ReproduçãoQueiroz desembarca em Brasília: de repente, ele passou de desaparecido a frequentador dos círculos do poder na capital

Queiroz livre, leve e solto por Brasília

Em mais um retrato simbólico da pax vigente no país, o ex-assessor dos Bolsonaro que estava até havia pouco na prisão agora circula desenvolto pelos corredores do poder, na capital da República. Ele está crente de que será eleito deputado em outubro com a ajuda do clã presidencial
28.01.22

Quando a investigação sobre o rachid no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio veio à baila, logo após a eleição presidencial de 2018, a oposição cunhou o proverbial “Cadê o Queiroz?”, expressão que passou a ser repetida como mantra pelo país afora. Para além da intenção de saber o paradeiro do homem que àquela altura era o desaparecido mais famoso do Brasil, a pergunta era uma forma de importunar o presidente recém-eleito. Afinal, Fabrício Queiroz, apontado como pivô do esquema de recolhimento dos salários de funcionários do filho 01, era homem da mais estrita confiança do próprio Bolsonaro – coube ao presidente a indicação do faz-tudo Queiroz para trabalhar com Flávio na Alerj. Por isso, o ex-PM era visto como espécie de arquivo-vivo capaz de, se assim lhe conviesse, implodir o governo.

De lá para cá, no entanto, Queiroz sempre se mostrou fiel à relação de 37 anos que mantém com o presidente e seus familiares. A fidelidade tem custos para os Bolsonaro. A face mais visível e conhecida dessa conta foi o processo de blindagem ao ex-assessor. Nos primeiros anos de governo, com os préstimos do notório advogado Frederick Wassef, Queiroz foi estrategicamente tirado dos holofotes pela família presidencial. Depois de passar quase dois anos escondido, o amigo pessoal do presidente foi encontrado em junho de 2020, em casa que Wassef usava como escritório em Atibaia, no interior paulista. Queiroz foi preso e interrogado. Em seus depoimentos, nunca incriminou ninguém da família, mas, toda vez que se sentiu abandonado, insinuou que poderia abrir o bico. “Minha metralhadora está cheia de balas. kkkk”, escreveu em julho, para logo depois dizer que estava apenas brincando.

Desde novembro do ano passado, há algo de novo, para não dizer surpreendente, na postura de Queiroz. O policial reformado passou a circular bem à vontade por Brasília – em algumas ocasiões, como quando margeou o Congresso Nacional de carro, ficou a poucos metros de onde Bolsonaro despacha, no Palácio do Planalto. Detalhe não menos importante: ao desfilar com desembaraço pela capital federal, Queiroz fez questão de documentar suas andanças. A foto que ilustra a capa da atual edição de Crusoé – a primeira imagem conhecida de Fabrício Queiroz em Brasília – foi feita em 9 de dezembro, dia em que o policial reformado se reuniu com a presidente nacional do PTB, Graciela Nienov, na sede do partido ao qual gostaria se filiar e, assim, poder se candidatar à Câmara dos Deputados em outubro. Durante a viagem, Queiroz encheu o rolo da câmera de seu celular com imagens de Brasilia. Na área de desembarque do aeroporto Juscelino Kubitscheck, entregou o próprio aparelho de telefone para que outras pessoas registrassem a sua saída, para deixar bem claro onde estava – e guardar a imagem como prova.

