ReproduçãoElizaveta, a filha do porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov: apartamento luxuoso em Paris

A caçada à fortuna dos oligarcas russos

Com forças-tarefas e a ajuda de ferramentas colaborativas na internet, iates suntuosos, jatinhos, mansões e contas de bilionários aliados de Putin são localizados e imobilizados. A meta é debilitar a elite que apoia a invasão da Ucrânia
25.03.22

A invasão da Ucrânia completou um mês na última quinta, 24. Para os oligarcas russos, pareceu mais. Nesse período, eles experimentaram, como nunca antes, o papel de alvos de uma intensa caçada. Tiveram seus iates luxuosos e jatos privados bloqueados, foram impedidos de entrar nos Estados Unidos e em países europeus e não podem mais enviar ou receber valores pelo sistema bancário tradicional. Com suas fortunas congeladas, agora são incapazes de pagar até mesmo a conta de luz de suas mansões ou contratar um jardineiro. A caça ao patrimônio dos milionários e bilionários é parte de uma operação internacional sem precedentes.

Nesta quinta, 24, o número de oligarcas na mira das medidas de embargo baixadas pelas potências ocidentais, que até então era contado em dezenas, passou para centenas, com o anúncio do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de que estão em curso sanções contra 400 integrantes da elite russa, incluindo deputados e executivos da indústria de defesa. “Eles ganham pessoalmente com as políticas do Kremlin e devem compartilhar a dor“, escreveu Biden nas redes sociais. O objetivo final é colocar a elite política e econômica russa contra o presidente russo Vladimir Putin, para forçá-lo a desistir da guerra que já matou cerca de 900 civis e mais de 8 mil soldados.

Os europeus foram ágeis para imobilizar iates de luxo em seus portos. Essa classe superior de iates, aqueles que geralmente têm mais de 40 metros de comprimento, é uma das paixões dos oligarcas, tanto que os russos são proprietários de 10% da frota mundial. Uma das embarcações que foram bloqueadas neste mês pertencia a Igor Sechin, presidente da Rosneft, a maior empresa de petróleo da Rússia. Conhecido como o “Darth Vader” do país, por suas maquinações contra desafetos e por sua influência junto a Vladimir Putin, ele mantém contatos diários com o presidente. Seu iate, o Amore Vero (amor verdadeiro, em italiano), tem 86 metros de comprimento e é avaliado em nada menos que 120 milhões de dólares. A bordo, há uma piscina que pode se converter em heliponto.

Assim que começou a figurar nas listas de sanções dos Estados Unidos e da União Europeia, Sechin ligou para o capitão do Amore Vero e ordenou que ele levasse a embarcação o mais rápido possível para a Turquia, país que não aderiu às sanções e tornou-se um porto seguro para os endinheirados. O iate estava ancorado em um porto francês, perto de Marselha, para receber manutenção. Nem deu tempo de o capitão cumprir a ordem de seu patrão. A embarcação foi apreendida pela polícia francesa no dia 3 de março. Vinte dias depois, a França ainda bloqueou dois iates de Alexei Kizmichev, outro magnata russo que mantém boas relações com Putin.

ReproduçãoReproduçãoIgor Sechin com Putin: oligarca da nova geração coordenou serviços de segurança
A Itália, por sua vez, conseguiu sequestrar o Lady M, de Alexei Mordashov, e outro iate de Gennady Timchenko. Ambos têm participação no Banco Rossiya, a instituição financeira preferida dos altos dirigentes do Kremlin. Depois da anexação da península ucraniana da Crimeia, em 2014, o banco abriu agências na região, o que os beneficiou diretamente. O Rossiya também tem participação no National Media Group, que controla os canais de televisão apoiadores do regime russo. São, portanto, dois oligarcas que estão envolvidos diretamente na guerra de informação que a Rússia tem travado para justificar suas atrocidades.

