MarioSabino

O marquês que sacou a Rússia

18.03.22

No final de 2020, publiquei um artigo intitulado Os Maricas, no qual comentei o elogio de Vladimir Putin à atuação de Jair Bolsonaro na pandemia. O tirano russo afirmara que, durante a crise sanitária, o presidente brasileiro vinha expressando “as melhores qualidades masculinas e de determinação”, porque Jair Bolsonaro havia buscado “a solução de todas as questões, antes de tudo, na base dos interesses do seu povo, do seu país, deixando para depois as soluções ligadas aos problemas de sua saúde pessoal”. Considerando que Vladimir Putin, de quem o presidente brasileiro virou tchutchuca, hoje só conversa a cinco metros de distância dos seus interlocutores, por medo de pegar Covid ou ser assassinado, infere-se que ele não tem “as melhores qualidades masculinas e de determinação”. Aliás, como já havia dito no artigo de 2020, o seu método de envenenar inimigos era mais feminino do que masculino.

Quase um ano e meio depois, Vladimir Putin invadiu a Ucrânia e, agora, dedico-me a escrever sobre esse fato que mostra o quão ilusória era a visão de que, com a queda do império soviético, a racionalidade econômica prevaleceria sobre as irracionalidades nacionalistas e ideológicas. Se relembro o artigo Os Maricas, não é para abordar a visão de masculinidade de Vladimir Putin, mas para recuperar um personagem que citei na ocasião: o Marquês de Custine. Disse lá pelas tantas que “Vladimir Putin é a expressão de um país que jamais conheceu a democracia de fato, seja na monarquia, no comunismo ou depois do fim da Cortina de Ferro. Um dos que melhor definiram a Rússia foi o Marquês de Custine, aristocrata francês que viveu entre os séculos XVIII e XIX, era amigo de Honoré de Balzac e esteve por lá em 1839. Ele escreveu que ‘o governo russo é a ordem da cidade substituída pela disciplina do acampamento, o estado de sítio transformado no estado normal da sociedade’.  As opiniões do Marquês de Custine incomodaram tanto o tzar que ele contratou gente para escrever livros que refutavam a sua visão. Quando se conseguem depurar os seus escritos do racismo e da xenofobia, sobra uma verdade que vem se demonstrando irrefutável”.

Vladimir Putin cresceu alimentado pelas potências ocidentais, como já observei aqui na Crusoé, mas também pelo servidão voluntária dos russos, as poucas exceções confirmando a balalaica geral. Quando ocorreram grandes revoltas por lá, elas foram apenas para trocar de tirano. Essa servidão foi identificada pelo Marquês de Custine, com uma precisão que julgo preciosa, no seu livro de 1839 sobre o país que visitou:

“Na Rússia, o medo substitui, isto é, paralisa o pensamento. Esse sentimento, quando reina só, pode apenas produzir aparências de civilização. Onde a liberdade falta, faltam a alma e a verdade.”

O Marquês de Custine também antecipou Lenin, Stalin e Vladimir Putin, este último com a sua máquina de produção de fake news, compra de políticos ocidentais e interferência em eleições democráticas e na política interna dos países:

“A Rússia vê na Europa uma presa que lhe será entregue cedo ou tarde pelas nossas dissensões. Ela fomenta entre nós a anarquia, na esperança de aproveitar-se de uma corrupção favorecida por ela, porque é favorável a suas intenções.”

O Marquês de Custine deveria ser leitura obrigatória para os líderes ocidentais que precisam se haver com a Rússia. Ele sacou o país há quase 200 anos. Já o tchutchuca brasileiro de Vladimir Putin pode prosseguir másculo e determinado no caminho da ignorância. Não faz a menor diferença para ninguém.

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  1. O tchuchuca brasileiro não lê. Nem escreve. E, quando abre a boca para falar, é muito mal-sucedido. Resumindo: ele não pensa.

  2. Adorei o seu artigo, Mario Sabino, sobretudo as citações do sagaz Marquês de Custine sobre a alma russa e a amarração com o anterior artigo “Os Maricas” (deve ser impagável, vou ler!).

  3. Extraordinário resgate do perspcaz Marquez sobre o povo russo. Pitonisa, ele, brilhantemente exposto por você previu o mafioso Putin que há 20 anos domina esse povo-cordeiro. Pelo medo. Por sinal o medo é a pior doença do sapiens. O humilha e o coloca de joelhos. Para Deuses (existe?) e “deuses”.

