ReproduçãoBia Kicis e Carla Zambelli com Bolsonaro: a cantilena de 2018 não poderá ser repetida neste ano

O fiasco dos arautos da ‘nova política’

Congressistas bolsonaristas eleitos em 2018 com a promessa de mudar ‘tudo o que está aí’ tiveram atuação marcada por vazio de propostas, abuso nos gastos públicos e abandono da pauta anticorrupção
18.03.22

O pretenso discurso anti-establishment insuflado em 2018, em razão da desilusão do eleitorado com a classe política, não serviu apenas para alçar Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto. Na esteira da onda bolsonarista, mais de 50 representantes da autodenominada “nova política” foram eleitos com a promessa de mudar a cara do Congresso. À imagem e semelhança do seu líder político, esses aliados desembarcaram em Brasília estridentes. Munidos do bordão “a mamata acabou”, prometeram usar o dinheiro público com racionalidade e sensatez e apresentar projetos coerentes com os anseios do eleitorado que os elegeu. Para justificar o alinhamento automático ao presidente eleito, os novatos venderam a tese de que o governo era a única alternativa para evitar a repetição de práticas condenadas pelas urnas, como o toma lá dá cá, origem dos principais escândalos de corrupção até então. Na visão de parte da população, era uma demonstração de que, finalmente, o Parlamento brasileiro tinha mudado de feição — e de postura.

Mais de três anos depois, no entanto, prevaleceu a máxima lampedusiana de que “tudo deve mudar para permanecer como está” – ou, em muitos casos, até mesmo piorar. Além de os bolsonaristas terem se transformado numa mera caixa de ressonância dos devaneios do presidente no Congresso, a atuação dos fiéis apoiadores de Jair Bolsonaro foi marcada por um vazio de propostas, gastos elevados com viagens e despesas injustificáveis de gabinete. Os discursos anticorrupção e em favor da Lava Jato também viraram palavras ao vento. Não bastasse ter deixado esfriar o debate sobre a prisão após condenação em segunda instância, pauta que outrora parecia ser cara ao presidente, a base aliada ao Planalto usou e abusou do “orçamento secreto”, uma espécie de mensalão 2.0, e votou em peso a favor da proposta que desfigurou a Lei de Improbidade Administrativa. Bolsonarista-raiz, a deputada Carla Zambelli chegou a ir às redes defender o projeto e elogiou o trecho que excluiu a possibilidade de condenação de agentes públicos pelos chamados atos culposos. “Como estava, a lei afugentava pessoas decentes de exercer cargos públicos, porque pagavam por erros alheios às suas ações”, escreveu.

Enquanto tentaram descaracterizar propostas de combate à corrupção, os representantes da suposta nova política apresentaram projetos de lei inexequíveis e/ou absurdos, alguns deles pura e simplesmente para agradar à militância, como o que defendeu a inscrição do nome do ideólogo Olavo de Carvalho, morto em janeiro deste ano, no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria e o que quer barrar “atividades político-partidárias” em universidades públicas.

Paulo Sergio/Câmara dos DeputadosPaulo Sergio/Câmara dos DeputadosO deputado Bibo Nunes aluga carros de luxo com verba de gabinete
A maioria das propostas protocoladas pelos bolsonaristas apenas reverbera o que diz e faz o presidente. Por exemplo, após os primeiros ataques do Planalto às urnas, ainda em 2020, o deputado Daniel Silveira propôs que a Justiça Eleitoral suspendesse a proclamação dos resultados das eleições caso houvesse “identificação de violação indevida, por mecanismos cibernéticos, das estruturas” dos equipamentos eletrônicos. Vago, o projeto estabelecia que a medida poderia ser adotada por requerimento de partido, coligação ou candidato. Neste mês, foi a vez de Zambelli repetir o modus operandi. Depois de o presidente criticar um grupo de manifestantes que invadiu uma igreja em Curitiba para protestar contra o assassinato do congolês Moïse Kabagambe no Rio, a deputada apresentou proposta para inserir no Código Penal um capítulo que tratava de “crimes contra o sentimento religioso”. A proposta prevê pena de até dois anos de prisão para quem impedir ou perturbar cultos.