Entre os alvos mais conhecidos das sanções está o bilionário russo Roman Abramovich, dono do Chelsea, um dos principais times do futebol inglês e atual campeão mundial. Com sua fortuna congelada, ele foi afastado da direção pela federação do país e pôs o clube à venda. Abramovich, agora, planeja comprar outro time, desta vez na Turquia. É o Goztepe, que está na 18ª posição no campeonato nacional e pode ser rebaixado. Um dos iates do oligarga, o Solaris, de 600 milhões de dólares, estava bem próximo à costa da cidade de Bodrun, também na Turquia, mas não demorou para que integrantes da seleção juvenil de vela da Ucrânia, de passagem pelo país, entrassem em um bote e tentassem impedir que ele aportasse. “Vá embora, navio russo”, gritavam os esportistas ucranianos, em uma cena emblemática da caçada aos bilionários amigos de Putin. Abramovich também teve problemas com seu jato particular no aeroporto de Tel Aviv, em Israel. O governo do país, onde ele tem cidadania, decidiu que os aviões de propriedade de alvos de sanções não poderiam permanecer mais de 24 horas em solo. Abramovich, então, foi avistado na sala vip do aeroporto. Logo depois, o jato decolou para Istambul, na Turquia.

Os mais sortudos foram aqueles que conseguiram despachar seus iates a tempo ou que estavam com seus barcos e aviões em lugares distantes. Além da Turquia, outros países que se apresentaram como portos seguros para os oligarcas, por não terem adotado ou aderido às sanções, são Montenegro e os Emirados Árabes Unidos. Nas paradisíacas ilhas Maldivas, no Oceano Índico, estão atracados cinco barcos de endinheirados russos. O iate Graceful, que seria do próprio Putin, escapou da operação global porque, após fazer manutenção em Hamburgo, na Alemanha, atracou em Kaliningrado, uma província russa espremida entre a Polônia e a Lituânia. A viagem ocorreu duas semanas antes da invasão da Ucrânia. Outro iate atribuído a Putin, o Sheherazade, de impressionantes 140 metros de comprimento e avaliado em 700 milhões de dólares, está fazendo manutenção em portos italianos. No momento, as autoridades locais estão conduzindo investigações para ter certeza de quem é o seu dono.

Para identificar e localizar iates, aviões e mansões pelo mundo afora está em curso um enorme esforço coletivo. As primeiras listas de bens foram feitas pela Fundação Anticorrupção, a FBK, criada pelo dissidente russo Alexei Navalny. Nesta semana, Navalny foi condenado a mais nove anos de prisão, em um novo julgamento teatral. Ele tem se mostrado um incômodo para o Kremlin. Sua equipe tem produzido diversos vídeos denunciando a vida nababesca dos corruptos russos. A FBK já veiculou um documentário sobre uma mansão de Putin no Mar Negro, que gerou protestos nas ruas. Também já tinha recomendado sanções contra a “segunda família” do ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov.

ReproduçãoO iate Amore Vero: bloqueado na França
Lavrov é o nome forte que, desde 2004, comanda a política externa da Rússia. Dentro do país, ele tem sua “primeira família”, com mulher e filha. Mas, em 2000, ele conheceu a atriz Svetlana Polyakova, com quem já fez mais de 60 viagens diplomáticas. Svetlana tem uma filha de um casamento anterior, hoje com 26 anos. Quando a jovem tinha apenas 21, comprou um flat por 4,4 milhões de libras, o equivalente a 25 milhões de reais, em Kensington, na região oeste de Londres. O prédio oferece simulador de golfe, piscina, spa e vista para dois parques nas proximidades. Não demorou para que o flat entrasse para a lista de alvos da caçada coletiva.

As ações governamentais, que continuam sendo expandidas para abarcar um número cada vez maior de oligarcas e seus familiares, começaram logo após a eclosão da guerra. Ainda nos primeiros dias, países europeus, Estados Unidos e Canadá anunciaram uma operação “transatlântica”, para encontrar os bens das pessoas listadas nas sanções e imobilizá-los. Pouco depois, o procurador-geral dos Estados Unidos, Merrick Garland, comunicou a criação da força-tarefa KleptoCapture (algo como Captura de Ladrões, em tradução livre). Como parte da iniciativa, promotores, agentes do FBI, analistas de dados e especialistas em lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e evasão de divisas buscarão aqueles que estão driblando as sanções, seja usando criptomoedas ou apagando evidências de atos ilícitos.

