Adriano Machado/Crusoé"O que a sociedade está querendo é resultado. O resultado parte do pragmatismo"

‘Bolsonaro está trilhando a curva do amadurecimento’

Candidato do Palácio do Planalto ao governo de São Paulo, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, diz que é preciso deixar de lado a guerra ideológica e focar no pragmatismo e nos resultados que o eleitor espera
11.03.22

Forjado com a imagem de “tocador de obras”, Tarcísio de Freitas é hoje a principal aposta de Jair Bolsonaro para as eleições deste ano. Na escala de prioridades do Planalto, a candidatura do ministro da Infraestrutura ao governo de São Paulo só fica atrás da campanha do presidente à reeleição. Para sagrar-se vitorioso no maior colégio eleitoral do país, Bolsonaro o colocou debaixo do braço – além de ter turbinado o orçamento da pasta comandada por ele, passou a levá-lo a quase todos os eventos do governo pelo país. Guardadas as devidas proporções, é um movimento semelhante ao feito por Lula em 2010, quando preparou a então ministra da Dilma Rousseff para ser sua sucessora.

Próximo de deixar o ministério em 31 de março para mergulhar de vez na campanha, Tarcísio já usa o léxico típico de candidato. “Estou resolvendo os problemas de São Paulo que os gestores de São Paulo a vida toda não resolveram”, diz nesta entrevista a Crusoé, embalado pelos resultados das recentes pesquisas eleitorais, que o colocam como adversário do petista Fernando Haddad no segundo turno. Considerado moderado em um governo de fortes tintas ideológicas, Tarcísio diz que a sociedade espera “pragmatismo” de gestores e avalia que Bolsonaro está aprendendo a construir o “caminho do relacionamento institucional”. “Ele está trilhando a curva do amadurecimento. Vejo que era muito pior lá atrás.”

Engenheiro de formação, o ministro, de 46 anos, ganhou projeção graças à experiência obtida ao longo de três décadas no serviço público e passagens pelas gestões Dilma e Michel Temer. Para caber no novo figurino, ele topou até negociar a filiação ao PL, partido comandado por Valdemar Costa Neto, com quem protagonizou brigas no passado. As escaramuças entre os dois remontam ao primeiro mandato do governo Dilma, quando Tarcísio assumiu o DNIT com a tarefa de frear esquemas de corrupção comandados pela sigla. Águas passadas, garante. A relação com Valdemar hoje, assegura Tarcísio, é “boa”. Eis a entrevista.

Como estão os preparativos para a sua candidatura ao governo de São Paulo? O sr., de fato, se filiará ao PL?
Não sou um cara ansioso. O prazo está chegando, mas não estou com pressa para me decidir. A tendência maior é que eu me filie ao PL. É o partido ao qual o presidente se filiou. Tem uma coisa ótima que é o fato de o número do partido, por uma boa coincidência, ser o mesmo do ano das eleições. Obviamente, tendo o número do presidente, talvez traga menos confusão para o eleitor dele. Mas não teria problema nenhum eu estar em outro partido. O que vai definir essa decisão agora serão as negociações em torno da composição partidária que vai nos apoiar lá. Pode ser necessário que eu vá para um partido para trazê-lo para a coalizão. A tendência muito maior é de ir para o PL. Eu diria que (a chance) fica em torno de 90%. Mas existe possibilidade de me filiar a outro partido. Em princípio, se não for para o PL, vou para o Republicanos.

Para o Senado na sua chapa, o sr. quer que o apresentador José Luiz Datena seja o candidato?
Hoje, ele é o plano A. Essa é uma peça fundamental da equação. O desfecho da questão Datena para o Senado e o partido pelo qual ele irá, de certa forma, vai influenciar a decisão que tomarei sobre o partido.

E quem seria o plano B?
Considero a Janaina (Paschoal), da qual gosto muito, e considero Paulo Skaf. Acho que não deve fugir desses três nomes.

O sr. já pensa em nomes para o cargo de vice? Tem preferência por algum perfil?
É engraçado que muita gente me sugere muita coisa em termos de vice. Às vezes, tem aqueles que buscam estereótipos: ‘Você precisa de um vice com esse perfil, com aquele perfil’. Obviamente, a mensagem é uma coisa importante. ‘Ah, você precisa de um vice do interior. Ah, você precisa de um vice que tenha força política na região metropolitana’. Acho que o principal atributo do vice é ser uma pessoa de confiança. Uma pessoa com quem eu interaja e da qual goste. Uma pessoa que eu saiba que vai caminhar comigo, que vai estar junto de mim nos momentos bons e ruins. Isso é mais importante do que qualquer estereótipo.