  4. Sabino é brilhante quando expressa seu desprezo por aquela coisa que chamamos, por enquanto, de presidente.

  5. o Putin cometeu um erro letal: as oportunidades estão no futuro e não no passado. o problema das oportunidades no futuro é que elas são muito desafiadoras, pelo menos para ele!

  6. Análise precisa. Acrescento fazendo um paralelo com a China. Se vivo o marquês de Claustine faria essa mesma considerações em relação China. Se é que ainda da tempo,os líderes do Ocidente tem que minar a China.

  7. Obrigada, Mario, pelos seus artigos. Sempre compro os livros que você menciona e nunca decepcionei-me. Decepcionante é ver a fraqueza e falta de liderança inteligente dos políticos europeus e americanos. Como permitiram que um idiota bufão como o Putin agisse tão livremente para espalhar o mal?MS

  8. Putin calculou mal. Sem saída, julgo estar cada dia mais atormentado. Lá como aqui, a política atrai os piores representantes da raça humana. Lá como aqui, quem se ferra é o povo.

  9. Por enquanto não existe vida eterna e cedo ou tarde alguma besta diabólica levará Putin p/ o inferno ou apocalipse, esperamos que não seja um apocalipse nuclear....

  10. Seu balanço retroativo e histórico, fundamenta o pavor do mundo pelo discurso de Putin hoje aos russos, ao vivo e aberto, enaltecendo A FORÇA QUE ELE HOJE SABE QUE TEM…

  11. Mário, excelente! Os perfis maricas de Putin e seu tchutchuca estão agora mais eloqüentes, de tão evidentes. Acerca da servidão voluntária e do "estado de sítio transformado no estado normal da sociedade" e a disciplina de acampamento substituindo a ordem das cidades, parece que é o sonho maior do Bozo.

  12. Bom dia, Mario. Você se lembra da Rogéria, não é? Aquele travesti que esteve na moda décadas atrás. Certa feita, em uma entrevista, acho que para o Pasquim, foi lhe perguntado se ela, ou ele, conhecia muito enrustido. Rogéria respondeu algo mais ou menos assim: "Conheci muitos. Todo homem que se aproxima de mim falando alto, dizendo que faz isso e aquilo, cantando de macho, eu penso logo: Lá vem mais um. Não dá outra." Isso lembra a você um certo presidente, com um pega-rapaz na testa?

    1. Zé Maria, vc assistiu a Beleza Americana? O milico enrustido de lá e o milico de cá, sem tirar nem por (sem trocadilho, por favor).

  13. O povo russo é um dos mais sofredores do planeta. Nunca conheceram a liberdade e sempre viveram subjugados ou por tzares ou por tiranos. Na vida prática sofrem com o frio extremo, com a pobreza e com a falta de oportunidades. Homens se embriagam, mulheres se prostituem e apenas um grupelho de oligarcas se dá bem. Definitivamente, não são um povo feliz.

    1. Realmente sofrem, mas infelizmente a mim me parece que também são um povo fraco de carater, subserviente. É triste, mas acho que são covardes mesmo, aceitam tudo. Matam e morrem para defender tiranos, nunca para defenderem o próprio povo. Os tiranos só trocam de nome... czares, stalin, kgb, putin... e eles aceitam tudo. Muito triste. Talvez agora repitam 1917 e tomem o palácio de inverno quando acabar o pão!!!

  14. Mário, desde q eu encontrei sua coluna na Crusoé e "identifiquei" seu nome nos artigos d'O Antagonista, descobri um novo passatempo! (Vou p leitura c tanta ansiedade qto ia p os gibis q eu comprava juntando dinheiro por muito tempo - o máximo q dava eram 4 e sobrava um troquinho). Hj eu fiquei pensando q se pudesse voltar no tempo (c a kbça q tenho agora), iria explorar vários outros cantos da biblioteca! Ñ sei como encontrar as pérolas sobre as quais o sr escreve, mas agradeço d+ p reparti-las!

  15. O pior de tudo isso é que tudo isso foi dito nos 1800 passaram-se mais de 200 anos e nada mudou. O pior do pior é que teremos mais 200 anos pela frente sem nada disso mudar.

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