DiogoMainardina ilha do desespero

Jabor morreu na hora certa

18.02.22

Já perdi um monte de amizades por causa do trabalho. Não custa nada perder mais uma. Fernanda Torres comentou a morte de Arnaldo Jabor da seguinte maneira:

Jabor tentava me falar de como era promissor o Brasil que existiu antes do golpe militar. O Brasil do cinema novo, de Lina Bo Bardi, da bossa nova, de Tom, João, Nelson Pereira e de Glauber (…). Quando Lula se tornou presidente e a centro-esquerda se dividiu, com PT e PSDB rachados, numa disputa figadal, Jabor escolheu um dos lados. Nesse antagonismo, que terminaria mal, com Bolsonaro no poder, Jabor virou elite branca. Numa sessão do Festival do Rio, ele foi vaiado por uma parte aguerrida da plateia. Incrível vê-lo partir agora, logo agora, quando Lula e Alckmin, por fim, resolveram conversar”.

Não dá, Fernanda. Me desculpe. A elite cor-de-azeitona, que eu represento, vaia essa tolice. Bolsonaro, de fato, é o ser mais abominável que já passou pelo Palácio do Planalto – e é também o mais limitado cognitivamente, como disse Luís Roberto Barroso. Repito todos os dias que ele deveria ser condenado e preso pelos crimes que cometeu durante a epidemia. Defendi igualmente seu impeachment, que só não ocorreu porque Lula e seus comparsas decidiram que ele era o melhor adversário a ser batido nas urnas. Mas associar o escambo entre Lula e Geraldo Alckmin a uma espécie de resgate daquele Brasil “promissor” da bossa nova extrapola minha capacidade de permanecer calado. Não, Fernanda, não dá.

Não vou citar a folha corrida de Lula nem a palermice de Alckmin, porque a questão aqui não é eleitoral. Vote em quem quiser. Dane-se. Mas é claro que a chapa Lulalckmin encarna o fracasso do Brasil em se regenerar. Um fracasso – antes de tudo – intelectual. É a promessa de uma sociedade caduca, com ideias caducas e governantes caducos. O Brasil promissor de que falava Arnaldo Jabor de fato existiu, por um breve momento, mas Lulalckmin é o oposto disso. A chapa gagá, que baba na camisa, é um flashback esclerosado, expressão de um país mofado, com sua idiotice reincidente. Lulalckmin representa um Brasil moribundo, visto e revisto. É a reprise de um filme que não deu certo. Jabor certamente não veria a conversa entre Lula e Alckmin como o prenúncio de uma Nova Era, porque PT e PSDB, rachados ou unidos, não apontam para o futuro e sim para um passado que já deveria ter sido incinerado e sepultado há muito tempo.

O que se espera é que, nas próximas décadas ou, mais provavelmente, nos próximos séculos, surja algo novo – talvez em contraste violento com Lulalckmin. Por enquanto, o que dá para dizer é que Jabor morreu na hora certa.

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