Isac Nóbrega/PRA reunião de Bolsonaro no Planalto com pecuaristas: engajamento garantido

A campanha do gado

A campanha de Bolsonaro mira no agronegócio como fonte de financiamento e quer coletar dezenas de milhões de reais entre fazendeiros que apoiam o presidente. Uma das ideias: cada um doar o valor de um boi para impedir a volta de Lula
11.03.22

No que depender dos esforços do agronegócio, a campanha de Jair Bolsonaro neste ano contará com uma ajuda financeira no mínimo curiosa. Parece piada pronta, mas é real: atendendo a apelos de gente ligada ao presidente, produtores rurais simpáticos ao bolsonarismo passaram a se mobilizar para doar, cada um, pelo menos o valor correspondente a uma cabeça de gado para ajudar a engordar o caixa da reeleição. Já há até uma disputa entre estados conhecidos pela força do agro para saber quem irá contribuir mais. “Se Goiás der uma cabeça, nós vamos propor que o Mato Grosso dê duas, para que a gente possa continuar com a pujança em nosso país”, diz o deputado estadual Gilberto Cattani, do PSL.

A competição – informal, logicamente – sugerida pelo parlamentar mato-grossense foi motivada por uma ordem unida do pecuarista goiano André Luiz Bastos, um empedernido apoiador do presidente. “É o seguinte: para reeleger o presidente do Brasil, cada fazendeiro vai doar um boi. Agora vocês imaginam se a gente não consegue reelegê-lo no primeiro turno”, afirmou Bastos. O chamamento é parte de um vídeo que circulou em janeiro deste ano em grupos de WhatsApp formados por apoiadores de Bolsonaro. Ao lado do pecuarista, outro homem ligado ao agronegócio, identificado como Eduardo Vieira, aparece com uma long neck de cerveja na mão, referendando a iniciativa: “Pronto, fechou. Um boi de 20 arrobas”.

Apesar da existência de um fundo eleitoral bilionário à disposição dos partidos que farão parte da aliança em torno de Bolsonaro, o Planalto não tem medido esforços na hora de amealhar mais recursos para reeleger o presidente. Na segunda-feira, 7, Bolsonaro promoveu no Palácio do Planalto uma reunião fora da agenda oficial com 50 representantes do agronegócio para engajá-los na campanha. O principal argumento do governo é o de que, se não houver recursos suficientes para reconduzir Bolsonaro à Presidência, “o PT volta”.

Os olhos do notório Valdemar Costa Neto, todo-poderoso do PL e um dos principais coordenadores da campanha, brilham com o potencial financeiro dos bolsonaristas do Brasil profundo, que têm recursos e estariam dispostos a ajudar. A combinação de fatores pode significar dezenas de milhões de reais a mais no caixa. A lógica do estado-maior da campanha vai além. Inclui, por exemplo, o raciocínio de que “a maioria dos produtores trabalha com CPF” – a doação por empresas a candidatos, como se sabe, está proibida desde a última eleição presidencial. O cálculo do chefe do PL leva em consideração que o Brasil tem hoje 5,2 milhões de trabalhadores inscritos como produtores rurais. Desse total, Valdemar estima que, se pelo menos mil deles estiverem dispostos a doar 50 mil reais, será possível arrecadar 50 milhões apenas no setor. Contabilizando doações de menor vulto, mas em maior quantidade, que podem vir de fazendeiros mais modestos – um boi de 20 arrobas, como o mencionado no vídeo goiano, vale cerca de 7 mil reais –, será possível ganhar, na escala, outras dezenas de milhões.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/FolhapressValdemar, “dono” do PL, está otimista com o potencial de arrecadação
“Eu tenho sido procurado por pessoas dispostas a ajudar. Mas tem o pequeno produtor que vai dar entre 500 e mil reais, e o maior, que vai querer doar entre 30 mil e 50 mil”, diz o deputado estadual do PL de São Paulo Frederico D’Avila, interlocutor frequente de Valdemar.

