Carlos Fernandodos santos lima

Eleição plebiscitária uma ova!

18.02.22

Vimos esta semana um grupo de simpatizantes da esquerda lançar a declaração “Manifesto pelo Brasil”, em defesa da união das forças que se dizem progressistas para a eleição de Lula já no primeiro turno. O argumento deles é de um suposto caráter plebiscitário da próxima eleição, entre a esquerda, encabeçada por Lula e o PT, e a direita, representada pelo presidente Bolsonaro e seus simpatizantes. A única resposta possível para esse absurdo é: plebiscito no primeiro turno uma ova, só estão com medo de um adversário capaz de vencer Lula no segundo turno.

A real motivação do manifesto é o medo de esse candidato da terceira via derrotar Lula. Pense bem! Num sistema que é por natureza plebiscitário no segundo turno, a tentativa de encerrar a eleição já no primeiro turno não tem nenhum sentido, mesmo que venha disfarçado em fantasias a respeito de uma rejeição das políticas – ou da ausência de políticas – de Bolsonaro, da baixeza moral e intelectual do atual presidente e de suas escolhas genocidas durante a pandemia. Se esses motivos para rejeitar Bolsonaro são verdadeiros, nem por isso precisamos nos rebaixar ao abjeto ato de apoiar alguém envolvido em tantas acusações de corrupção em seu lugar. Se o destino do Brasil é fazer um plebiscito entre a baixeza, ignorância e despreparo de um e a corrupção, egocentrismo e imoralidade de outro, pobre do Brasil!

O que a esquerda mais teme é ficar mais quatro anos sem capacidade de financiar suas tropas por meio de cargos no governo federal. Como a esquerda está alijada do controle das máquinas de governo mais importantes, como o federal, ou de estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas e Rio Grande do Sul, o definhamento de seus quadros é preocupante, pois a maior parte de seus acólitos sindicalistas, coitados, vai ter que procurar algum trabalho para se sustentar. Só isso explica o receio de enfrentamento de um adversário como Sergio Moro no segundo turno, pois sabem que Moro, mas também João Doria, Eduardo Leite ou Simone Tebet, representa uma alternativa de centro a Bolsonaro, e que não permitirá que grupos parasitários voltem ao poder.

Esses grupos de apoiadores de Lula, claramente articulados com o Partido dos Trabalhadores, criam uma falsa discussão maniqueísta entre o bem e o mal como sustentação de sua tese. Aliás, não é de outra forma que se coloca o próprio autocandidato à divindade, quando diz que “polarização entre Deus e o Diabo nunca teve terceira via”. Ao se manifestar dessa forma tão elogiosa a si mesmo, Lula só demonstra sua vaidade e egocentrismo. O que Lula gostaria é de entrar para a história como um Gandhi ou Mandela, mas sem precisar realizar os sacrifícios pessoais que ambos fizeram.

Outro ponto interessante por trás desse manifesto foi sua precocidade. A ansiedade parece estar comprometendo o juízo do momento adequado para esse tipo de manifestação. A influência dessa declaração há mais de seis meses do primeiro turno é quase nula, ainda mais quando os nomes dos subscritores não representam nada além de proselitistas da própria esquerda. Na verdade, o maior atingido com essa opinião de esquerdistas é a candidatura de Ciro Gomes, que, como já dissemos anteriormente, será atropelada novamente por Lula e seu partido.

Ciro Gomes, aliás, deve ter ficado apoplético quando soube desse manifesto. Sua missão de ser uma alternativa da esquerda à corrupção representada pelos governos Lula/Dilma sempre foi muito difícil, pois, quando Ciro teve chance real, ainda assim Lula teve o poder de, mesmo preso, comandar o enterro de sua candidatura em favor de Fernando Haddad. O pensamento de Lula é simples: assim como Marina Silva na campanha de Dilma ou Ciro na campanha de Haddad, nenhum candidato da esquerda que lhe seja sombra ou represente outro partido que não o de sua criação terá lugar ao sol.

Por isso mesmo, não acredito em conversas de internet que fofocam sobre a volta do câncer de Lula. Luiz Inácio Lula da Silva, e muito menos o Partido dos Trabalhadores, não permitiria que um político como Geraldo Alckmin fosse seu vice se estivesse realmente adoentado. Imagine se ambos entregariam o poder a um político que representa um rival histórico, ainda que agora constrangido pela falta de relevância de sua carreira política. Não há grandeza nenhuma em Lula ou no PT em torno de pautas, ideias ou programas, mas apenas cálculos de oportunidade política e de poder. Lula está saudável o suficiente, se acha imortal e vai sempre agir dessa maneira.

Esse manifesto, por todos os motivos, terá menos valor que o papel em que foi impresso, salvo em relação a Ciro Gomes. Forçá-lo a aderir a Lula no primeiro turno será a vingança de Lula à viagem de Ciro para o exterior no segundo turno da eleição presidencial passada. Trata-se de uma estratégia arriscada, pois fazer Ciro dobrar os joelhos não coaduna com o temperamento boquirroto dele. Transformar os irmãos Gomes de “Lula está preso, babaca” em “Lula é meu presidente” é uma tarefa difícil, cuja única lógica talvez seja a de que Ciro não tem outra alternativa que não a submissão, uma vez que não construiu pontes para o centro, ficando, portanto, encurralado entre as outras candidaturas da terceira via e Lula.

Por tudo isso, o manifesto esquerdista representa muito mais pelo que não está escrito do que pelo discurso lançado. Medo do segundo turno é a sua verdadeira mensagem. Na verdade, medo de um candidato da terceira via. Medo de sua vantagem diminuir à medida que a corrupção promovida pelo governo Lula vier a ser novamente um dos assuntos dominantes na campanha e que uma nova onda antipetista tome conta do país. A aposta de Lula em Jair Bolsonaro como adversário ideal é a certeza de que o abominável odor dele possa encobrir a fedentina da corrupção dos governos do PT e, em especial, a inhaca que exala do próprio Lula.

Cabe agora aos candidatos da terceira via terem a clareza de que são uma opção real e viável para estas eleições. Deixar se impressionar pelo manifesto dos lulistas e forçar a redução do número de candidatos da terceira via é exatamente o objetivo da campanha do Partido dos Trabalhadores — afinal, mesmo que Lula não vença no primeiro turno, a ida de Bolsonaro ao segundo turno será um grande passo para a vitória petista. Nenhuma campanha está decidida neste momento. A única aposta bastante factível é a de que Jair Bolsonaro não vai ganhar a próxima eleição presidencial.

E é a percepção da derrota inevitável de Bolsonaro pelos formadores de opinião que vai realmente decidir quem enfrentará Lula no segundo turno, pois a terceira via vai crescer justamente no reconhecimento de que não se trata de uma eleição plebiscitária entre Deus e o Diabo, mas uma eleição para a escolha de um presidente que represente a superação dessa falsa dicotomia, dessa polarização imbecilizante que nos trata como incapazes de compreender a real motivação desse discurso maniqueísta. O futuro do Brasil não depende de uma escolha entre autoritarismo e desgoverno, de um lado, e corrupção e facciosismo, de outro. Há que existir outras opções que tragam realmente a paz necessária para que os brasileiros possam trabalhar e esquecer esse período triste dos últimos quinze anos.

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