O vídeo da discórdia
João Doria havia reservado a última terça-feira, 8, para tocar uma agenda cheia em Brasília. Prestes a deixar o comando do estado de São Paulo para se lançar definitivamente na disputa pela Presidência da República, o governador embarcou cedo para a capital federal para uma série de encontros políticos relacionados às eleições deste ano. No meio do dia, o roteiro teve de ser interrompido. Doria foi surpreendido com o ressurgimento de um caso rumoroso que havia sacudido sua última campanha, às vésperas do segundo turno. Como revelou Crusoé naquela tarde, com um estranho atraso de quase quatro anos, a Polícia Federal dera um passo importante na investigação do vídeo com cenas de uma orgia sexual associado ao tucano, em 2018. Um inquérito instaurado naquele ano, a pedido do próprio governador, que queria a apuração do crime de “difamação eleitoral”, se transformara em um possível foco de problemas meses antes da corrida presidencial.
A reportagem mostrou que, em janeiro deste ano, a PF concluiu um laudo pericial no qual descarta ter encontrado “sinais de adulteração” no vídeo que viralizou nas redes sociais durante a campanha. A conclusão dos policiais se choca com a versão apresentada por Doria à época – ele havia dito que se tratava de uma montagem. Além disso, o delegado do caso chamou para depor uma assessora parlamentar apontada como uma das seis mulheres que aparecem no vídeo com um homem com feições semelhantes às de Doria. Inconformado com o ressurgimento do caso, o governador enviou a Crusoé uma dura nota acusando a PF de usar o caso para “propósitos políticos” às vésperas da campanha presidencial. “É revoltante que a Polícia Federal não tenha investigado os autores do crime em 2018. Agora, quatro anos depois do episódio, utiliza essa fake news não para elucidar o caso, mas para atingir a vítima desta armação sórdida”, afirmou. Procurada, a PF não quis se manifestar sobre as declarações do governador.
Enquanto Doria seguia em Brasília, onde teria encontros com parlamentares do Cidadania, partido que topou formar uma federação com o PSDB, em São Paulo o delegado encarregado do caso tomava o depoimento da mulher de 41 anos que seria uma das participantes do filme da orgia, gravado na noite de 11 de outubro de 2018 e vazado pelo WhatsApp cinco dias antes do segundo turno da eleição em que Doria derrotou por uma pequena vantagem de votos o então governador Márcio França, do PSB. A mulher em questão trabalha no gabinete de um parlamentar aliado de João Doria. O nome dela surgiu no inquérito depois de ser levado aos policiais pelo vereador paulistano Camilo Cristófaro, correligionário de Márcio França e desafeto do governador.
O depoimento da assessora não foi suficiente para dirimir as interrogações que continuam cercando a trama – as dúvidas envolvem desde as razões pelas quais a PF ressuscitou o inquérito tanto tempo depois, e às vésperas da corrida presidencial, até suspeitas sobre a possível manipulação de testemunhas com a finalidade de esconder a história por trás da gravação. O próprio depoimento da assessora é um exemplo do quão tortuosa é a trama. Horas antes de depor, a equipe que a acompanharia no interrogatório foi trocada, e por circunstâncias ainda não esclarecidas. O novo defensor disse ter sido indicado por um colega cujo nome não quis revelar. Ele negou ter relação com políticos citados na história.
O inquérito, ao qual Crusoé teve acesso, já passou pelas mãos de cinco delegados da Delinst, a delegacia que apura crimes eleitorais, de fake news a caixa dois de campanha. Trocas na condução de inquéritos costumam atrasar investigações. No início, a PF ouviu um agente de trânsito de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, que foi denunciado por compartilhar o vídeo da orgia em um grupo de WhatsApp de apoiadores do presidente Bolsonaro no mesmo dia em que as cenas viralizaram. Depois, os policiais chegaram a buscar informações, inclusive com os advogados de Doria, sobre quatro homens que foram presos colando cartazes com ataques a Doria em razão do filme. Alguns depoimentos – como o de Camilo Cristófaro, o vereador que levou para o inquérito o nome da assessora ouvida nesta semana – foram adiados mais de uma vez por causa da pandemia.
Em 2018, durante a campanha, Cristófaro explorou largamente o vídeo em suas redes sociais, para tentar minar a candidatura de Doria. O fato foi usado por Doria como argumento para acusar o ex-governador Márcio França, do mesmo partido do vereador, de estar por trás da suposta “fake news“. O governador disse ainda que França, seu ex-aliado, é um “desqualificado completo”. Em resposta, França, um dos artífices da filiação de Geraldo Alckmin ao PSB para ser vice na chapa de Lula, moveu um processo contra Doria por calúnia. Nesse vai e vem de acusações, o rumoroso vídeo da orgia tende a seguir movimentando o submundo da política.
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