Foto: Pedro França/Agência SenadoEx-senadores como Romero Jucá e Ataídes Oliveira circulam pelo plenário do Senado na defesa de interesses privados

Lobby versus lobby

A tentativa de regulamentar o lobby em Brasília esbarra na ação de ex-parlamentares que atuam na área e preferem a versão atual, longe dos raios solares
24.02.22

O plenário do Senado registrou um movimento insólito na tarde do dia 9 de fevereiro, durante o debate de uma medida provisória que incluiu o tratamento oral contra o câncer no rol da cobertura dos planos de saúde. Um exército de lobistas do setor circulou pela casa, com a meta de adaptar o texto aos interesses das empresas de saúde suplementar. Entre os negociadores que falavam em nome dos planos de saúde, estavam ex-parlamentares de diversas colorações partidárias, contratados a peso de ouro para assegurar aos seus novos clientes acesso privilegiado aos gabinetes dos senadores – em sua maioria, antigos colegas. Os rostos eram mais do que conhecidos. Destacava-se no corpo-a-corpo e nas conversas ao pé do ouvido com os parlamentares, o ex-governador da Paraíba Cássio Cunha Lima, do PSDB. O notório ex-senador Romero Jucá também circulou pelo plenário na mesma tarde. A ação foi tão ostensiva que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, chegou a confidenciar a colegas o incômodo com o lobby das operadoras de saúde.

A representação de interesses de diversos setores é lícita e legítima, mas a falta de regulamentação do lobby e a inexistência de regras claras e transparentes abrem brechas para que essa atividade ocorra nas sombras. No final do ano passado, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que trata sobre a defesa de interesses privados junto a agentes públicos. A proposta faz parte de um plano anticorrupção, lançado após a aliança com o Centrão para tentar descolar de Jair Bolsonaro a imagem de omisso no combate aos desvios. O tema já é discutido na casa há mais de três décadas, sem avanços concretos, e a decisão do Executivo de entrar no debate foi celebrada por entidades que defendem a regulamentação do lobby.

Forças nem tão ocultas, entretanto, freiam os avanços – dois meses depois da entrega do projeto, o presidente da Câmara, Arthur Lira, nem sequer designou relator para o texto. A atuação de ex-deputados federais, ex-senadores e de empresas ligadas a políticos no segmento é apontada como uma das explicações para a falta de empenho sobre o assunto. Sem registro formal da ação de lobistas, eles abocanham uma fatia cada vez maior do mercado. E, a cada eleição, cresce o número de derrotados nas urnas que investem nessa atividade lucrativa.

Foto: Marcos Brandão/Senado FederalFoto: Marcos Brandão/Senado FederalO ex-senador Cássio Cunha Lima defende os interesses dos planos de saúde
Romero Jucá, por exemplo, abriu a Blue Solution Consultoria Governamental em janeiro de 2019, poucos dias antes de ficar sem mandato. O nome da empresa, registrada por parentes, faz referência ao tapete azul do Senado Federal, foco da atuação do ex-parlamentar. A firma funciona em uma mansão no Lago Sul, área nobre de Brasília, e atua em vários setores. A influência exercida sobre os ex-colegas é determinante para o sucesso na atividade. “Recentemente estava na sala de espera do gabinete de um deputado e esperava por uma audiência havia horas, quando Jucá chegou e passou na frente. O deputado pediu desculpas e disse ‘perdão, mas preciso antes atender o senador’”, conta reservadamente um profissional da área. “Jucá trabalha no Congresso como lobista de Deus e do satanás”, diz o senador Telmário Mota, do Pros, seu conterrâneo e inimigo político. Cássio Cunha Lima ingressou no ramo na mesma época e nas mesmas circunstâncias. Criada em fevereiro de 2019, sua empresa também tem um nome sugestivo: Beyond Advice, o que em livre tradução significa “muito além da consultoria”.

Mais recentemente, quem passou a investir na interlocução com o Congresso Nacional foi nada menos do que o ínclito ex-deputado federal Eduardo Cunha, do MDB. Ao contrário de outros políticos, entretanto, ele aposta na discrição — Cunha não vai até o Congresso, quem costuma ir até ele são deputados e senadores, interessados na sua expertise – sabe-se bem qual. O condenado pela Lava Jato é visto com frequência despachando nas manhãs de quarta-feira, dia quente na capital federal, no restaurante de um movimentado hotel no centro de Brasília, sobre assuntos políticos e, claro, empresariais.

