Reprodução/FacebookOs recursos repassados à cidade que emprega Renato Bolsonaro saltaram de 5,8 milhões de reais em 2020 para 40,1 milhões no ano passado

O ‘milagre’ dos recursos federais

Depois que Renato Bolsonaro, irmão do presidente da República, foi nomeado chefe de gabinete do prefeito de Miracatu, no interior paulista, o município conseguiu aumentar em 581% as verbas que recebe do governo federal
18.02.22

Ruas esburacadas, déficit habitacional e críticas ao serviço de saúde são algumas das reclamações de moradores da cidade de Registro, que tem 56 mil habitantes e é considerada a “capital” do Vale do Ribeira, região de São Paulo que abriga 15 municípios e é berço da família Bolsonaro. Entre essas cidadezinhas  está Iguape, de 31 mil habitantes, cujas obras do posto de saúde construído próximo ao litoral foram paralisadas há mais de dois meses, após a União interromper os repasses. As realidades das duas cidades contrastam com a de outro município do Vale do Ribeira. Com 20 mil habitantes, Miracatu celebrou doze convênios com a União apenas no ano passado e, recentemente, recebeu as visitas ilustres dos ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, do Turismo, Gilson Machado, da Agricultura, Tereza Cristina, e do próprio presidente da República. A olho nu, o favorecimento ao município parecia tratar-se da velha e surrada estratégia política, adotada desde sempre pela maioria dos inquilinos do Planalto, de privilegiar prefeitos de partidos aliados, em detrimento dos demais – Registro e Iguape são comandadas pelo PSDB, legenda de oposição ao governo federal, enquanto Miracatu é administrada pelo PL, sigla que abrigou recentemente Jair Bolsonaro.

Mas, neste caso, o abismo observado no tratamento dado pelo governo federal às cidades da mesma região transcende as escolhas baseadas no critério político. São os laços consanguíneos que demonstram pesar decisivamente a favor de Miracatu: o prefeito Vinicius Brandão tem como chefe de gabinete nada menos do que o irmão do presidente da República, Renato Bolsonaro. Desde que um integrante do clã Bolsonaro passou a ocupar o cargo estratégico, em janeiro de 2021, a cidade viu explodir em incríveis 581% os investimentos da União. Foram 5,8 milhões de reais recebidos em 2020 contra 40,1 milhões no ano passado. Já para os municípios de Registro e Iguape, o governo repassou em 2021 um total de 1,9 milhão de reais – 1,6 milhão e 300 mil respectivamente. As duas cidades juntas têm quatro vezes a população de Miracatu. “É incompreensível que a liberação de verbas seja feita por critério de parentesco. Municípios que estão em ordem e participam dos chamamentos públicos não conseguem nem chegar perto desses valores que Miracatu recebeu. Pelo contrário: nosso posto de saúde construído com repasses federais está atrasado e a obra quase parou. Há uma disparidade muito grande”, reclama o prefeito de Iguape, Wilson Almeida, do PSDB.

Reprodução/FacebookReprodução/FacebookVinícius Brandão (de terno), prefeito de Miracatu, ao lado do presidente Jair Bolsonaro
Dias atrás, Renato gabava-se que Miracatu havia recebido recursos do Ministério da Educação para a construção de uma escola. Ele informava numa rede social que a terraplanagem do terreno foi feita com uma retroescavadeira “doada” por emendas do deputado federal Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do presidente. Em outubro, o próprio Bolsonaro foi a Miracatu, ao lado da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, entregar títulos de propriedade rural. Também impressiona a velocidade com que alguns convênios foram assinados. A celebração de um contrato de 10 milhões de reais com o Ministério da Agricultura para obras em um assentamento da cidade, assinada em 31 de dezembro, ocorreu dois meses após a data do envio da proposta pela prefeitura. Outro convênio, este de 2,8 milhões de reais com o Ministério do Desenvolvimento Regional, demorou apenas 25 dias entre a proposta e a assinatura. Para quem não tem um Bolsonaro como chefe de gabinete, resta entrar na fila, e sem garantias de que, ao fim e ao cabo, será contemplado. “Um dos problemas centrais de Registro é o déficit habitacional. Desde que Bolsonaro assumiu, nenhum programa de moradia popular foi implementado”, lamenta a vereadora petista de Registro, Sandra Kennedy.

Renato Bolsonaro cultiva pretensões eleitorais na cidade privilegiada pelo governo do irmão. Ele tentou se eleger prefeito em 2012 e 2016 e vereador em 2008, quando Bolsonaro não havia chegado ao poder. Agora, planeja se valer do acesso de Miracatu aos recursos federais para se cacifar politicamente entre os eleitores locais e, futuramente, realizar o sonho de administrar a cidade – pela lei eleitoral, o irmão do presidente, como qualquer parente em até segundo grau do chefe do Executivo, só pode se candidatar depois que ele deixar o Planalto. Por onde anda no Vale do Ribeira, Renato Bolsonaro faz questão de se apresentar como o responsável pela liberação dos recursos federais enviados à região. Na oposição, há quem diga que ele já comanda extraoficialmente o município. “Na prática, o prefeito da cidade é o Renato. Pela proximidade com Bolsonaro, é ele que articula a captação dos recursos e capitaliza politicamente com isso”, diz o vereador Zezequinho, que é um dos opositores à atual gestão de Miracatu.

Reprodução/Facebook/Renato BolsonaroReprodução/Facebook/Renato BolsonaroO município que emprega Renato Bolsonaro já recebeu a visita de ministros como Marcelo Queiroga e Tereza Cristina
Renato Bolsonaro, espécie de cópia do irmão – a semelhança é tanto física quanto na forma de falar –, conta com a bênção do presidente para alçar voos políticos mais ambiciosos em Miracatu. Às vésperas da eleição municipal de 2020, Bolsonaro estava ao seu lado no palanque montado para o então candidato a prefeito Vinicius Brandão. “Se ele é o seu candidato, é o meu também”, disse Jair Bolsonaro a Renato. Foi o presidente, inclusive, quem garantiu que as portas dos principais gabinetes de Brasília fossem escancaradas para ele. Nos últimos meses, Renato foi recebido pelos ministros João Roma, da Cidadania, Milton Ribeiro, da Educação, e Damares Alves, dos Direitos Humanos. As audiências são intermediadas por Mosart Aragão, assessor especial da Presidência da República, que virou uma espécie de articulador político do núcleo bolsonarista em São Paulo. “O Mosart tem sido importante nessa ligação (de Miracatu) com Brasília. Mas tudo dentro da legalidade”, jura Renato, que também virou frequentador do Palácio da Alvorada. Em foto postada em março deste ano, no dia do aniversário de Bolsonaro, o presidente aparece de camiseta e bermuda ao lado de Renato e do próprio prefeito de Miracatu, Vinicius Brandão, confraternizando alegremente na piscina. É um privilégio para muito poucos. Que o diga a carente população das cidades de Registro e Iguape, cujos prefeitos jamais chegaram perto da residência oficial do presidente.

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