Outra iniciativa, lançada na segunda, 21, é o Rastreador de Ativos Russos, criado pelo Projeto de Reportagem sobre o Crime Organizado e Corrupção (OCCRP, na sigla em inglês), uma aliança de grupos de imprensa. O objetivo é acumular informações de diversas fontes para revelar as fortunas dos oligarcas. Qualquer um pode contribuir enviando dicas pelo site. Com os dados obtidos até agora, a OCCRP já conseguiu mapear 15,7 bilhões de dólares de onze oligarcas russos no exterior. Por meio da ferramenta, é possível verificar, por exemplo, que Dmitry Peskov, o porta-voz de Putin, tem um apartamento de luxo na Avenida Victor Hugo, em Paris. Peskov é um dos principais disseminadores de notícias falsas sobre a invasão da Ucrânia, e a propriedade está no nome de sua ex-mulher e de sua filha, Elizaveta. As evidências estavam disponíveis nas redes sociais. Elizaveta, que mantém uma conta no Instagram, seguia mostrando fotos de uma vida de ostentação entre Paris, Nova York e Moscou. Sem poder viajar, ela disse que as sanções são injustas e injustificáveis. “Eu estou incomodada porque eu gosto de viajar e amo conhecer outras culturas”, lamentou ela.

Estudantes universitários têm se voluntariado para participar da caça aos tesouros dos oligarcas. Um deles é Jack Sweeney, de 19 anos e aluno de tecnologia da informação na Universidade Central da Flórida. Ele criou a conta @RUOligarchJets no Twitter, que, com o uso de algoritmos, monitora em tempo real pousos e decolagens de 30 jatos privados de oligarcas russos. A conta já tem quase meio milhão de seguidores. “Seria muito legal se um desses aviões fosse confiscado”, disse ele a um canal de televisão.

ReproduçãoReproduçãoChelsea: campeão mundial, o time de Abramovich foi colocado à venda
Nas listas de sanções publicadas pelos países entraram vários tipos de oligarcas. Os mais antigos são aqueles que enriqueceram no início dos anos 1990, quando o então presidente russo, Boris Iéltsin, privatizou 15 mil empresas após o esfacelamento da União Soviética. Um amplo programa foi empregado para permitir que os russos comprassem ações dessas antigas estatais. Mas Iéltsin, que queria se reeleger e precisava lidar com as contas públicas no vermelho, criou também um sistema em que empresários emprestavam dinheiro ao governo em troca de participação nas empresas, paralelamente à venda regular de ações. Assim, aqueles que tinham boas conexões se tornaram milionários da noite para o dia. Entre os que se beneficiaram nessa época, estão Roman Abramovich e Mikhail Khodorkovsky.

Embora também estejam listados como alvos, alguns dos oligarcas mais antigos não são tão próximos de Putin. Isso porque o atual presidente, que assumiu o comando do país em 1999, começou a atacar uma parte da elite local que se inclinava para a oposição. Khodorkovsky, o mais emblemático, foi preso em 2003 e ficou dez anos atrás das grades, acusado de fraude. Os casos fizeram com que os demais entendessem que a permissão para ser milionário na Rússia ficaria condicionada ao apoio a Putin. Muitos, como Roman Abramovich e Mikhail Fridman, venderam suas participações nas empresas para o governo. Ao buscar um lugar para proteger suas fortunas, eles escolheram Londres. A cidade chegou a conceder visto de permanência para os investidores estrangeiros. Esse era um chamariz interessante. Outro o fator de atração é que, no Reino Unido, eles podiam esconder o patrimônios em empresas que não o identificavam como proprietários — esse, aliás, está sendo um problema para o governo conseguir bloquear os seus ativos financeiros. O caso de Abramovich é especial. A despeito de estar incluído entre os sancionados, ele passou a ter como defensor ninguém menos que o presidente da Ucrânia. Volodymyr Zelensky pediu a Joe Biden para poupar o russo das sanções, na esperança de que ele possa servir como um intermediário nas negociações de paz. O Kremlin confirmou que Abramovich participou do início das tratativas.

