Carlos Fernandodos santos lima

As vanguardas do atraso

18.03.22

A atual discussão política sobre a economia brasileira, especialmente sobre os preços dos combustíveis, a inflação e o papel da Petrobras, lembra a frase de Chesterton sobre progressistas e conservadores: “O papel dos progressistas é continuar cometendo erros. O papel dos conservadores é evitar que os erros sejam corrigidos”. Para nosso mal como país, nenhum dos dois lados, progressistas e conservadores, quer pagar o preço inevitável para a correção dos rumos de nossa economia e sociedade, mas apenas desejam atingir o poder pelo poder.

Assim, se de um lado temos o engodo do atual governo, vendido como liberal durante a campanha eleitoral, mas que realmente nunca passou, pelo menos na  cabeça do presidente Bolsonaro, de um sindicalismo militar, um conservadorismo não inteligente confusamente orientado pela propaganda desenvolvimentista dos governos da ditadura, de outro temos a equivocada esquerda em sua oposição, cujo paradigma é Lula, outro sindicalista que vê o futuro pelo retrovisor, a insistir em uma agenda progressista – se é que estatização é realmente um progresso – que nos conduzirá inevitavelmente ao passado.

Aliás, ver as imensas filas em postos de combustíveis neste início de março – logo após o anúncio do aumento de preços dos derivados de petróleo feito pela Petrobras – lembrou inevitavelmente às nada saudosas épocas dos choques do petróleo, bem como a dos governos Sarney e Collor, com suas filas para compra de produtos básicos como leite e carne. Quem viveu aquela época sabe bem que o fundo do poço tem subsolo e que a criatividade dos políticos brasileiros para empurrar problemas (conservadores) ou repetir à exaustão erros do passado (progressistas) é inesgotável.

E uma das causas dessa desqualificação de nossas lideranças é a fragmentação política brasileira, com sua trupe de deputados e senadores que pensam e se comportam como vereadores desinformados de um município pobre, que só fazem disputar as rendas da União como um bando de piratas diante de um butim pilhado. A política brasileira move-se por dinheiro e poder, e não por princípios, e o político é respeitado por sua capacidade de fazer dinheiro para a sua campanha e as de seus aliados, não por sua liderança moral. Os encontros de nossa elite política para discutir o futuro do país fariam corar uma dona de bordel, infelizmente.

Essa classe política que nos governa, sejam conservadores ou progressistas, aposta na desinformação, na memória curta, no maniqueísmo e nos interesses que movem boa parte de nossa elite intelectual e empresarial. Estamos em uma época em que mentiras são repetidas à exaustão nas redes sociais, uma rede de fofocas onde a reverberação de preconceitos faz com que relativamente pequenos grupos de mal-informados ouçam sua própria voz repetidamente, fazendo-os acreditar que representam a voz da maioria da população e não apenas o seu entorno.

Esse fenômeno acaba por envolver tanto simpatizantes da esquerda quanto da direita. Nossa elite política aproveita-se de um maniqueísmo simplista do nós contra eles, um Fla-Flu em que multidões são manipuladas no ódio ao outro, no enfrentamento cego às ideias de outras fontes que não as dos seus “influenciadores”. Não há diálogo, construção de alternativas ou sequer compreensão da perspectiva do outro, mas apenas oposição de rótulos e agressões.

Junte-se a esse indigesto ambiente social a incapacidade do brasileiro em suportar o custo de decisões que realmente resolvam nossos problemas mais urgentes. Queremos soluções milagrosas em que possamos transferir o preço do benefício ao estado, um ente desconhecido que milagrosamente produz dinheiro, segundo a crença da maioria. Dessa forma, criamos um país da meia-entrada, dos benefícios sem contrapartida aparente, normalmente beneficiando quem menos precisa à custa dos mais pobres.

Assim é com a Petrobras, uma estatal petrolífera que, sob o discurso tolo e datado do “petróleo é nosso”, esconde uma porca de muitas tetas a serem mamadas por agrupamentos de poderosos de plantão. John D. Rockfeller dizia que o segundo melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo mal administrada, e parece ser essa a sina de nossa estatal. Se administrada como empresa listada em bolsa que é, com milhares de acionistas confiantes na sua boa governança, com observância das melhores práticas, inclusive sociais e ambientais, a Petrobras viraria alvo de conservadores e progressistas, pois nenhum dos dois lados realmente deseja o certo, mas fazer valer sua cegueira ideológica contra fatos.

