RuyGoiaba

A solidão do centrista chato

04.02.22

Nunca na história da humanidade uma pessoa conseguiu transar com outra dizendo ser “de centro”. Essa verdade autoevidente me veio à cabeça depois das reações à minha coluna da semana passada — vocês sabem, aquela em que escrevi que talvez tivesse sido melhor Eric Clapton ter morrido de overdose de heroína em 1972, para não gravar um monte de álbuns meia-boca e espalhar teorias conspiratórias sobre vacinas. Veio gente me xingar no perfil do Facebook, amigos claptonmaníacos ficaram indignados, o diabo. Precisei explicar que era brincadeirinha, frisar que não queria matar o Clapton só por causa de uma opinião exemplarmente idiota (o mundo, afinal, está repleto delas), sacar meu Stuart Mill da estante e defender a circulação de ideias ruins para que sejam suplantadas pelas boas (ah, o otimismo dos velhos liberais), essas coisas.

Esse texto falando mal de roqueiro velho — ou seja, de mim mesmo — foi um dos meus mais comentados na Crusoé desde que comecei a coluna. Costumo ser uma espécie de TV Gazeta da revista, sempre ali perto do traço de audiência (quase uma TV Bactéria, aquela que está no ar, mas ninguém vê). Em geral, o leitorado prefere se indignar junto com o ex-procurador Carlos Fernando Lima, mas nada é mais 7 a 1 semanal que ser colunista ao lado de Diogo Mainardi (eu sendo, obviamente, o Brasil do Felipão). Qualquer “aviso de férias” do Diogo tem mais gente comentando que os meus textos, e acho que, se ele esbarrar o cotovelo no teclado e publicar como coluna, já terá de saída uns 100 comentários de gente tentando decifrar o que ele quis dizer. Impossível competir com isso.

Enfim, só não digo que sou um colunista indie — sucesso de crítica, fracasso de público — porque também não sou sucesso de crítica. Qual o problema, então? Meu palpite é que, na chamada vida real (e não há como isso não transpirar para a persona do Ruy Goiaba), eu sou o tipo acabado do centrista chato. Sabe aquele meme com um bando de jovens fazendo caretas e esgares de nojo e a legenda “lá vem o cinéfilo”? Comigo é “lá vem o centrista”; isso quando não fazem aspinhas no ar em “centrista” para dizer que, se você se define assim, só pode ser um direiteca envergonhado, que obviamente votou no Imbecil Lombrosiano do Planalto. É triste ser o ponderadão do rolê, meus amigos — esse tedioso homem do VEJA BEM. A esquerda e a direita mais convictas, cada uma do seu lado, sentem a felicidade da torcida de futebol que berra, comemora e se indigna pelos mesmos exatos motivos, enquanto você fica lá com a sua bandeirinha murcha num canto da arquibancada, curtindo a solidão do centrista chato.

Na verdade, o que digo é facilmente mensurável (e até já foi medido) nas redes sociais. A atenção das pessoas é escassa e você precisa retê-la: diga ou exiba alguma coisa curta e engraçada, com potencial de viralização. Ou então seja estridente, MUITO estridente. Uns vão gritar junto, outros gritarão contra, mas o “clique de ódio” também é clique e conta para as estatísticas — o que é apenas a versão 2.0 dos velhíssimos lugares-comuns “não existe publicidade negativa” ou “falem mal, mas falem de mim”. Tentar ser razoável é tedioso, não rende cliques; ceticismo não vende. De novo, falo por mim: minhas colunas mais comentadas quase nunca são as que mais gostei — ou menos desgostei — de escrever. Por exemplo, aquela em que digo que o governo Bolsonaro é o mais burro da história do Brasil, coisa óbvia para quase qualquer brasileiro com mais de dois neurônios, mas que estimulou um pessoal a xingar o presidente junto comigo e outro a xingar o autor. Pronto: comentários, cliques, compartilhamentos. E esquecimento na semana seguinte, já que a indignação na rede vem em ondas, como o mar. Coisa semelhante aconteceu com o texto do “Clapton burrão”.

Não existe salvação para o centrista, muito menos audiência, neste mundo de tribos conflagradas nas redes sociais. A única saída que vislumbro é fundar uma célula terrorista de centristas radicais e sair jogando bomba nesse pessoal extremista, para verem o que é bom. Mas confesso sonhar com o despotismo esclarecido de centro: quem não for moderado, eu prendo e arrebento.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Eu estava quase dedicando, pela terceira vez consecutiva, este espaço às mentes brilhantes do BBB quando Fernanda Torres, essa síntese da intelligentsia artística da zona sul carioca (embora ela alegue ser tijucana), apareceu para me salvar: em sua coluna na Folha, a atriz escreveu que nós torcemos o nariz para o hijab das mulheres muçulmanas, mas “aceitamos a tortura do salto alto”. De fato, eu me sinto péssimo em viver numa sociedade na qual o sapato de salto alto é obrigatório: é triste ver, em especial no Rio de Janeiro, todas aquelas mulheres de burquíni se equilibrando impossivelmente sobre os saltos ao caminhar na areia fofa da praia, as ciclistas pedalando de salto alto etc. Até quando?

Zanone Fraissat/FolhapressZanone Fraissat/FolhapressFernanda Torres, uma voz corajosa contra a tirania do salto alto obrigatório

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  1. Eu só leio a tua coluna ultimamente. Porque as notícias são sempre as mesmas, eventualmente com troca dos atores das façanhas. Eu não me oponho à comparação feita pela Fernanda Torres totalmente. Digo porquê: Na minha empresa, que tem um discurso “igualdade das mulheres “ todo ano nos dão de presente algum item de maquiagem no dia da mulher. Eu não uso maquiagem nem salto alto,exceto em festas de casamento. Não gera apedrejamento físico, mas condena ao ostracismo. Ainda bem que gosto dele.

  2. Ahhh não ! Reclamando de barriga cheia ! Vc é adorado aqui . Quem não abre a revista no seu texto primeiro? Se não comentam , é porque estão dando risada

  3. Adorei a crítica ao Clapton. Fui fã , como era do Djokovich. Nesse momento , campanha antivacina detona biografias.Tomem , distraídos !! Viva Neil Young!!

  4. Caramba, não falou “BANANÃO” nesse texto. Vc não está bem. Kkkk Torço para que seu próximo artigo já se inicie com o tradicional HATE à nossa “queridíssima” pátria-mãe

  5. Sei muito bem como vc se sente, sou petista pro pessoal do trabalho e reaça pra minha mulher e parentes, e levo pedrada dos dois lados quando defendo o voto nulo. Então adorei a ideia de jogar bomba nos extremistas pra eles verem o que é bom. Ironia e sarcasmo para cima dos simplismos deles é muito pouco, não causam nenhum efeito, no máximo alguns segundos de perplexidade, tempo em que ecoam até desaparecer nas suas cabeças vazias de pensamentos próprios.

  6. Jair só não é o mais incapaz dos presidentes porque temos a forte concorrência de Dilma. Mulheres sapiens, ensacar vento, ode à mandioca , etc. Páreo duro

  7. Ruy Goiaba é religiosamente a primeira coluna que leio quando sai a revista. Não desanime. Não mate roqueiros velhos. Antipatize com moderação.

  8. O Antônio Cláudio Mariz não merecia a honra da Goyabice (retroativa)da Semana pela frase na homenagem ao lula organizada pelo grupo Prerrogativas?

  9. Raramente comento mas adoro seus textos, é sempre um dos primeiros que leio. PS: nunca usei salto, no máximo um saltinho num casamento. Muita goiabice da Fernandinha mesmo.

  10. Prezado Ruy, quando era moleque e estudava o segundo grau no Colégio Salesiano, ao fazermos uma pergunta para o professor(que via de regra era um padre) sobre o não entendimento de uma questão da prova, eles sempre respondiam: a interpretação do enunciado da questão faz parte da prova. Todos nós sabemos aqui que os brasileiros mal e parcamente sabem interpretar um texto ( até os mais simples) segundo dados levantados pela UNESCO a respeito da nossa educação. Interpretação. Nosso novo anormal.

    1. ?....e não é ? kkkk falta do hábito de ler e compreender as entrelinhas....

  11. Não se sinta só, Goiaba! Seu texto é o primeiro que leio... penso que deveria estar lá no topo, juntinho de Mainardi e Sabino... quando li seu texto de sexta passada até comentei que seria o ódoborogodó... Em época de tantas suscetibilidades, há q se ter coragem. Parabéns pelos seus textos, seu humor demonstra sua inteligência e que bom que vc existe!

  12. Pela primeira vez no Ruy Goiaba, um texto chato e fora do centro. Não tem nada que se explicar pelas opiniões que você emite, Ruy!

  13. humm .... eu sou tijucana da Mariz e Barros e não me lembro jamais de ter visto a Fernanda Torres por lá. Por isso, acho que vc tem razão, "essa síntese da intelligentsia artística" deve ser realmente da zona sul carioca!

  14. Não costumo comentar aqui, mas assim que uma nova edição da Crusoé fica disponível, a sua coluna é a primeira que eu leio! Fã de carteirinha! A propósito, vamos fazer um protesto pelo fim da obrigação de usar salto? É cada uma! kkkkkj

  15. Sempre fui uma centrista (chata talvez) e hoje sem a mínima esperança de um futuro melhor. Acho que a expressão "pais do futuro" se iguala a dizer que hoje somos insignificantes. infelizmente cada vez mais é o futuro cada vez mais longe. Lula X Bolsonaro!Um ex-presidiário contra um presidenterComo diria Cazuza

    1. O "país do futuro" passa por várias reformas , que talvez não aconteçam, logo, não haverá futuro , talvez nem mesmo um país.

    2. Meu comentário ficou pela metade. Resumindo nem Lula Bolsonaro!

  16. Não havia lido seu artigo heróico, pois corajoso, e extemamente verdadeiro o cara dissecado ( é isto mesmo- morreu e não sabe) é esse mala idiota, mesmo. Se no Brasil eu o xingaria de bolsonarista movido aa heroina. Não se preocupe com audiência. Deixe o bbb ter essa taça. Continue centrista, nunca esquisoide.

    1. Parabéns Rui! Não é atoa que seu artigo é o último, pra finalizar com chave de ouro! Continue conosco. Faz muito bem lê-lo.

  17. Direita, esquerda, centro, isto é piada para louco bater palma. O que tem é a exploração da ignorância através das fake news. O cara é da esquerda, defende o socialismo. O cara da direita, tbém defende o socialismo. Ambos querem o poder total, e p/ conseguir isso, tem q derrotar o mercado. O do Centro, tende a pender p/ o lado q oferece mais vantagens. Político, juízes, atores, escritores, intelectuais são tudo putas bem pagas pelos otários q somos nós.

  18. Saiba caro Goiabão, que o primeiro texto que leio é sempre o seu, suas goiabices. Passo a comentar então para que você deixe de ser TV Gazeta e passe a ser Rede TV...

  19. Caro Rui, sua coluna é a melhor parte desta revista. Adoro seu humor e é sempre um prazer a leitura dos seus textos. Além de você, inegavelmente honrosa alguns textos do Mario Sabino é do Carlos F. Lima. Outros, leio apenas para alimentar meu senso crítico e meu direito de discordar veementemente.

  20. Já que existe o PCB, existe o PC o B, por que não fundar o P do CB - Partido do Centrista Brasileiro? Só pra confundir o eleitorado extremista e ser detonado pela Fernanda Torres e o resto da classe artística, todo mundo de salto alto, coitados?

    1. Me inscreve no P do CB!!! Estamos juntos e misturados. Quero estar na “média”, não na mídia. Quero desesperadamente ser de centro. Chega de extremismos. Eles, os extremistas, só nos deixaram legado de 3 presidentes, cômicos se não fossem trágicos. Toscos, semianalfabetos, boçais, etc… Mas no fundo, acho que o brasileiro merece ser envergonhado por esses presidentes que pululam na nossa republica bananeira.

  21. Ruy a gente te ama cara !! No meu caso eu comento pouco tua coluna porque não consigo parar de rir e digitar ao mesmo tempo... tô fazendo um esforço aqui hoje pra melhorar tua autoestima queridão... #tamojunto é nóis... vamos montar ou novo partido: MBC "Morrível & Brochável & Comível' só pra combater essa cambada de babacas.... kkkk

  22. Não tenho nada pra comentar, sobre esse texto morno e indiferente. Só vou postar aqui pra dar.uma força pra meu colega centrista. Centristas uni-vos!

  23. só o Lula comendo a Roze no Aero51 rumo a Lisboa carregado de malas cheias de euros ... como ele nunca foi de esquerda é de centro mas o michê era de responsa.

  24. Se quiser ajuda para o atentado, conte comigo... mas a turma do centro não tem essa vocação, se tivesse, escorregaria para um dos extremos...

  25. Continue, há mais gente que gosta do que desgosta de você. Nós, centristas, somos maioria, mas não somos barulhentos.

  26. Um centrista aterrorizando os extremistas? Gostei da ideia. Veja bem, Goiaba, essa sua depressão me deprime. A sua coluna é a primeira que leio todas as sextas-feiras, é o meu "despertador do Goiaba" dos finais de semana. Se não comento a sua coluna é culpa da idade: vou tomar café e esqueço. Mas, repito, parabéns.

  27. Pra quê este choromingado todo seu Goiaba( tal como a melancia, verde por fora e vermelho por dentro, não esqueçam). Deixe de ser Centrista e vá logo ser Centrão para resolver seus problemas de identidade.

  28. Caro Ruy, sua coluna é uma das que tenho maior prazer em ler. A sua e a do Alexandre. O pessimismo sarcástico, a ironia ao estilo “tabloide inglês com pitadas de poéticas”, o mau humor inteligente sem ser forçado. Verdadeiras pérolas entre os colunistas atuais tão óbvios, panfletários e pouco eruditos. Há algo de Millor, de Drummond, de Nelson Rodrigues aqui.

  29. Sua coluna é a primeira que leio. Qdo a crise bateu forte diminui os gastos, mas mantive a Crusoe para não perder o prazer de ver o que consegue fazer com as palavras. Já me fez rir em dias tristes, adoro as goiabices, as fotos e o que leio abaixo delas. Ser centrista é meio solitário, mas as outras opções são péssimas.

  30. Ótimo! Eu quase nunca comento, então vou comentar nesse texto seu ponderado só para tentar ajudar a moderação, o ceticismo e a inteligência a vencerem as seitas.

  31. O centrista raiz apenas observa e tenta compreender. Os comentários ficam por conta daqueles que comentam sem entender, cuja leitura, via de regra, restringe-se ao título ou, quando muito, ao primeiro parágrafo, especialmente se se tratar de algum tema polêmico ou que possa geral polêmica. Afinal, são os defensores da moral e dos bons costumes… Com o devido respeito, acho que o número de comentários mede é o nível intelectual dos leitores (e certamente vou me arrepender desse comentário depois

  32. Aumentando seus cliques. Tem aquela conversa de que Deus usa os "loucos" pra mostrar a burrice humana, por isso é a primeira coluna que leio. Sextou e temos que iniciar bem o dia.

  33. Rogério, o verdadeiro centrista bateria na Fernanda Torres com a mesma força que bateu em Eric Clapton. Sem dó nem piedade. Tente melhorar, por favor.

  34. Quando Ruy Goiaba não está de férias, minhas manhãs nas sextas-feiras começam alegres e bem humoradas pela leitura da sessão de humor da Crusoé.

  35. A gente não pode falar o q pensa, tem q restringir o vocabulário por conta do politicamente correto e não pode mais fazer certas coisas pois pode render até processo. Olha só o q aconteceu com a J K Rowling. Por isso no futuro vamos todos estar imersos pra sempre nessa realidade virtual chamada metaverso, que irá nos editar automaticamente pra sermos nossa melhor versão de nós mesmos.

  36. Ruy Goiaba, estamos juntos! O problema da Fernanda, é que mesmo com salto, ela não cresce, se é que me entende! Gostosura é para poucas! Viva o bananão!

  37. Goiaba, vou ser brega: você me salva do Brasil toda sexta-feira.Eu reli TODAS as suas colunas durante suas férias. Se não fosse elas, eu teria enlouquecido neste país. Sou roqueira e votei no Lombrosiano, assim como já votei na Lulidade. Sempre fui mais ao centro (de esquerda ou de direita); porem, a personalidade indignada às vezes toma conta de mim. Não tenho Facebook, Twitter, e desisti do Instagram.Eu já sabia,e me decepcionei com Clapton.Td isso p dizer + breguice: Eu te amo, Goiaba!

    1. Eu ia dizer umas poucas e boas para Fernandinha Torres, essa leblonista envergonhada que se diz tijucana; só falta dizer que é de Madureira ou de Irajá, mas...a personalidade estridente voltou para o centro.

    1. Eu também. Não se deprima, Goiaba 😉 Podemos ser poucos, mas somos fiéis.

  38. Embora você possa não acreditar, pois negacionista nega até. Própria competência, estou aqui de novo. E a atriz carioca hein?

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