Por que se candidatar por São Paulo?
Por que não São Paulo? É o estado mais importante do país, do ponto de vista econômico. As coisas acontecem na vida às vezes por acaso. Eu nunca pensei em ser ministro da Infraestrutura, diretor do DNIT, secretário do PPI (o programa federal de Parcerias de Investimentos). Entrei muito novo no Exército, fiquei por 17 anos e imaginei chegar até o fim da carreira e ser general. Já quis ser motorista de caminhão de lixo ou de ônibus. Jogador de futebol não, porque sempre soube que era ruim. Mas já pensei em muitas coisas. Quando fiz concurso, não imaginava ser dirigente de nada. Como também nunca passou pela minha cabeça entrar na política. Mas, de repente, tem uma conjuntura que favorece, um desafio superinteressante. Ao longo do tempo, você vai pegando bagagem. E a pergunta é: por que não usar agora essa bagagem para tentar fazer a diferença?  Eu sou um inconformado. Por que ninguém nunca conseguiu acabar com a Cracolândia em São Paulo? Será que é uma coisa impossível? Por que a obra do Rodoanel não termina? Será que é impossível? Por que tem pobreza no campo? Eu vou resolver todos os problemas de São Paulo? Claro que não. Mas posso contribuir, trazer alguma coisa diferente. Já mostrei no ministério e por onde passei que tenho capacidade de realizar.

Uma das críticas que seus adversários provavelmente farão é que o sr. é um “forasteiro” em São Paulo, alguém que nasceu no Rio e fez carreira em Brasília.
Se os forasteiros que vivem e fizeram a vida em São Paulo votarem em mim, vou ser eleito governador. São Paulo é um estado que abraça os forasteiros. O paulista é pragmático: quer manga arregaçada e alguém que tenha a capacidade de resolver problemas. Ninguém está preocupado com certidão de nascimento, mas se você conhece os problemas e sabe resolver.

O Ministério Público abriu inquérito civil para apurar a suposta atuação do sr. para reduzir a fiscalização de caminhões em rodovias, o que favoreceria os caminhoneiros, uma categoria que o governo procura agradar.
Que bobagem… Sabe o que acontece? Ninguém sabe o que o caminhoneiro passa na rodovia. Só sabe o que passa quem conversa com o caminhoneiro. Estou em 43 grupos de WhatsApp de caminhoneiros. Então eu vejo o que esses caras passam na rodovia. Ninguém se preocupa com eles quando têm carga roubada, quando roubam os pneus, quando deixam o caminhão no toco. Eu chamei o diretor da Polícia Rodoviária Federal (e pedi) para tomar cuidado com a fiscalização e gravei um vídeo para aliviar. Aliviar aquilo que não tem a ver com segurança. Tem caminhoneiro que está sendo parado em posto da PRF por causa da capa do parafuso. O cara bota uma capa protetora de parafuso do pneu que enfeita o caminhão e às vezes a polícia vai lá, enche o saco do cara e multa. O cara está massacrado, se ferrando. Isso é falta de sensibilidade. Aí o Ministério Público vai investigar… Pode investigar, pode investigar… Pelo amor de Deus, os caras têm que procurar o que fazer.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“O desmantelo fiscal começa na gestão Lula e é agravado no governo Dilma”
Os dirigentes do PL estão empolgados com os números das pesquisas. O sr. acredita que essa identificação pode ajudar Bolsonaro de certa forma?
Acho que sim. É um conjunto de coisas. A insistência do presidente para que eu concorra não é por acaso. Ele viu potencial de crescimento, de ajudar. Eu pretendo fazer uma abordagem muito propositiva e aumentar o nível do debate eleitoral. Se você parar para pensar, o debate eleitoral é sempre muito raso. Estou no meu terceiro governo. Tem muita coisa boa nessa gestão. Tivemos erros? Claro. Agora, tem um conjunto de coisas muito legais feitas que às vezes passam despercebidas, que as pessoas não notam. Até porque o volume de coisas é muito grande e fomos tragados por crises sucessivas.