Pessoas físicas podem realizar doações para partidos a qualquer tempo – inclusive em anos em que não há eleição. Já os repasses para candidatos podem ser feitos de duas formas: a partir de 15 de maio para a pré-campanha, via financiamento coletivo, como vaquinhas online, ou a partir de 15 de agosto, após o registro das candidaturas. Nesse último caso, desde que o valor não ultrapasse 10% da renda bruta anual declarada à Receita Federal pelo doador no ano anterior à eleição.

“Se a doação for permitida e estiver dentro da possibilidade de cada fazendeiro, não há problema de ordem legal. Dependendo do fazendeiro, terá muito mais de uma cabeça de gado para doar. É preciso somente se atentar às datas. As doações para partido podem ser feitas a qualquer momento, mas cabe ao partido vincular a quantia determinada à campanha. Outra opção é aguardar a constituição do comitê financeiro da campanha a partir do lançamento da candidatura”, explica o ex-ministro do TSE Arnaldo Versiani.

A campanha bolsonarista, no entanto, tem se adiantado aos prazos e colocado nomes com livre circulação no Planalto para ajudar na captação de recursos. Um deles é o pecuarista Bruno Scheid, de Rondônia, apontado como principal responsável pela arrecadação junto aos ruralistas. Na reunião fora da agenda presidencial de segunda-feira, 7, ele estava sentado estrategicamente do lado esquerdo do presidente, num irrefutável sinal de prestígio. Pré-candidato a deputado federal, Scheid, de 38 anos, demonstra proximidade com a primeira-dama Michelle Bolsonaro e o filho 02, Carlos Bolsonaro. Segundo fontes do governo, o produtor rural de Rondônia também desfruta de acesso facilitado ao gabinete presidencial, no terceiro andar do Palácio do Planalto. É considerado da “turma da maçaneta”, aquela que entra para falar com o presidente sem passar pela triagem habitual.

ReproduçãoReproduçãoReinaldo Morais, o “Rei do Porco”, diz haver centenas de voluntários dispostos a contribuir
Nas redes sociais, Bruno Scheid exibe inúmeras fotos ao lado do clã Bolsonaro. “O agronegócio apoia o presidente desde 2018, não é de hoje. Isso é notório para o Brasil inteiro e vai continuar sendo assim. Vão ajudar como fizeram em 2018, com bonés, camisetas e outdoors, cada um no seu CPF, não tem arrecadação para A, B ou C”, jurou o pecuarista a Crusoé. Scheid desconversa sobre sua proximidade com o presidente – afirma que não é tão próximo quanto dizem.

Também estava no encontro no Planalto o empresário do agro Reinaldo Morais, conhecido como “Rei do Porco”. Natural de Mato Grosso, Morais se filiou recentemente ao PL com o objetivo de unir o setor ruralista da região Centro-Oeste em torno da candidatura de Bolsonaro. No encontro, o Rei do Porco lançou um desafio: “Mato Grosso não tem a maior quantidade de eleitores, mas quero desafiá-los a superar o meu estado no percentual que vamos dar ao nosso presidente Bolsonaro”. Crusoé, o empresário também tentou despistar sobre a razão do encontro palaciano desta semana. Disse que o objetivo não foi tratar de arrecadação de valores, apenas de “fortalecer o apoio” ao presidente. Mesmo assim, ele declarou que “quem quiser doar, já pode fazer a doação”.

“Nem estamos pedindo ainda. O que vier deve ser espontâneo. Tem centenas de voluntários e de pessoas se colocando à disposição para abraçar financeiramente. Estamos levantando quem será o tesoureiro da campanha. Vamos deixar acontecer”, afirma Morais.