“É necessário regulamentar, jogar luz e garantir condições de equilíbrio e igualdade para não haver uma situação de iniquidade e obscuridade, de injustiça, de coisas que acontecem no submundo, nas trevas”, afirma o procurador de justiça Roberto Livianu, que preside o Instituto Não Aceito Corrupção. “Figuras que hoje já nadam de braçada, que já têm seu espaço garantido, estão contra a regulamentação, porque serão prejudicados pela transparência. Precisamos ter uma competição ética, leal, todos devem ter iguais condições de acesso a esse território, para que as vozes sejam ouvidas da mesma maneira. Infelizmente, interesses inconfessáveis e obscuros atrapalham a aprovação da regulamentação do lobby”, acrescenta Livianu. Alguns ex-parlamentares que hoje atuam do outro lado do balcão juram que não fazem oposição à regulamentação do lobby. “Fui deputado por 12 anos e sempre defendi essa proposta. Quando você passa no corredor das comissões da Câmara ou do Senado, de cada 10 pessoas que circulam por ali, nove estão fazendo lobby”, afirma o ex-deputado federal pernambucano Silvio Costa, que hoje se dedica à representação de interesses privados. Ele nega que o status de ex-parlamentar seja fundamental para sua atividade. “Sou da tese da meritocracia. Existem grandes empresas do setor que são extremamente influentes, atuam desde a década de 1970 e que fazem lobby sem a participação de ex-parlamentares. Tudo na vida é relacionamento, networking”, diz Costa, que se recusa a citar os nomes de clientes.

Agência CâmaraAgência CâmaraO ex-deputado Silvio Costa diz que bom relacionamento é fundamental na área
Assim como ocorreu nos Estados Unidos, o debate sobre a regulamentação do lobby no Brasil surgiu a partir da pressão dos escândalos de corrupção e tráfico de influência. Mas o detalhamento das regras da atividade vai muito além do combate a esses crimes. Os objetivos são conferir transparência à defesa de interesses e equilibrar as condições de acesso aos agentes públicos, para que não haja favorecimentos. Em 2007, o deputado petista Carlos Zarattini apresentou uma proposta sobre o tema, que teve a relatoria da deputada Cristiane Brasil, do PTB, filha do ex-deputado Roberto Jefferson, um dos protagonistas do mensalão. Após audiências públicas com a sociedade, o texto chegou a passar pela Comissão de Constituição e Justiça, em 2016 e, desde então, está pronto para deliberação em plenário. O debate já havia começado em 1989, quando o então senador Marco Maciel, morto no ano passado, propôs regras para a atividade. No fim de 2021, pressionado para apresentar uma agenda anticorrupção, Bolsonaro enviou uma proposta sobre o mesmo tema à Câmara e, agora, os projetos do petista e do Executivo foram apensados e tramitam juntos.

No texto do governo, o profissional de relações institucionais e governamentais, como a categoria é registrada no catálogo de ocupações do Ministério do Trabalho, é chamado de representante privado de interesses – a troca da nomenclatura desagradou aos profissionais do setor, que consideram a classificação do governo com carga pejorativa. Também há críticas ao fato de a proposta não abranger os lobistas do governo, ou seja, os servidores públicos encarregados de fazer a articulação entre ministérios, autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista e o Congresso Nacional. Segundo entidades do setor, os lobistas públicos são mais numerosos do que os que representam interesses privados. A proposta do governo não criminaliza irregularidades ligadas à prática, mas prevê sanções administrativas para quem não respeitar as novas normas. “As regras e a transparência no relacionamento de agentes privados com o Poder Público são essenciais para separar a legítima prática de representação privada de interesses das atividades obscuras e corruptas, bem como permitir que essas últimas sejam combatidas com maior efetividade”, argumentou o ministro da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, na justificativa da proposta.

Profissionais que atuam no ramo acreditam que a regulamentação vai contribuir para acabar com o estigma que envolve a atividade. A cada escândalo de corrupção, como as negociações fraudulentas de vacinas reveladas pela CPI da Covid, criminosos são apresentados como lobistas, o que destrói a reputação de quem faz legítimas defesas de interesse. “A regulamentação da atividade obviamente ajuda, mas vai muito além do combate à corrupção. Ela é importante para a democracia, para trazer mais pluralidade de visões e a representação de interesses divergentes, o que é fundamental”, afirma Carolina Venuto, presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais. A entidade realizou recentemente uma pesquisa com parlamentares, para aferir o apoio à regulamentação do lobby, e mais de 70% deles se manifestaram favoráveis à proposta. “A resistência ocorre nas entrelinhas, ela não é publicizada”, conta Carolina.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéBolsonaro propôs a regulamentação do lobby, mas não trabalha pelo projeto
Entidades que representam a categoria defendem a regulamentação, mas temem que regras excessivas burocratizem a atividade e levem lobistas para a clandestinidade. Isso aconteceu nos Estados Unidos, onde os profissionais devem se registrar e prestar contas, além de apresentar relatórios periódicos sobre suas atividades. A pena para quem descumprir as normas vai de multa até cinco anos de cadeia. Com isso, especialistas apostam que apenas uma pequena parcela dos lobistas americanos é oficialmente registrada.

