O ‘milagre’ dos recursos federais
Ruas esburacadas, déficit habitacional e críticas ao serviço de saúde são algumas das reclamações de moradores da cidade de Registro, que tem 56 mil habitantes e é considerada a “capital” do Vale do Ribeira, região de São Paulo que abriga 15 municípios e é berço da família Bolsonaro. Entre essas cidadezinhas está Iguape, de 31 mil habitantes, cujas obras do posto de saúde construído próximo ao litoral foram paralisadas há mais de dois meses, após a União interromper os repasses. As realidades das duas cidades contrastam com a de outro município do Vale do Ribeira. Com 20 mil habitantes, Miracatu celebrou doze convênios com a União apenas no ano passado e, recentemente, recebeu as visitas ilustres dos ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, do Turismo, Gilson Machado, da Agricultura, Tereza Cristina, e do próprio presidente da República. A olho nu, o favorecimento ao município parecia tratar-se da velha e surrada estratégia política, adotada desde sempre pela maioria dos inquilinos do Planalto, de privilegiar prefeitos de partidos aliados, em detrimento dos demais – Registro e Iguape são comandadas pelo PSDB, legenda de oposição ao governo federal, enquanto Miracatu é administrada pelo PL, sigla que abrigou recentemente Jair Bolsonaro.
Mas, neste caso, o abismo observado no tratamento dado pelo governo federal às cidades da mesma região transcende as escolhas baseadas no critério político. São os laços consanguíneos que demonstram pesar decisivamente a favor de Miracatu: o prefeito Vinicius Brandão tem como chefe de gabinete nada menos do que o irmão do presidente da República, Renato Bolsonaro. Desde que um integrante do clã Bolsonaro passou a ocupar o cargo estratégico, em janeiro de 2021, a cidade viu explodir em incríveis 581% os investimentos da União. Foram 5,8 milhões de reais recebidos em 2020 contra 40,1 milhões no ano passado. Já para os municípios de Registro e Iguape, o governo repassou em 2021 um total de 1,9 milhão de reais – 1,6 milhão e 300 mil respectivamente. As duas cidades juntas têm quatro vezes a população de Miracatu. “É incompreensível que a liberação de verbas seja feita por critério de parentesco. Municípios que estão em ordem e participam dos chamamentos públicos não conseguem nem chegar perto desses valores que Miracatu recebeu. Pelo contrário: nosso posto de saúde construído com repasses federais está atrasado e a obra quase parou. Há uma disparidade muito grande”, reclama o prefeito de Iguape, Wilson Almeida, do PSDB.
Renato Bolsonaro cultiva pretensões eleitorais na cidade privilegiada pelo governo do irmão. Ele tentou se eleger prefeito em 2012 e 2016 e vereador em 2008, quando Bolsonaro não havia chegado ao poder. Agora, planeja se valer do acesso de Miracatu aos recursos federais para se cacifar politicamente entre os eleitores locais e, futuramente, realizar o sonho de administrar a cidade – pela lei eleitoral, o irmão do presidente, como qualquer parente em até segundo grau do chefe do Executivo, só pode se candidatar depois que ele deixar o Planalto. Por onde anda no Vale do Ribeira, Renato Bolsonaro faz questão de se apresentar como o responsável pela liberação dos recursos federais enviados à região. Na oposição, há quem diga que ele já comanda extraoficialmente o município. “Na prática, o prefeito da cidade é o Renato. Pela proximidade com Bolsonaro, é ele que articula a captação dos recursos e capitaliza politicamente com isso”, diz o vereador Zezequinho, que é um dos opositores à atual gestão de Miracatu.
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