Parte das crises enfrentadas pelo atual governo foram provocadas pelo próprio presidente Bolsonaro. O sr. já pediu moderação a ele?
Diversas vezes, a equipe orienta. O presidente tem lá a sua intuição. Agora, observe, quem chega ao Executivo como ele, depois de 28 anos de Parlamento, vai passar por um processo de amadurecimento. Se a gente for perceber, o governo entrou nessa fase. Você percebe isso na mudança de perfil de alguns ministros, na mudança de perfil do entorno do Palácio, na composição que era menos política lá atrás e passou a ser mais política agora. Então, o governo foi aprendendo. Geralmente, quando você monta equipes, passa por uma fase de confusão. Até chegar na de performance há algumas etapas. Já as trilhamos. Hoje, temos um governo mais maduro, mais capaz de pensar e não ser tão impulsivo. Por isso, aposto que, para um segundo mandato, Bolsonaro vai ser muito bom. Por um lado, terá construído muitas coisas. E, por outro, terá o amadurecimento.

Semanas atrás, o presidente voltou a atacar o STF e o TSE.

Ele está trilhando a curva de amadurecimento. Vejo que era muito pior lá atrás. Acho que ele está aprendendo a construir e vejo que está no caminho crescente de relacionamento institucional. Ele trocou muitas farpas com a mídia? Sim. Mas não teve nenhuma ação contra a mídia. Ele acaba sofrendo muito as consequências pelo excesso de sinceridade, de combatividade. Mas, efetivamente, é incapaz de tomar qualquer ação que não seja dentro das quatro linhas. 

O viés ideológico atrapalha o governo?
O que a sociedade está querendo é resultado. O resultado parte do pragmatismo. Você tem uma linha posta, que é liberal, pró-mercado, pró-business, e a partir daí você tem que agir com pragmatismo. Não dá para ser diferente.

O sr. crê ter mais preparo para participar da defesa do governo do que outro eventual candidato?
Talvez. Até porque acompanho, por uma questão de interesse, várias outras áreas. Acompanho de perto os ministérios da Economia e do Desenvolvimento Regional. De certa forma, muitas das entregas do governo eu tenho condições de reverberar.

O sr. mencionou que participou de três governos, o de Dilma Rouseff, o de Michel Temer e o de Jair Bolsonaro. Qual é a sua avaliação sobre cada um?
No governo Dilma, a grande falha foi o fato de ela não ter conseguido manter o pragmatismo do Lula. Ela acabou tragada pela ideologia. Houve uma mistura de ideologia com economia muito forte. Isso arrebentou o governo dela do ponto de vista econômico. Foi uma calamidade. O governo Temer foi muito interessante. Para mim, é o governo que marca o rompimento da era anti-business e inicia uma era pró-business. A partir dele, a gente começa a dar um salto e a atacar questões estruturais, com a aprovação da reforma trabalhista, a criação do PPI, a melhoria da governança. Era um governo muito organizado, de muito método. O governo Bolsonaro, para mim, dos três, é o que tem os melhores quadros e o melhor projeto. Foi um governo tragado por crises muito severas, mas que conseguiu dar boas respostas. Aquele caminho que começou a ser desenhado no governo Temer teve continuidade na gestão Bolsonaro. Uma coisa interessante do presidente que é pouco citada e passa ao largo da discussão é o fato de ele não ter descontinuado coisas boas que estavam acontecendo. Manteve equipes e projetos. E essa continuidade no serviço público é fundamental. Eu sou prova disso. Era dirigente no governo Temer e trouxe pessoas e projetos para cá.

E a gestão Lula?
Não participei da gestão Lula. Mas acho que foi um governo que perdeu oportunidades. Por quê? Naquela época, tínhamos ventos soprando de forma favorável. E deixamos de implementar reformas que poderiam preparar o Brasil para um salto estrutural. Havia uma relação de dívida-PIB de 30%, 35%, o que dá muita flexibilidade para fazer investimentos. Estruturalmente, ele poderia ter feito coisas relevantes, mas não atacou nada. Na época, se falava: ‘Puxa, tem um vento soprando a favor aqui’. Mas a onda passou e ficamos para trás. E mais: o desmantelo fiscal começa na gestão Lula, e é agravado no governo Dilma. No segundo mandato do Lula, se perdeu a régua da gestão fiscal. E a gente começou a gastar mais do que deveria. E não vou nem entrar na questão ética, na montagem de um esquema de corrupção sistêmica. Sofremos bastante com isso. Há chagas e feridas que estão abertas até hoje. Acho que essa foi a grande traição do PT ao povo. O povo depositou muita confiança no PT. Tinha um cara com uma história de vida muito interessante que chegou à Presidência. E, de repente, houve a traição. 

