem conexões com políticos de diversos partidos. Em 2005, foi preso pela primeira vez, acusado dos crimes de tráfico de influência, compra de sentenças judiciais e lavagem de dinheiro. Depois, vieram outras passagens pela cadeia.

Bertholdo foi conselheiro de Itaipu Binacional e teve o nome especulado para virar ministro do governo Lula, na cota do então aliado PMDB. O lobista, que também é advogado, tem ainda em sua folha corrida uma acusação de oferta de suborno a ministros do STJ para favorecer um de seus clientes. Quando seu amigo Ricardo Barros era ministro da Saúde, no governo de Michel Temer, Bertholdo era um atalho conhecido para empresários que queriam se aproximar da pasta – em alguns casos, as conversas eram absurdamente heterodoxas. Já no governo Bolsonaro, Bertholdo fez bombar sua casa no Lago Sul, onde costumava receber alguns dos principais congressistas aliados do Palácio do Planalto. Nesse período, ele conseguiu manter – e, pelo visto, até lapidar – suas interações no Ministério da Saúde. Nada mais ilustrativo do “governo sem corrupção” que Jair Bolsonaro se gaba de fazer.

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  1. Quanto mais eu me.informo,mais nojo me dá dessa máfia. E é isso que eles querem. Que nós enojemos e deixemos eles roubarem e corromperem à vontade.

  2. A corrupção continua sendo um dos maiores problemas do país. É incrível imaginar que a maioria das pessoas não levam isso em conta na hora de votar. Enquanto isso continuarei insistindo no VOTO FAXINA como única forma de tirar o poder das mãos desses crápulas. A renovação é o caminho e o foco é o Poder Legislativo. Gente nova no Parlamento! Novos deputados e novos senadores. Só assim será possível remover esses entraves que têm permitido a perpetuação desses desmandos indecentes.

  3. Não se consegue exterminar os ratos que habitam os esgotos de Brasília mesmo usando todo veneno possível . Eles se multiplicam de uma forma a ser impossível essa batalha.

  4. É impressão minha ou as cidades americanas citadas, são as mesmas que a família MINTO costuma visitar? Acorda 🇧🇷🇧🇷🇧🇷

  5. O SUS na mira de corruptos. Quanto poderia melhorar em eficiência se cada centavo dos impostos fosse sagrado. Por isso, devemos apoiar quem combate com força a corrupção. neste país.

  6. Essa revista é muito boa. As reportagens, a se aa moda antiga, são muita lojas. Vc escreve tudo isso num terço. Não temos tempo. Diga e fui.

  7. Nos governos petistas, a Lava Jato descobriu uma corrupção sistêmica. No governo Bolsonaro,  só a mídia independente mostra o que está acontecendo. A frase correta do Bolsonaro seria: NO MEU GOVERNO NÃO TEM NENHUMA INVESTIGAÇÃO CONTRA À CORRUPÇÃO. Os corrputos agem à vontade. MORO PRESIDENTE 🇧🇷

    1. E não vai acontecer absolutamente nada, pois ficou muito claro na reunião em Brasília quando Moro pediu demissão, todos os filhos e amigos protegidos de tudo, não há investigação alguma contra essa gente, Ricardo de Barris é um corrupto daqueles.

  8. Engraçado, todos sabem onde é a casa, quem é o sujeito, sua folha corrida,.....e não tem nenhum processo que inclusive peça a fotografia de quem entrar na casa. Cara, o FBI já fazia isso em 1930 contra gangsters. Mas aqui, no paraíso tropical, vai que flagra alguém de um tribunal ou de gabinetes nos andares altos. Todos se protegem,

  9. Eleição 2022 será uma guerra entre bandidos e mocinhos. Fácil decidir se o eleitor ficar atento ao track record dos estelionatários. Tem crime que acaba e de todo tipo. Os bandidos são conhecidos. Falta uma parte da mídia confiável como Antagonista começar a bater mais forte na mídia conivente. Não basta informar, temos que lutar contra o status quo.

  10. RACHADINHAS, CORRUPÇÃO nas VACINAS e MANSÕES para o 01 e 04! BOLSONARO é um DEGENERADO MORAL que IMPEDE o BRASIL de AVANÇAR! Em 2022 SÉRGIO MORO “PRESIDENTE LAVA JATO PURO SANGUE!” Triunfaremos! Sir Claiton

  11. Esse Ricardo Barros está acima de qualquer suspeita. Há a certeza de que em qualquer negócio que esteja metido tem malandragem. CABRA BOM!

  12. No governo do Lulaladrão o País estava afundado em Corrupção,mas tinha a LAVA JATO, orgulho dos brasileiros honestos e trabalhadores; Hoje o governo é da FAMILICIA BOLSONERO, com métodos, comportamento, ética e moral adquiridos nos 30 anos no Baixo Clero, com assessores e asseclas, consortes e crias Cristãos especialistas em Rachadinhas.

  13. Cappelli, excelente reportagem! Foi com a Crusoé e o Antagonista que entendi realmente as causas de nossas tragédias ! Parabéns e obrigada!

  14. Isso demonstra como o judiciário e órgãos de controle estão contaminados, um sujeito como esse devia estar atrás das grades, no entento está livre alimentando a máquina de corrupção.

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