O segundo grupo de oligarcas, o dos mais jovens, é o que segue bem atuante nos corredores do Kremlin. À medida que consolidou seu poder, Putin criou uma casta, a dos “silovarcas” (de siloviki, a elite militar e de segurança). São pessoas provenientes da agência de inteligência, a FSB, que substituiu a KGB soviética, berço também do presidente russo. É um grupo que enriqueceu fazendo negócios com o governo e ainda depende da administração central. Por essa razão, vive sob a égide de Putin. O principal representante dos “silovarcas” é Igor Sechin, aquele que teve o iate bloqueado na França.

Uma das metas do congelamento dos bens dos bilionários é fazer com que, pressionados, eles ponham Putin na berlinda. “O que está sendo feito agora não é um confisco, mas o congelamento de bens de certos russos. Não é uma questão de direito penal ou de punição. Eles apenas estão sendo impedidos de usar seus bens ou de transferir ativos para aqueles com conexões com o governo russo”, diz Paul Arnell, professor de direito na Universidade Robert Gordon, em Aberdeen, na Escócia. As potências ocidentais calculam que, com o passar do tempo, a elite russa, privada cada vez mais de usufruir de seus luxos, poderá mesmo implodir as bases do regime de Putin. Se a estratégia der certo, o futuro da guerra pode ser definido longe do front de batalha. Para usar o nome de batismo de um dos super iates já sequestrados, o “amor verdadeiro” dos oligarcas por Putin pode não ser tão verdadeiro quanto parece.

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  1. Tenho uma dúvida: Nessa missão Espacial russa dessa semana com o foguete pintado com a simbogia das tropas russas, não seria possível eles atacarem satélites que estão incomodando como o Starlink?

  2. Trata-se de uma casta que se formou na exploração do povo russo. Desprezível como todas as castas que se formam a partir dessa prática, como no nosso país.

  3. A elite comunista levou o povo russo a severas privações financeiras, porque construiu uma teoria política e econômica fantasiosa e cleptocrata. Agora, não está gostando dos efeitos da sua própria teoria. O feitiço virou contra o seu feiticeiro!…

  4. Muito triste, como alguns seres humanos só pensam em dinheiro e não conseguem imaginar o sofrimento de crianças, velhos, mulheres; na Ucrânia. Espero que um dia entendam que iates maravilhosos, muito dinheiro na conta bancária, um dia terão que deixar tudo aqui na terra.

  5. Essa KleptoCapture bem que podia correr atrás do dinheiro desviado da Petrobras pelo PT (ainda deve ter muita grana por aí).

  6. quem dera se isso acontecesse com todos os corruptos com ativos nos bancos no exterior, com esse dinheiro roubado do povo, países como o Brasil tiraria muitos de seus cidadãos da miséria.

  7. Isso se chama roubo furto ou confisco ilegal? Que culpa eu tenho se o país começou uma guerra? Os globalistas agindo pra implantar ditadura no Ocidente, e os tolos aplaudindo.

    1. Vc é um oligarca russo pra estar com essas dores, ou só outro bolsonarista se acotovelando pra defender o tirano do mito?

  8. Deveriam ser expropriados os bens para pagar a reconstrução da Ucrania exatamente como era antes da invasão e nada menos que isso.

  9. Excelente reportagem. Lula tentou fazer algo semelhante com os campeões nacionais, a interferência na Oi, etc., decidindo quem deveria ser super-rico, quem não.

    1. Parece que ele terá a oportunidade de concluir seu plano.

  10. MEU LIVRO “O INROTULÁVEL”. Link de acesso: https://www.amazon.com.br/dp/B09HP2F1QS/ref=cm_sw_r_wa_awdo_PQSA5Z6AXXH2SX16NH87 ..............................................……… BOLSONARO, LULA e PUTIN: os EXEMPLOS EXECRÁVEIS que uma SOCIEDADE tão CORRUPTA é capaz de produzir! São DEGENERADOS MORAIS que IMPEDEM o MUNDO de AVANÇAR! Em 2022 SÉRGIO MORO “PRESIDENTE LAVA JATO PURO SANGUE!” Triunfaremos! Sir Claiton

    1. Ernani,, ligue para o site que eles ensinam o que fazer

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