RuyGoiaba

Elogio da heroína

28.01.22

Já ouviram falar de rock and roll? Aquele estilo musical que geralmente não vai além de três acordes e é muito apreciado por tiozões bolsominions, aqueles espécimes que participam de motociatas e têm sérios problemas de disfunção erétil? Então, a história do rock tem uma coisa chamada de Clube dos 27. Há uma quantidade desproporcional de grandes nomes do gênero mortos aos 27 anos — isso vem desde o fim dos anos 60, quando quatro deles (Brian Jones, fundador dos Rolling Stones, Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison) passaram desta para melhor em um intervalo de exatos dois anos, todos aos 27. Kurt Cobain, em 1994, e Amy Winehouse, em 2011, também morreram com essa idade.

(A contrapartida disso é que, normalmente, roqueiros junkies que conseguem passar dos 27 não morrem mais: Keith Richards e Iggy Pop estão aí para provar.)

Em muitos casos, é fácil lamentar a perda: basta imaginar o que um músico genial como Hendrix poderia ter produzido com mais algumas décadas de vida — sabe-se, por exemplo, que os planos de Miles Davis de gravar um álbum com ele nunca se concretizaram. A maioria dos roqueiros, porém, sobrevive para não produzir mais nada que preste e exibir ao mundo o triste espetáculo de sua decadência. Isso na melhor das hipóteses; na pior, eles usam o megafone adquirido nos seus tempos de glória para ser cretinos em altíssimo volume. Há vários exemplos recentes; entre eles, Eric Clapton é um dos principais destaques.

O grande guitarrista britânico já era um idiota reconhecido desde 1976, quando disse, num show em Birmingham, que a Inglaterra deveria se livrar “dos estrangeiros, árabes e pretos” (“keep Britain white”) — isso meros dois anos depois de ter feito sucesso com “I Shot the Sheriff”, de Bob Marley. Na época, as declarações impulsionaram a campanha Rock Contra o Racismo; anos depois, Clapton pediu desculpas e alegou que estava bêbado ao fazer aquele discurso. Hoje, supostamente sóbrio, ele é um dos mais estridentes antivax da categoria: outro dia mesmo, disse que quem se vacinou contra a Covid havia sido vítima de uma espécie de “hipnose de massa”, com “mensagens subliminares” para que os incautos aderissem. Deve ter sido saudado como “corajoso” pelo esgoto dos antivaxxers aqui e lá fora, a turma do chapéu de papel-alumínio na cabeça.

Sei muito bem que é preciso “separar autor e obra” e jamais exigi atestado de santidade dos artistas que admiro — o que parece ser a norma nesta nossa época iluminada, a única que pode julgar todas as outras. Ainda assim, acho que teria sido melhor Clapton ter morrido de overdose de heroína ali por volta de 1972, risco que ele correu de fato: já com o auge da carreira para trás, entraria para o Clube dos 27 e seria venerado como gênio sem mácula até hoje. Seria bom até para os negócios; em vez disso, ele viveu o bastante para ser exuberantemente imbecil. Vale o mesmo para Van Morrison, autor de um dos meus discos favoritos, o belo “Astral Weeks”, hoje burro negacionista empacado.

Quem sabe um dia, copiando descaradamente o “Elogio da Loucura” de Erasmo (o de Rotterdam, não o Carlos), eu escreva mais longamente um “elogio da heroína”, essa injustiçada. Todo mundo conhece os malefícios do vício, mas ninguém leva em consideração o número de roqueiros burros que heroína, álcool e outras drogas fizeram ir estudar a geologia dos campos-santos, elevando com isso o QI médio da humanidade. É verdade que isso não adianta muito, porque o mundo continua sendo um lugar cheio de imbecis que procriam; mas é bom que às vezes Darwin se manifeste, ainda que de maneiras tortuosas. Amém.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Esse povo das redes sociais, sobretudo o Twitter, é engraçado: depois de caprichar no linchamento virtual dos vilões do BBB 21, estão achando um tédio a edição 22, em que cada confinado se esforça para ser mais bonzinho que o outro. Ora, a culpa é de vocês, tuiteiros, facebookeiros e instagrameiros: como bem disse a grande antropóloga que é Anitta, “está todo mundo com medo disso” (ser linchado nas redes), o que fez do programa, já chato na versão não editada, uma insuportável congregação de aspirantes à santidade namastê, com musiquinhas fofas e tudo. Quem sabe com essa escassez de tiro, porrada e bomba vocês aprendam a valorizar o papel dos vilões no entretenimento.

Leco Viana/TheNews2/FolhapressLeco Viana/TheNews2/FolhapressAnitta, grande estudiosa do comportamento humano, durante uma de suas aulas

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO