O campo minado de Moro
Ao lançar sua candidatura ao Palácio do Planalto em novembro do ano passado, Sergio Moro sabia que estava diante de um campo minado. Logo na largada, por ser quem mais atuou nos últimos tempos para subverter uma engrenagem que sempre girou no sentido de favorecer os mesmos de sempre, Moro virou alvo do establishment. Para driblar as adversidades, a campanha do ex-juiz precisava de jogo de cintura para costurar alianças com políticos nem sempre confiáveis, capacidade de extrapolar a pauta conhecida do combate à corrupção e, sobretudo, conseguir criar “expectativa de poder”. Ou seja, demonstrar que a candidatura era competitiva o suficiente para vencer a eleição e, como consequência, funcionar como polo de atração de aliados no campo da terceira via.
Viabilizar-se eleitoralmente num ambiente acostumado a repudiá-lo ainda é o maior desafio para o ex-juiz. Apesar da empolgação inicial, de lá para cá os avanços foram tímidos. Nas recentes pesquisas de intenções de voto, importante termômetro para medir a musculatura eleitoral dos candidatos, Moro não só contrariou as previsões iniciais de que a essa altura já estaria com dois dígitos – na média, ele figura atualmente com 8% – como viu adversários encostarem em sua cola, caso de Ciro Gomes, do PDT, com quem hoje está empatado tecnicamente. Na avaliação dos entusiastas do nome de Moro à presidência, os problemas decorrem do amadorismo reinante na campanha desde o nascedouro, da inexperiência, para não dizer debilidade, de seu entorno político, e da flagrante incapacidade da candidatura de furar sua própria bolha. Prova disso é que a melhor notícia para o pré-candidato do Podemos dos últimos dias foi a adesão do Movimento Brasil Livre, o MBL, à campanha. De fato, a parceria é um trunfo para melhorar a mobilização em torno de Sergio Moro, até agora avaliada como aquém do esperado. No entanto, por mais que o “exército” do MBL fortaleça o engajamento, trata-se de um movimento associado às manifestações de combate à corrupção, restrito à mesma bolha que sempre orbitou em torno de Moro.
No fim do ano passado, houve um esforço para mudar o eixo do debate, com o anúncio do ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore como coordenador econômico. Mas as discussões sobre o tema duraram menos de uma semana. A campanha se ressentiu de profissionais capazes de segurar o assunto por mais tempo no noticiário. Durante a semana, empresários cobraram da presidente do Podemos, Renata Abreu, mais clareza sobre os planos para a economia. “Temos que deslocar o debate de novo para o campo da economia, dos problemas sociais, do desenvolvimento. Sabemos que não dá para escapar desse embate pró e contra a Lava Jato e isso pode ganhar corpo entre políticos”, disse o senador Alvaro Dias, do Podemos do Paraná, que cada vez mais parece pregar sozinho no deserto.
Outra questão nevrálgica, desta vez relacionada ao financiamento da campanha, provocou um mal-estar entre Renata e integrantes do núcleo de Moro. Recentemente, ela comunicou que, dos 250 milhões de reais do fundo eleitoral, só disponibilizará 17 milhões para a campanha presidencial, a pretexto de já ter assumido compromissos com as bancadas. Diante disso, houve quem defendesse nos últimos dias que o pré-candidato do Podemos iniciasse conversas com o Patriotas, caso o presidente da legenda, Ovasco Resende, se dispusesse a aplicar ao menos 50 milhões de reais na campanha.
Aliados do ex-ministro da Justiça também reclamam da letargia do Podemos em estruturar a campanha nos estados. Essa foi uma das razões pelas quais o candidato estimulou as costuras para a migração para a União Brasil. Apenas na semana passada, e a duras penas, o seu partido conseguiu montar um tour por cidades-chave do país. Nos últimos dias, o pré-candidato esteve em São José do Rio Preto, Catanduva e Bebedouro, municípios onde Jair Bolsonaro teve cerca de 80% de votos em 2018. Foi uma oportunidade para Moro tentar se distinguir dos adversários Lula e Bolsonaro, que têm apostado no vale-tudo das alianças com velhos conhecidos da política nacional, para ganhar a eleição. “Nenhuma aliança será construída em um gabinete a portas fechadas em Brasília”, disse o pré-candidato em evento no interior paulista, na quarta-feira, 2. A partir deste domingo, o itinerário de Sergio Moro prevê um périplo por cidades do Nordeste, redutos de Ciro Gomes e de Lula. Para pessoas próximas ao ex-juiz, no entanto, esse giro já poderia ter sido organizado.
A maneira como foi feita a divulgação de seu salário de consultor nos Estados Unidos – durante uma live ao lado do deputado Kim Kataguiri – também dividiu o staff mais próximo do pré-candidato. Para a maioria, a polêmica teria sido evitada se um marqueteiro mais tarimbado já estivesse à frente da campanha. Moro vinha sendo assessorado por Fernando Vieira, que trabalha para o Podemos e já atendeu diversos partidos e campanhas regionais, mas nunca havia feito uma campanha presidencial. A falta dessa experiência no currículo de Vieira foi a principal justificativa dos aliados de Moro para a contratação do publicitário argentino Pablo Nobel para comandar a equipe de marketing. Nascido em Buenos Aires, Nobel começou a trabalhar com o ex-juiz da Lava Jato na segunda-feira, 31, indicado por Paulo Vasconcelos. Responsável por coordenar a campanha de Aécio Neves, do PSDB, em 2014, Vasconcelos desistiu de comandar o marketing da campanha, mas, nos bastidores, comenta-se que manterá influência.
O principal desafio de Nobel, que atuou na campanha de Daniel Scioli a presidente da Argentina em 2015, será o de tentar suavizar a imagem formal do ex-juiz e ampliar seu repertório político e suas bandeiras partidárias, adotando um discurso mais enfático sobre temas para além do combate à corrupção. No Brasil, o marqueteiro trabalhou com João Santana e Duda Mendonça, ironicamente artífices das campanhas vitoriosas do PT e ambos envolvidos em escândalos rumorosos do partido — Santana chegou a ser preso no âmbito da Lava Jato. “Ele (Moro) é muito disciplinado, é juiz, estudou para passar em concurso, então não tem preguiça. É trabalhador, vai nas agendas, e, à medida que se comunicar e se popularizar, o resultado vai começar a aparecer”, aposta o deputado Júnior Bozzella, um dos vice-presidentes do PSL e entusiasta da candidatura do ex-juiz da Lava Jato ao Planalto.
Uma ideia em execução para conferir mais punch à campanha é dar um papel relevante ao advogado Luís Felipe Cunha, hoje coordenador jurídico. A ideia é que ele assuma uma função semelhante à que Gustavo Bebianno, ex-ministro da Secretaria de Governo falecido em março de 2020, exerceu na eleição de Jair Bolsonaro. Um dos principais interlocutores de Moro hoje, Cunha atuaria como uma espécie de anteparo ao ex-juiz, falando por ele quando necessário.
Para aliados do pré-candidato do Podemos ao Planalto, ainda há tempo para um “freio de arrumação” capaz de corrigir os rumos. Apesar de não haver consenso sobre todos os caminhos a trilhar, o que é natural num robusto projeto presidencial, todos concordam que na ofensiva para fazer a candidatura decolar não há mais margem para erro.
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