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Todos os partidos têm problemas. Todos, sem exceção”
Há uma tentativa de dissociar Lula de Dilma.
Não tem como. Ela já herdou um barco à deriva. Quando ela chegou, já estava entrando água no casco. O desastre começou no governo dele, não no dela.

No governo Dilma, o sr. assumiu o DNIT com a missão declarada de frear esquemas de corrupção do Centrão. Como é ver o Centrão no atual governo?
Todos os partidos têm problemas. Todos os partidos grandes. Todos, sem exceção. Não tem nenhum que não tenha. Acho que todo mundo aprende as lições e tem o direito de seguir uma nova linha. E a linha que eu vou é a minha. Eu, aqui, sou absolutamente intolerante. Eu criei uma área para tratar desse assunto. Meu chefe de gabinete é policial federal. Tenho dois delegados da Polícia Federal na minha área de integridade, tenho aqui gente da Abin e da CGU, porque sei que em obra sempre existe a possibilidade de haver problema. Pode ter problema? Lógico que pode. Não se consegue zerar os problemas. Mas atacamos o esquema sistêmico, de alimentação de partido, aquela corrupção de atacado. Não se acaba com o varejo. Porque aí é a atuação da pessoa lá na ponta, muitas vezes não tem como saber que o cara está cometendo irregularidade. Não há aqui um problema sistêmico, um grande escândalo como ocorreu na Petrobras, nos Correios. Mudou muito.

O sr. chegou a pedir desculpas a Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, o partido do presidente e provavelmente seu futuro partido, por críticas feitas a ele no passado em razão dos esquemas no DNIT?
A gente tem hoje uma boa relação.

Mas houve algum pedido de desculpas da sua parte?
Não, não.

O fato de Valdemar ter sido um dos cabeças do mensalão lhe causa algum constrangimento? Isso pode prejudicar a sua ida para o PL?
Já falei. Todo mundo tem problema. Todo mundo já apareceu em alguma coisa. E ninguém está a fim de fazer bobagem.

Mesmo com o desastre econômico e o histórico de corrupção, as mesmas pesquisas que colocam o sr. bem na disputa em São Paulo mostram Lula com vantagem em relação a Bolsonaro na corrida presidencial. O que explica isso?
O que estamos vendo é uma diminuição bastante acentuada e rápida dessa diferença, por uma série de fatores. Você tem a percepção de que a crise da Covid-19 está se exaurindo. Houve a entrada do Auxílio Brasil. Está havendo a entrega de resultados (pelo governo). Muitas previsões apocalípticas feitas no campo econômico acabaram desfeitas. No final das contas, o resultado fiscal surpreendeu. Se você pegar os primeiros resultados de indústria, comércio e serviços, verá que, provavelmente, todo mundo vai revisar previsões para cima. E isso, de certa forma, encurta a diferença entre Lula e Bolsonaro. Qualquer pessoa que faz antítese ao atual mandatário no momento de crise sai com vantagem, porque a associação é imediata. Lula estava jogando parado. Tudo o que ele faz é em ambiente controlado. Conta-se com a percepção das pessoas de que a vida piorou com as crises. Mas não é bem assim.

Lula não pode crescer quando passar a cumprir compromissos públicos?
Ele vai ter desgaste também. O discurso está ruim. Porque é só perguntar para as pessoas algumas coisas. Vem cá, você realmente quer o controle da mídia? Quer a revisão ou implosão do teto de gastos? Quer a intervenção nos preços da Petrobras? Quer a reversão da desestatização da Eletrobras, do Porto de Santos? Quer o fim da autonomia do Banco Central? É preciso mostrar para onde tudo isso pode nos levar.

O sr. acredita que a terceira via pode crescer?
Não. Esquece. É como no filme “O Auto da Compadecida”: ‘Não sei, só sei que é assim’. Não sei explicar ao certo, só sei que não tem espaço para candidaturas da terceira via. Zero chance de (Sergio) Moro estar no segundo turno. Acho que é uma questão matemática. Essa eleição vai confrontar os dois maiores líderes políticos da história recente do Brasil, os dois caras mais carismáticos, os dois caras que conseguiram juntar multidões e montar uma base fiel. O Lula tem uma base fiel que vai beirar os 30%, e tem o Bolsonaro que tem uma base fiel que vai beirar os 30%. Acabou o espaço para a terceira via. É matemática. O que esses dois caras têm? Carisma e autenticidade. São dois caras que olham no olho do povo e falam a língua do povo. Os outros? Esquece. Não conseguem. O segundo turno será entre Lula e Bolsonaro.

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