Foi o que aconteceu no governo Lula, em que a Petrobras foi saqueada para comprar poder para o Partido dos Trabalhadores. Lula, crente naquela memória curta dos brasileiros, no público maniqueísta e anti-Bolsonaro, quer fazer valer as mesmas políticas equivocadas (ou melhor, de má-fé) que orientaram seu governo anterior em relação à estatal. Lula hoje esbraveja contra as sanções aplicadas pelos americanos contra a Petrobras, mas foi ele quem em 2010 celebrou o processo de capitalização da empresa, com colocação de papéis da estatal nas bolsas de São Paulo e Nova York. A estupidez e arrogância de seu governo foi acreditar que poderia vender papéis para investidores americanos e, ao mesmo tempo, roubar a estatal como uma daquelas empresas de água de municípios administrados por governos petistas.

É claro que devemos discutir o motivo pelo qual mantemos empresas estatais, considerando especialmente que esse modelo estatista é ultrapassado, incapaz de trazer os benefícios esperados e sujeito historicamente a ser sequestrado por interesses menores, especialmente políticos. É claro que os investidores precificam a natureza estatal dessas empresas e que, portanto, não são assim tão “ingênuos” ou “vítimas” das manipulações políticas de preços, da má-gestão e da roubalheira comum nessa espécie de empreendimento, mas isso por si só não justifica a manutenção de um negócio mal governado nas mãos do estado.

Há muitas perguntas que deveriam ser feitas aos nossos candidatos, mas o certo é que as respostas vão buscar soluções populistas em que, como em outras crises, o custo a ser pago pela crise da guerra entre Rússia e Ucrânia vai ser escondido e repassado para a população indiscriminadamente. Vão acabar criando subsídios ao uso de combustíveis fósseis que serão suportados desproporcionalmente pelos mais pobres. Não existe almoço grátis, quanto mais combustível barato nestes novos tempos. São tempos de mudança, de novas formas mais limpas de energia, mas continuamos pensando que o país do futuro se move exclusivamente a diesel.

É preciso saber que empresas estatais são uma péssima forma de se investir dinheiro dos contribuintes. São sorvedouros glutões de recursos públicos que pensam em sedes nababescas, em planos de carreira generosos para seus funcionários e em como atender os interesses políticos dos governos de plantão. Políticas públicas devem ser desenvolvidas pelo governo por meio de mecanismos outros, muito mais eficientes na produção de resultados, como reservas estratégicas adquiridas em tempos de bonança ou distribuição direta de renda para os mais necessitados, evitando criar máquinas na melhor hipótese ineficientes, mas normalmente geradoras de corrupção. O que fica evidente é que os conservadores de Bolsonaro não querem corrigir esse mal, desfazendo-se dessas empresas, enquanto os progressistas de Lula desejam estatizar o máximo possível. Diante disso, corremos o risco de novamente o governo ter que cercar bois no pasto, num contexto de inflação e desabastecimento.

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  1. O único jeito saudável de se deixar refém do sistema e dos sugadores de empresas estatais é privatizando-as! Assim, teremos importantes destinos de seus interesses à iniciativa privada, que com investimento próprio, fará com que a Petrobras, uma empresa de energia não moderna, sobreviva ao futuro! Abraços

  2. Carlos Fernando mais uma vez dissecando nossa realidade política e social de forma brilhante e objetiva. Eu gostaria de divulgar essa coluna, peço me informar como fazer isso. Obrigado. Wolf

  3. Percebemos que os responsáveis pela condução do país, no sentido de identificar e atender as demandas e necessidades de seu povo, não tem tempo para fazê-lo enquanto brigam por verbas, cargos e emendas, todas no sentido de satisfazer às próprias necessidades.

  4. Excelente texto do Dr Carlos Fernando! Perfeita análise, como sempre! É uma pena que não possamos divulgar para pessoas de mente limitada…

  5. Dr Carlos é uma mente brilhante. Vejo gente graduada dizendo: 'fechado' com o mito, ou com o lula. Projeto de país requer análise profunda, igual do Dr Carlos. Mas no Brasil o eleitor quer sempre 'fechar' com alguém, e aguardar teta leitosa.