A cientista política Andrea Gozetto, pós-doutora em administração pública e governo e especializada em relações governamentais, lobby e advocacy, acredita que 2022 seja a “maior e melhor janela de oportunidade” para a aprovação da regulamentação do lobby. “Mas, obviamente, sabemos que há forças contrárias. A quem não interessa? A quem faz representação de interesse nas sombras, como alguns ex-parlamentares, que usam suas credenciais, sua influência política, seus contatos pessoais, para representar interesses privados”, lamenta a especialista. É o lobby do lobby irregular.

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  1. LOBY, tao somente mais um nome bonito pra roubo atraves ex bandidos politicos que teem livre transito no congresso nacional junto aos seus ex colegas politicos e atuais ladroes e corruptos. Isso mesmo meu povo, abram os olhos e nao votem nestes canalhas, vagabundos. Queremos nosso Brasil de volta custe o que custar, mas eh preciso saber votar em pessoas minimamente dignos, se nao leva no furico.

  2. No dia em que a sociedade entender de fazer seu proprio Loby, ou seja, nao recolher impostos enquanto esta esculhambacao chamada politica brasileira, associada ao loby politico, leia-se roubalheira oficial, este pais nao toma jeito. O dificil sera o povo entender e praticar isto. NEM PASSADO, NEM PRESENTE. Quero meu Brasil de volta seus bandidos. Quero saude, educacao, seguranca e transporte digno ja.

  3. Muito pertinente a reportagem. "É o lobby do lobby irregular" é uma frase espetacular para emoldurar a situação no Brasil, onde tudo é mais gostoso quando se faz escondidinho a luz do dia.

  4. Muito boa reportagem! Confesso que não entendia o que é exatamente "lobby". Obrigada, Helena! Dá para "compreender" a relutância sobre sua regularização... Parece que a prática do lobby é um retrato ou uma pequena parte do poster da corrupção brasileira...

  5. Excelente reportagem, Helena! Somente o Antagonista e Crusoé com seus valorosos jornalistas, como você, nos traz as verdades do submundo de Brasília! Essas figuras mostradas vivem na sombra…

  6. Crusoé, vcs não são repórteres investigativos? leva as provas para polícia federal que resolve tudo. Só ficam acusando, lacrando, falácias e narrativas.🐁🐁🐁🐁🐁.

  7. Boa matéria. Eu gostaria de ter mais referências internacionais sobre o lobby. Tem algum lugar onde a legislação está mais avançada ? Quais os principais pontos positivos de legislações de sucesso sobre o tema ?

  8. Em países enormes como o Brasil, Estados Unidos, China e outros, o eleitor deve votar apenas para seu município. Um índio na Amazônia não sabe quem é Lula, Bolsonaro, Moro, Dória. Não têm a menor condição de avaliar programas de governo. Vão comer nas mãos dos marqueteiros! Os prefeitos e vereadores escolheriam os cargos dos Estados e esses votariam para os cargos federais.

    1. Reforma política e eleitoral é fundamental. Os atuais donos de mandatos, no entanto, não tem a menor intenção de mudar nada.

  9. MEU LIVRO “O INROTULÁVEL”. Link de acesso: https://www.amazon.com.br/dp/B09HP2F1QS/ref=cm_sw_r_wa_awdo_PQSA5Z6AXXH2SX16NH87 ..............................................……… os EXEMPLOS EXECRÁVEIS que uma SOCIEDADE tão CORRUPTA é capaz de produzir! São DEGENERADOS MORAIS que IMPEDEM o BRASIL de AVANÇAR! Em 2022 SÉRGIO MORO “PRESIDENTE LAVA JATO PURO SANGUE!” Triunfaremos! Sir Claiton

  10. Quer dizer que estão todos por lá, Helena? Cássio Cunha Lima, Juca, Eduardo Cunha… O Brasil não tem jeito não, Dr. Livianu, triste…

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