O ‘jeitinho’ das federações
Parlamentares são pródigos em mudar as regras eleitorais ao sabor de suas conveniências. A cada dois anos, o Congresso costuma alterar a legislação para ampliar as chances de reeleição dos políticos e, se possível, ainda inflar os recursos públicos à disposição das legendas. Já as inovações capazes de moralizar o sistema eleitoral brasileiro, como leis que dificultam a sobrevivência de partidos de aluguel, encontram obstáculos. Quando a pressão da sociedade surte efeito e gera mudanças efetivas, as novidades duram pouco – rapidamente os políticos se articulam para retomar as regras que os beneficiavam. Foi o que aconteceu às portas das eleições deste ano.
Em 2017, o Congresso aprovou uma emenda constitucional que acabou com as coligações nas eleições proporcionais e criou cláusulas de desempenho para o acesso a recursos públicos. O objetivo era dificultar a vida de legendas pequenas, com baixa representação, que usam tempo de TV e dinheiro do fundo partidário como moedas de troca. O modelo foi adotado nas eleições de 2020 e ajudou a reduzir o número de partidos nas Câmaras de Vereadores. O pleito deste ano seria a primeira disputa nacional com a vigência dessas regras, mas o sistema, como sempre ocorre, passou a se articular para tentar se proteger.
No fim do ano passado, o Congresso aprovou a criação das federações partidárias, associações de legendas que precisam ter afinidade ideológica, pautas em comum no Legislativo e, principalmente, seguir juntas por no mínimo quatro anos, o que inclui as eleições municipais de 2024. O modelo poupa siglas pequenas da extinção e garante benesses como o aumento de tempo de TV dos candidatos a cargos majoritários. É, portanto, um jogo de ganha-ganha para o mundo político.
As negociações para a união de partidos estão aceleradas tanto em legendas de direita como de esquerda. O PCdoB, um histórico satélite do PT, negocia uma federação com os petistas, que envolveria também o PSB e o PV. A Rede, que tem apenas uma deputada federal e corre grave risco de cair na cláusula de barreira, negocia a união com o PSOL, outra sigla sob ameaça de ficar sem acesso ao fundo partidário e às propagandas de TV. O Cidadania comporá uma federação com outro partido para se salvar, mas os dirigentes estão em litígio e ainda não decidiram se a união será com o PSDB, o Podemos ou o PDT.
“A vantagem é que a federação diminui o clientelismo regional. Ela tem potencial de criar barreiras para esse tipo de comportamento, porque as decisões têm que ser nacionalizadas. Se o PT federar com o PCdoB e com o PSB, por exemplo, isso tem que valer no Brasil inteiro. O grande incentivo da federação é impedir as idiossincrasias regionais e o paroquialismo estadual que sempre houve com as coligações”, afirma o cientista político Bruno Bolognesi, do Laboratório de Partidos e Sistemas Partidários da Universidade Federal do Paraná.
A legenda que descumprir o estabelecido vai pagar caro. O partido que deixar a federação antes do prazo mínimo fica sem dinheiro do fundo partidário até a data em que a associação completaria quatro anos – há exceção para o caso de a federação ser extinta por fusão ou incorporação de siglas.
As negociações para a federação de esquerda, articuladas entre PT, PSB, PCdoB e PV, avançaram nas últimas semanas, com a discussão dos primeiros rascunhos do estatuto. Dirigentes, porém, evitam tratar o acordo como fato consumado. Pesam como entraves a disputa entre PT e PSB pelo direito de indicar os candidatos a governador em estados-chave do Sul e do Sudeste, além da dificuldade em selar acertos para as eleições. O pomo da discórdia é São Paulo, maior colégio eleitoral do país. Enquanto Márcio França, do PSB, insiste em concorrer ao Palácio dos Bandeirantes, o PT não abre mão de Fernando Haddad. “Haddad foi candidato a presidente em 2018 e quase ganhou a eleição. Não podemos esquecer dos mais de 47 milhões de votos no segundo turno. É muito razoável pleitearmos essa vaga”, argumenta o líder da bancada petista na Câmara, Bohn Gass.
Para 2024, as negociações estão ainda mais emboladas. Em princípio, a proposta é para que partidos que tenham conseguido, em 2020, eleger prefeitos em capitais e cidades com mais de 200 mil habitantes ganhem prioridade na indicação dos candidatos ao mesmo cargo nas eleições de 2024. Com a regra, o PT sairia atrás, porque não emplacou prefeitos em nenhuma das capitais do Brasil pela primeira vez desde a redemocratização. O PSB, por sua vez, elegeu dois nomes – João Henrique Caldas venceu em Maceió e João Campos, no Recife. Para os demais municípios, ainda não há critério fixado. O próximo encontro dos partidos está agendado para 10 de fevereiro. A ideia é que, nessa reunião, os dirigentes se debrucem sobre as questões políticas do acordo.
Na direita e no centro, as tentativas de acertos são igualmente penosas. Em 2022, a exigência da cláusula de barreira será de 2% dos votos válidos ou onze deputados federais em pelo menos um terço dos estados. O Cidadania tem hoje uma bancada de sete parlamentares e corre o risco de ficar sem acesso aos recursos. Por isso, na terça-feira, 1º, a Executiva da sigla aprovou por maioria de votos a proposta de formar uma federação. Não houve acordo, entretanto, quanto ao parceiro preferencial. O presidente da sigla, Roberto Freire, defende uma união com o PSDB do governador e pré-candidato ao Planalto João Doria. O senador Alessandro Vieira, de Sergipe, atualmente o nome de maior destaque no Cidadania, prefere uma associação ao Podemos, do pré-candidato à Presidência Sergio Moro.
O PSDB aprovou a ideia de formar uma federação com o Cidadania e aguarda agora o posicionamento da sigla. O presidente tucano, Bruno Araújo, também tenta avançar um acordo com Baleia Rossi, que comanda o MDB. Uma associação entre as duas siglas, entretanto, é de difícil operacionalização em razão da realidade nos estados.
Como a federação obrigaria o PSDB e o MDB a estarem juntos em todos os palanques estaduais e nas eleições de 2024, a ideia é rechaçada por boa parte dos diretórios regionais, principalmente no Nordeste. O senador Renan Calheiros e seu filho homônimo que governa Alagoas divulgaram nesta semana fotos ao lado de Lula. No Piauí e no Rio Grande do Norte, o MDB também está fechado com os petistas. As especulações no MDB sobre uma federação com o PSDB estão relacionadas a um último esforço de João Doria de salvar a própria candidatura ao Planalto. Se o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, se filiar ao PSD de Gilberto Kassab, como sugerem os últimos movimentos, o PSDB corre o risco de perder mais de uma dezena de deputados, o que aceleraria o naufrágio de Doria e tornaria a necessidade de formar uma federação ainda mais premente.
“A gente nunca sabe quais vão ser as regras de funcionamento da democracia e isso é péssimo. O Congresso faz mudanças constantes na legislação eleitoral para atender partidos fisiológicos”, critica o especialista em direito eleitoral André Ramos Tavares, professor da Universidade de São Paulo. O casuísmo segue reinando firme e forte em Brasília.
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