  6. Mais uma vez, o caro procurador nos brinda com um detalhado, completo e realístico retrato da nossa pobre realidade socioeconômica e política, um retrato devastador de como a ganância, estupidez e cegueira na nossas elites estão cavando um buraco que nos arrastrará a todos junto com elas.

  7. O Sergio Moro precisa falar claramente com o povo sobre estatais e citar o desenvolvimento, bons serviços e preços muito mais baixos para o cliente, de empresas privadas que competem entre si. MS

  8. Perfeita foto da atual política brasileira! Como mudar isso? O que há de errado com nossa estrutura política? Como faremos para que os políticos que elegemos comecem a trabalhar para seus eleitores e transformem o nosso Estado para que tenhamos EDUCAÇÃO DE QUALIDADE (parece que não se dá a mínima importância para o tema nas campanhas ou mesmo nos meios de comunicação! É assustador), Saúde e Segurança?

  9. Ou Moro avança ou teremos de nos conformar com toda má intenção de grande parte de políticos que hoje dizem nos representar!!So DEUS NESSA CAUSA -acorda brasileiros de bem!!!

  10. exatamente isto. Menor o estado maior a distribuição de renda e a conta é simples. O dinheiro q vai para a manutenção da máquina ineficiente pode ir diretamente para os q realmente precisam.

  11. Que logo chegue ao fim esse apocalipse. Que o Moro vença as eleições, senão estaremos num apocalipse sem fim. (Tenho até medo de pensar)

  12. Sempre mto real seus artigos! Enqto tivermos uma população ignorante e outros que não conseguem diacernir; teremos conservadores e progressistas saqueando a população!

  13. Que pena que a maioria do povo brasileiro se deixe enganar por falsos politicos que so querem mamar nas tetas da porca publica, acumulam milhoes que nao conseguem nem gastar. O povo bem que poderia se informar e se capacitar politicamente pra saber separar o politico que presta do que nao presta, estudar sobre sociedade e politica pra ter discernimento na hora de votar. Ou entao retornaremos pra era Sarney, inflacao de 80% ao mes, supermercados desabastecidos e a policia pegando boi no pasto.

  14. Como sempre, um artigo lúcido sobre o Brasil e seus políticos. Carlos Fernando deveria se candidatar ao Congresso nas próximas eleições. Nunca foi tão necessário termos representantes inteligentes, cultos e, principalmente, honestos em Brasília.

  15. Parabéns! Ponto de vista irretocável, verdadeiro e cruel! Esse é o "brasiu" povo ignorante elegendo políticos desonestos e incompetentes.

  16. Parabéns pelo artigo. Quando o Lula e o PT diziam: "A Petrobrás é nossa", após a Lava Jato isso ficou claro: "nossa" = do PT. É Moro ou nulo. Votar em Bolsonaro é eleger o Lula.

  17. texto perfeito em relação ao conteúdo: empresas estatais têm sido usadas, com meios lícitos ou não lícitos, pelo governo de plantão pra garantir apoio aos governantes. Precisamos trocar essa música. #nemlulanembolsonaro

  18. Sempre excelentes os artigos do Carlos Fernando dos Santos Lima, que seria um grande nome para concorrer ao Senado ou à Câmara dos Deputados! Precisamos de pessoas como ele no parlamento, inteligentes, honestas e que desejam o melhor para o país!

  19. Na minha visão pessoal, no caso brasileiro, progressistas e conservadores, são mais do mesmo, ou seja, patrimonialistas de raiz, posando sob esse ou aquele matiz ideológico. No fundo, só querem ficar, ou permanecer, ricos. Voces conhecem algum politico pobre?

  20. Triste e o fato de concordar com a visao, muito bem exposta, no texto e saber que somente uma minima parcela da populacao tambem pensa assim. Os 7% que escolhem votar em Moro para presidente.

  21. excelente MAS a CF/88 foI feita para elites sob falsa premissa da liberdade e tornou o país ingovernável Com o Estado esmagado por um nomeado poder ditador que submete outro pelo terror e o executivo reluta em usar a defesa institucional do Art 142 que pacifica a nação pela lei só que o congresso nacional desmoralizado teria de atuar decisivamente e não tem força .. perdeu o governo na pandemia e situação de calamidade a chance de reestruturar a economia .. o pior pode estar por vir? aguardem.

  22. Uma boa leitura da conjuntura politica desse país, parabéns! Agora, só para não perder o foco: Moro/2022!

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