AlexandreSoares Silva

A direita burra

18.03.22

Por patético que seja, esse episódio da indignação contra o filme do Danilo Gentili, Como se Tormar o Pior Aluno da Escola, serviu pelo menos para que eu parasse pra pensar em uma coisa na qual geralmente não presto atenção nenhuma: a direita burra.

Nunca comentei o assunto “direita burra” antes, porque não tem custo social nenhum. Não vou perder o emprego por falar mal da direita burra, nem ninguém nas festas que frequento vai me atirar um copo de espumante na cara. Como não tem custo social nenhum, é um pouco covarde fazer isso.

Mas hoje, neste momento, sei lá. A tentação é grande demais.

Grande parte da própria direita fica o tempo todo apontando para a parte mais burra da direita e zombando dela. “A direita é burra.”

Claro que a direita é burra. A burrice da direita é justamente o seu charme. Sempre foi. A direita sempre foi o comum da humanidade, a ralé, os simples, os simplões, os simplicíssimos. Sempre foi o ser humano que justamente por ser bem pouco instruído não cometia os erros dos apenas levemente mais instruídos, e, pelo contrário, era guiado pelo mesmo instinto natural infalível que guia os rabanetes e as chicórias, e impede as hortaliças de cometerem tolices e os nabos de aderirem a ideias evidentemente absurdas.

Deus protege os realmente burros das ideias venenosas, do mesmo jeito que protege os cavalos marinhos do socialismo fabiano ou os texugos da identidade de gênero. Olhar para a direita com zombaria e chamá-la de burra é a mesma coisa que ir ao zoológico, parar na frente da jaula do leão marinho e ficar chamando ele de burro, na frente da família de leões marinhos. Imagine alguém que se sentisse feliz por ser mais inteligente que uma lontra. Imagine alguém que risse de uma pomba porque ela não consegue conjugar os verbos do português direito. Que espécie de degenerado faria isso? De modo que até hoje me recusei a zombar da direita burra.

Meu cachorro às vezes rosna para os cachorros que vê na tevê. Ele confunde, portanto, a representação de algo com esse algo, exatamente como o secretário especial de Cultura do governo federal Mario Frias e o pastor Marco Feliciano. Mas existe algo pouco natural na burrice desses dois do qual o meu vira-lata caramelo é incapaz. Depois de algum tempo rosnando para o cachorro na tela, o meu cachorro relaxa e deixa de prestar atenção. Ele não fica dias inteiros indignado com a presença de um cachorro num filme. Mas a burrice da direita brasileira é reforçada por fingimento: são burros, mas também fingem que são burros. Eles acham que o filme do Danilo Gentili tem uma cena pró-pedofilia, mas ao mesmo tempo estão fingindo por motivos políticos que acham isso. É um paradoxo, mas eles realmente acham e fingem que acham ao mesmo tempo. São hipócritas sinceros. É um fenômeno estranho, uma nova mutação da burrice na natureza, o burro que acha que precisa fingir que é burro para sobreviver no seu habitat.

É engraçado ver os pecados mais abominados por cada lado ideológico. Cada um escolheu um pecado específico para odiar mais. Ou talvez não tenham escolhido, sortearam. Tiraram o resultado de um saquinho de estopa. Mas o fato é que a direita abomina a pedofilia acima de tudo, e a esquerda o que ela considera uma heresia no momento.

A direita abomina a pedofilia. Está certa nisso, obviamente, e só a impossibilidade total de dizer com a cara séria que a esquerda abomina a pedofilia já é uma condenação contra a esquerda. Se eu dissesse que a esquerda se caracteriza por odiar a pedofilia, tem alguém que não riria?

Mas a consequência disso é que a parte burra da direita (praticamente todo mundo menos eu e uns amigos) vê pedofilia em todo lugar, inclusive e principalmente na representação artística ou piadística da pedofilia. Já a esquerda, que às vezes parece condenar a pedofilia de modo perturbadoramente ambíguo, e só parece ser capaz de condenar de modo descomplicado o relacionamento de mulheres de 20 ou 30 anos com homens mais velhos, também confunde a representação artística de algo com esse algo. Mas não no caso de pedofilia, isso jamais; isso seria filistinismo. Só no caso de racismo e sexismo.

Para eles, um filme que tenha um personagem racista é um filme racista; e se, em um livro, um autor colocar na boca de um personagem racista as palavras que um personagem racista usaria, esse autor é racista. São Marios Frias do racismo, e Marcos Felicianos do sexismo.

São um pouco (muito, muito pouco) mais instruídos que a direita burra. Fazem mestrado, doutorado etc., ou pelo menos pensam em fazer. Mas esse muito pouco a mais de instrução que recebem só serve, afinal, para que aceitem com facilidade e mansuetude ideias tão loucas e cretinas que não enganariam a direita burra nem por um segundo.

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