O novo comportamento de Queiroz é de altíssima relevância política. Já seria no mínimo curioso vê-lo circulando lépido e fagueiro por Brasília, depois de passar tanto tempo nas sombras com a ajuda conveniente de pessoas do entorno do presidente. Mas é mais do que isso. O ex-assessor de Flávio Bolsonaro sabe bem os danos que pode causar aos projetos políticos do clã presidencial e joga estrategicamente com essa carta, de modo a garantir salvaguarda e apoio para seus planos, como este de agora, de se candidatar a uma vaga no Congresso. Os registros que o próprio Queiroz faz de seu périplo por Brasília podem ser lidos de várias formas – não convém, no entanto, fazer essas leituras de modo inocente, principalmente pelo que ele representa e pelo personagem que é: um dos poucos brasileiros que podem se dar ao luxo de manter uma espada pendurada sobre a cabeça do presidente da República. É evidente que Bolsonaro, se pudesse escolher, preferiria ver o seu antigo faz-tudo bem longe das cercanias dos Palácios do Planalto e da Alvorada. A título de comparação, é como se os pivôs do mensalão Marcos Valério e Delúbio Soares perambulassem com desenvoltura por Brasília no auge do escândalo que engolfava Lula, nos idos de 2005. Mas Queiroz, neste momento em que cultiva planos políticos já conhecidos, faz questão de deixar claro que está bem próximo de Bolsonaro.

Carolina Antunes/PRCarolina Antunes/PRJair e Flávio: Queiroz nega, mas mantém canal de comunicação aberto com o clã presidencial
Hoje, um dos principais desejos do ex-assessor é conseguir o apoio tanto de Flávio quanto do presidente em sua empreitada à Câmara. Quando lançou sua candidatura, divulgou um vídeo em que exibia intimidade com a família presidencial. Numa das cenas, ele e o senador Flávio Bolsonaro fazem sinal de positivo para as câmeras. Em outro momento de descontração do vídeo, Queiroz e Jair Bolsonaro aparecem juntos de sunga na praia. Em declaração recente a Crusoé, ele foi direto ao ponto. Disse que, se contar com o apoio do clã presidencial, vai se sagrar “o deputado mais votado” do Rio de Janeiro.

Hoje, no entanto, as chances de Queiroz ter os Bolsonaro como cabos eleitorais à luz do dia são mínimas. Crusoé apurou que a decisão do ex-policial de se candidatar gerou grande desconforto no Palácio do Planalto. Afinal, a candidatura do ex-assessor terá o condão de reavivar na memória do eleitor, no calor da campanha presidencial, temas que o presidente quer ver esquecidos, como o próprio caso do rachid e os cheques para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. “Queiroz tem muitos serviços prestados, mas a eleição presidencial de 2022 será muito mais difícil que a de 2018. Cada detalhe vai contar muito. E o Queiroz, querendo ou não, traz desgaste para o presidente. O melhor, para a família e para o próprio Queiroz, seria ele não ser candidato”, afirma um antigo aliado de Flávio.

Pessoas próximas à família presidencial afirmam que Queiroz chegou a comunicar Flávio que seria candidato antes de tornar o plano público. Embora Queiroz negue, as conversas entre ambos, segundo relatos obtidos pela reportagem, são frequentes, sempre em tom amistoso, e ocorrem por meio de intermediários. A aliados, Flávio diz que nada pode fazer para impedir o antigo parceiro de se lançar candidato. Para o presidente, é uma complicada saia-justa. Quem conhece os Bolsonaro diz que há gratidão “pelos serviços prestados” e confiança de que Queiroz manterá guardados os segredos mais recônditos do clã. Aliados de Bolsonaro dizem que ex-PM nunca chegou verbalizar ameaças ou fazer chantagens mais pesadas – para além das indiretas e insinuações – e que não seria do feitio do ex-assessor, visto como “casca-grossa” desde os tempos de policial, riscar o fósforo capaz de detonar o governo. Sempre há o receio, no entanto, de que Queiroz, para atingir determinados objetivos, como os que nutre agora, possa mudar de postura.