Na prática, muitos dos novos congressistas que chegaram prometendo revolucionar a política passaram a reproduzir nos projetos apresentados os discursos de Bolsonaro, para usá-los como trampolim político e permanecer em evidência. “Eles prometeram coisas que não eram passíveis de ser cumpridas. É uma forma de ter endosso público, aparecer na foto e dizer que fez”, diz o professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo Glauco Peres. “Para além da sandice pura e simples, eles não imaginavam a dificuldade que é para aprovar leis, ainda mais sem o engajamento do Executivo. As propostas são uma tentativa de manter a rede viva, porque o assunto rende, os nomes deles aparecem”, emenda.

A maneira de atuar em total consonância com o que é ditado pelo presidente fica ainda mais clara nas comissões da Câmara presididas pelos deputados ligados ao Planalto. Os colegiados tornaram-se uma extensão do famoso cercadinho do Palácio da Alvorada, onde o presidente desfia absurdos diariamente para inflamar sua militância. Comandada por Bia Kicis, a Comissão de Constituição e Justiça tem sido palco para a propagação de fake news relacionadas à pandemia, ataques a ministros do Poder Judiciário e impropérios de toda ordem contra adversários políticos. Já a Comissão do Meio Ambiente, presidida por Zambelli, avançou na agenda antiambiental, com a aprovação de propostas como a que dificulta a criação de novas unidades de conservação e a que liberou a prática da vaquejada como esporte.

Zeca Ribeiro/Câmara dos DeputadosZeca Ribeiro/Câmara dos DeputadosMajor Vitor Hugo: viagem à Europa em classe executiva
O baixo desempenho da turma na produção legislativa é inversamente proporcional à gastança de dinheiro público, bem na contramão do discurso de campanha. Contrariando a retórica de austeridade utilizada em 2018, o grupo de 22 deputados que migrou para o PL juntamente com Bolsonaro, na janela partidária, torrou 23,1 milhões de reais em verbas da cota parlamentar de 2019 para cá, para custear despesas com alimentação, aluguel de carros, divulgação do mandato, passagens aéreas, combustível e afins. Além disso, o deputado Bibo Nunes gastou, sozinho, mais 1 milhão de reais. O congressista, que se filiou ao partido de Valdemar Costa Neto um pouco antes do presidente, é o mesmo que alugava uma BMW 320i com dinheiro público, conforme revelou Crusoé. Questionado, ironizou a despesa: “Meu padrão de vida é esse. Meus carros sempre foram BMW, Porsche… Quem não gostar, que vá ‘enxugar gelo’. Para mim, é comum isso desde que eu nasci”. Hoje, o deputado usa a verba indenizatória para circular pela capital federal em um Audi A-4.

Ao longo dos últimos anos, os bolsonaristas também não fizeram questão de economizar em viagens internacionais feitas pretensamente para cumprir missões oficiais. Em 2019, o deputado Major Vitor Hugo voou em classe executiva para a Europa, onde participou da reunião da Rede Parlamentar Global da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico — não se sabe até hoje quais benefícios a reunião trouxe para o país. As passagens custaram 19.597 reais. À época, ele recebeu 8.966 reais em diárias, que são uma espécie de ajuda de custo para pagamento de despesas com hospedagem, alimentação e locomoção.

Apesar do abismo entre o discurso e a prática, Bolsonaro nutre a expectativa de conseguir eleger uma bancada fiel e ainda mais numerosa no Congresso neste ano – com a diferença, claro, de que agora a cantilena de “nova política” não poderá ser repetida. Ao longo da semana, o PL do presidente ultrapassou a União Brasil e se tornou a maior legenda em número de assentos no Congresso. “O eleitor tem pouco material para acompanhar a produtividade de parlamentares. Então, vota por identificação com as pautas e com o principal cabo eleitoral desses nomes, que é o presidente. Por isso esses deputados legislam olhando para o próprio umbigo”, critica Carlos Ranulfo, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais.

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