MarioSabino

Vasto programa

24.02.22

A invasão da Ucrânia pela Rússia mostra que o Ocidente não tem líderes capazes de fazer frente a tiranos como Vladimir Putin. Se não, vejamos. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, é responsável pela retirada mais vexaminosa da história militar americana, a do Afeganistão, e os seus discursos têm a grandeza das planilhas de um funcionário dos Correios. Foi ele quem disse que, se a Rússia anexasse uma pequena parte da Ucrânia, os Estados Unidos não entrariam numa guerra por causa disso. Com o país ocupado, repetiu a promessa tranquilizadora para os ucranianos, em coletiva na qual sorriu como um estúpido. O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, deve ser uma figura especialmente triste para a rainha Elizabeth II, que teve como interlocutores Winston Churchill e Margaret Thatcher. A sua volubilidade é capilar. O presidente da França, Emmanuel Macron, foi a Moscou, para conversar com Vladimir Putin, a fim de evitar a agressão russa aos ucranianos. O seu objetivo principal, contudo, era vender-se como grande estadista aos eleitores que, na falta de oponentes, deverão reelegê-lo em abril. O galo francês, que preside atualmente o Conselho da Europa, foi tratado como um subalterno pelo tirano russo, que o logrou. O chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, também esteve com Vladimir Putin — só que um porteiro causaria mais respeito em Moscou do que ele. Agora, com a invasão da Ucrânia como fato consumado e o risco de a Rússia expandir o conflito, a falta de lideranças fica ainda mais evidente.

Como eu disse em artigo para O Antagonista, os ucranianos nunca estiveram tão isolados pela solidariedade ocidental. Em um vídeo postado nas redes sociais, na noite desta quinta-feira, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, lamentou que Kiev tenha sido “deixada sozinha” frente ao Exército russo. Quem está pronto para lutar conosco? Eu não vejo ninguém. Quem está pronto para garantir a adesão da Ucrânia à Otan? Todo mundo está com medo”, disse ele.

Verdade seja dita, os presidentes e primeiros-ministros que antecederam essa gente valorosa prepararam o terreno para o espetáculo deprimente a que assistimos hoje. Acreditando que Vladimir Putin seria um bom escudo contra o fundamentalismo islâmico, fecharam os olhos para as atrocidades cometidas sob o seu comando na Chechênia, após o atentado em Beslan, e aprovaram o seu crescimento político. Depois, deram de ombros quando ele invadiu a Geórgia, deixaram meio para lá ao ver o tirano entrar na Síria, para salvar o ditador Bashar al-Assad, e tiveram uma reação não mais do que pífia, após o marginal tomar a Crimeia e dar início às hostilidades em Donbas. Nada fizeram, ainda, com os mercenários russos a serviço de Vladimir Putin na Líbia. Alimentaram o monstro, inclusive aceitando, no caso da Europa, a enorme dependência do gás natural russo, uma das decisões mais burras do ponto de vista geopolítico já registradas na história do continente.

Com Donald Trump, o quadro piorou sensivelmente: o então presidente americano torpedeou a Otan, enfraquecendo a aliança militar ocidental, como se ela fosse organização anacrônica, porque, ora bolas, a Guerra Fria parecia etapa vencida e a Rússia não representaria mais um grande perigo, apesar de todos os ataques cibernéticos contra democracias orquestrados por Moscou e as incursões militares na Geórgia e na Crimeia. Os americanos, republicanos e democratas, preferiram colocar os dois olhos sobre a China, quando deveriam ter mantido um deles sobre a Rússia. 

O laxismo do Ocidente maravilha com Vladimir Putin é indissociável da pequenez dos atuais líderes dos seus países centrais. O tirano russo enxergou essa fraqueza e se aproveitou dela, zombando dos seus pares e jogando no lixo a lei internacional e os acordos que assinou. Depois de observar essa gente tentando ignorar a obviedade de que o tirano invadiria a Ucrânia, achando que sanções eram capazes de deter Vladimir Putin e batendo cabeça diante da concretização da agressão russa, pensei no que Charles de Gaulle disse ao ouvir a frase “Morte aos idiotas!” da boca de um assessorDe Gaulle comentou: “Vasto programa”. 

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