A ida a Brasília em 9 de dezembro foi a segunda apenas nos últimos meses no ano passado. Em 2 de novembro, Queiroz deu as caras na convenção nacional do PTB que oficializou Graciela Nienov como presidente nacional da sigla, na esteira da prisão de Roberto Jefferson, o todo-poderoso da agremiação. No mesmo dia, Queiroz teve mais dois compromissos. Pela manhã, reuniu-se com o advogado Paulo Emílio Catta Preta, responsável por sua defesa no caso do rachid, e com quem não falava diretamente desde que teve seu celular apreendido pela Justiça – o contato com Catta Preta se dava até então por intermédio de suas filhas, o que gerava ruídos na comunicação. À tarde, dirigiu-se para um bar que transmitia num telão a partida entre Flamengo e Atlhetico Paranaense pelo Campeonato Brasileiro. O lugar estava apinhado de políticos – alguns, ao reconhecê-lo, o cumprimentaram. Queiroz jura que não entrou em contato com ninguém da família Bolsonaro nos dois dias em que esteve em Brasília e que pagou as passagens com recursos próprios. Mas Crusoé apurou que ele fez o circuito Esplanada dos Ministérios-Praça dos Três Poderes. Tanto que, em sua câmera, há pelo menos uma foto, por exemplo, com as torres gêmeas do Congresso Nacional ao fundo.

ReproduçãoReproduçãoMichel Winter com a deputada Carla Zambelli: próximo de Bolsonaro, ele foi o cicerone de Queiroz em Brasília
As andanças por Brasília contaram com o auxílio de cicerones alinhados com o núcleo bolsonarista. Ao desembarcar na cidade no dia 9 de dezembro –  oportunidade em que se reuniu com Graciela Nienov, do PTB –, Queiroz teve a companhia de Michel Neves Winter. Trata-se de um autodenominado marqueteiro que organizava movimentos de direita em Minas Gerais. Winter integrou a equipe de publicitários que trabalhou na eleição de Romeu Zema, do Partido Novo, ao governo mineiro e ajudou a estruturar a campanha de Bolsonaro no estado, em 2018, ocasião em que conheceu Queiroz. Em junho de 2020, quando deixou a UTI depois de passar 30 dias internado lutando contra a Covid, o marqueteiro recebeu um vídeo do próprio Bolsonaro parabenizando-o pela recuperação. “Passou por maus momentos, seu Michel. Eu também já passei (mostrando a cicatriz da facada que levou durante a campanha de 2018), disse o presidente. A presença de Winter na reunião com Graciela Nienov, no entanto, não repercutiu bem no PTB pela maneira como ele se apresentou. “Esse Michel Winter chegou com o Queiroz no partido sem agendar horário, disse que tinha influência e conhecia Deus e o mundo”, reclamou um influente petebista que participou das tratativas.

Foi apenas a primeira rusga entre Queiroz e a cúpula do partido. A relação azedou depois que ele descobriu que o militar aposentado da Marinha Waldir Ferraz, autointitulado amigo “zero zero” de Bolsonaro, também negociava seu ingresso na legenda. Queiroz resolveu se candidatar a deputado ao ver pessoas do círculo próximo do presidente buscando a sorte nas urnas pelo Rio de Janeiro, justamente sua praia. Entre eles, o sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro Max Guilherme Machado, hoje assessor especial da Presidência. O ex-PM, então, articulou o raciocínio óbvio: se os demais, que eram menos conhecidos que ele e tinham “patente mais baixa” no círculo íntimo de Bolsonaro, poderiam ser eleitos, e possivelmente com o apoio do presidente, por que não tentar trilhar o mesmo caminho?  No caso de Max, como foi Queiroz quem o apresentou à família Bolsonaro e os dois ainda são próximos, não haveria bola dividida durante a eleição. “Somos amigos. Tem espaço para o Max e eu nos elegermos”, repete Queiroz. Quanto a Waldir Ferraz, o Jacaré, a história é outra. O amigo de Bolsonaro é desafeto de Queiroz. Além disso, há um entendimento por parte do ex-assessor que, no corpo a corpo em busca dos votos dos cariocas, ambos correriam na mesma raia.