Ninguém admite que a arrecadação já começou, mas dentro do próprio partido do presidente a palavra de ordem é “pressa”. No PL, existe o entendimento de que a eleição deste ano demandará muito mais dinheiro que todas as demais já feitas pelo partido e de que os fundos eleitoral e partidário não serão suficientes. A legenda de Valdemar terá chapa não apenas na disputa pela Presidência, mas também na corrida por governos estaduais, como o de São Paulo – o ministro Tarcísio de Freitas, que está bem próximo de anunciar sua filiação à sigla, é a aposta para a eleição paulista. Isso sem contar com a ambiciosa meta de eleger uma bancada de até 70 deputados federais. Para tentar realizar todos esses planos, Valdemar precisará de cifras recordes. “Não é mais o orçamento de antigamente. Agora não estamos falando de perspectiva de poder, mas de conquista da manutenção do poder e de outras frentes de poder”, diz Frederico D’Ávila.

Alan Santos/PRAlan Santos/PREmpresários do agro se dizem dispostos a financiar a reeleição do presidente para impedir a volta de Lula
Vem daí a ideia de transformar um setor historicamente alinhado aos ideais do governo numa das principais fontes de recursos para a reeleição. Na lógica do agro, o presidente “fez muito” em três anos de governo. Se o desempenho ficou comprometido em algumas áreas, argumentam os apoiadores com negócios no setor, foi “devido às consequências da pandemia”. Eles lembram ainda que Bolsonaro é sensível às pautas ruralistas, especialmente em relação à regularização fundiária e à segurança da propriedade privada. “Estamos jogando a nossa sobrevivência. O agro nunca esteve tão bem e temos de fazer um trabalho para ficar cada vez mais forte. Se amanhã ou depois decidirem fazer um tratoraço, eu mando meus tratores. Vou fazer tudo o que tiver que fazer pela reeleição de Bolsonaro”, afirma Abelardo Lupion, ex-deputado federal do Paraná.

Pelo Brasil afora, não faltam fazendeiros que não participam ativamente do dia a dia da política, mas se mostram empenhados em contribuir. Produtor de soja e criador de gado, Clacy Secco é proprietário de fazendas no interior do Mato Grosso e de Goiás e não esconde sua disposição. Nos últimos dias, ele mandou bordar bonés com a logomarca da sua empresa acompanhada da inscrição “Bolsonaro 2022”“Estou disposto a fazer (doar), desde que seja algo bem documentado, que não dê problema.”

Crusoé apurou que associações de pecuaristas já analisam a viabilidade jurídica de promover leilões de animais para arrecadar fundos que possam ser doados, em seguida, para a campanha. Para o senador Wellington Fagundes, do PL mato-grossense, não será difícil convencer fazendeiros a doarem ao menos uma cabeça de boi. “Ele pode doar um animal de raça, que pode ir para um leilão e fazer uma arrecadação maior, ou pode fazer jantar de adesão. São várias formas de ajuda. Neste ano, a forma da campanha será diferente. Se a campanha de 2018 foi espontânea e sem controle, esta será polarizada. O Mato Grosso está cheio de bolsonaristas dispostos a contribuir”, afirma.

A retórica bolsonarista alinhada aos interesses do agronegócio ganhou força nesta quinta-feira, 10, quando Lula, pré-candidato do PT ao Planalto, disse em um vídeo que o MTST, movimento conhecido por pregar a invasão de propriedades privadas, não será “coadjuvante”, mas “sujeito” caso ele seja eleito. Flávio Bolsonaro aproveitou a deixa para empenar um discurso que soa como música aos ouvidos dos produtores rurais. “O ladrão de nove dedos vai tirar sua arma, sua casa e sua liberdade! Você que trabalha e produz não vai ter direitos. Sabe quem vai ter direitos? O vagabundo que invadiu sua terra!”. O filho 01 do presidente está entre os que esperam que a postura do petista se reverta não apenas em votos, mas em doações – seja no valor de um boi, seja em cifras mais expressivas – capazes de turbinar financeiramente a campanha do pai. O gado pode fazer a diferença na campanha.

Com reportagem de Fabio Leite

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