ReproduçãoReproduçãoNesta quinta, Queiroz foi ao MP do Rio buscar pertences que haviam sido apreendidos
Com o entrevero com o PTB, surgiu um problema extra para Queiroz resolver – se possível, com a intervenção da família Bolsonaro: ele precisa achar outro partido disposto a abrigá-lo. O ex-assessor foi aconselhado a procurar o PSC, do não menos notório Pastor Everaldo, e o PRTB, do vice-presidente Hamilton Mourão. Antes mesmo da definição sobre a futura legenda, Queiroz já pensa em como estruturar a campanha. Como era quem cuidava das agendas eleitorais do 01 e marcava eventos com lideranças locais espalhadas pelo estado, agora Queiroz planeja usar sua valiosa agenda de contatos para tentar dar musculatura à própria candidatura. Ele também pretende fazer dobradinha com o deputado estadual Rodrigo Amorim, vice de Flávio na chapa à prefeitura do Rio em 2016. Na ocasião, Flávio e Amorim – que ficou conhecido por quebrar uma placa com o nome da vereadora assassinada Marielle Franco – receberam 424 mil votos e ficaram em quarto lugar na disputa. Caso realmente veja frustrado o plano de ter os Bolsonaro como cabos eleitorais, o homem do rachid vai precisar de ajuda para financiar sua campanha. Em 2018, o custo médio por voto dos 513 parlamentares eleitos à Câmara foi de 10 reais. Quase metade dos eleitos há quatro anos declarou ao TSE um gasto de, no mínimo, 1 milhão de reais. Não é pouco. Mas o ex-PM sabe que, para alguém como Bolsonaro, comanda a máquina federal e é cercado por empresários dispostos a bajular o poder a fim de ter polpudas contrapartidas, amealhar um valor como esse depende muitas vezes de um simples telefonema.

Se do ponto de vista político o futuro de Queiroz ainda é incerto, e, de certa forma, está atrelado à família Bolsonaro, na seara jurídica a situação começou a clarear para ele nos últimos tempos. Atualmente, a ação penal contra Fabrício Queiroz – a mesma que envolve o 01 no caso do rachid – está parada e só poderá ter andamento caso o Ministério Público do Rio apresente nova denúncia contra ambos. Isso porque, em novembro, o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, o mesmo por quem Bolsonaro disse ter se encantado “à primeira vista”, anulou provas que haviam sido utilizadas pelo juiz de primeira instância Flávio Itabaiana. Nesse escopo estavam, por exemplo, quebras de sigilo bancário e fiscal de 95 investigados. Noronha acolheu um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro e, ao tomar a decisão, argumentou que o Coaf promoveu indevida intromissão na intimidade e privacidade do filho do presidente. “O Coaf compartilhou com o MP detalhes das operações que, associados à forma de condução da investigação, acabaram por promover, sim, indevida intromissão na intimidade e privacidade dos correntistas ou depositantes de valores, sem a necessária autorização judicial que garantisse a razoabilidade e proporcionalidade da medida”, justificou o ministro.

ReproduçãoReproduçãoGraciela, presidente do PTB, ao lado de Bolsonaro: reunião com o ex-PM na sede nacional da sigla
Nesta quinta-feira, 27, Queiroz e sua mulher foram ao Ministério Público do Rio reaver objetos que haviam sido apreendidos pela Polícia Federal durante as investigações. Em meio ao material havia celulares e notebooks do ex-assessor de Flávio Bolsonaro, de sua mulher e filhos. Procurado por Crusoé, o Ministério Público do Rio de Janeiro afirmou que “o procedimento que diz respeito ao senador Flávio Bolsonaro tramita sob sigilo decretado pela Justiça, razão pela qual nenhuma informação pode ser prestada”. Informalmente, fontes do MPRJ afirmam que as investigações prosseguem e que o Ministério Público aguarda a coleta de novas informações para decidir se oferece outra denúncia. Seja como pretendente a uma cadeira de deputado, seja como investigado, seja como homem-bomba da República, o jogo de Queiroz nos próximos meses passa, necessariamente, por Brasília.

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