RuyGoiaba

A loucademia do atacarejo

25.03.22

Preciso urgentemente encontrar alguma organização na linha dos Alcoólicos Anônimos que seja especializada no atendimento a tiozões do pavê: é a segunda vez nas últimas semanas que sonho com um trocadilho idiota. A primeira, já contei aqui, foi a história da Cafudade, a faculdade do Cafu, que incluía até um comercial onírico com o sorridente ex-jogador. Desta vez, sonhei que escrevia uma coluna com o título “Loucademia de política” — para depois acordar e constatar, tristemente, que não havia texto nenhum pronto (como dizia a Dorothy Parker, eu odeio escrever: o que gosto mesmo é de ter escrito).

É claro que daria para puxar o fio do sonho e fazer alguma paródia de Loucademia de Polícia, o clássico da Sessão da Tarde, com personagens da política brasileira — o que, além de estragar o filme, ficaria parecido demais com uma charge ruim do Chico Caruso (pleonasmo, eu sei). Decidi, portanto, sair por outro lado e soltar meu Napoleão Mendes de Almeida interior: a coluna de hoje é sobre a criação de neologismos horrorosos por meio da fusão de duas palavras que, isoladas, eram perfeitamente decentes e podiam até frequentar casa de família. (Na verdade, “loucademia” é uma das exceções: o termo é divertido, o filme é uma comédia e o título no Brasil saiu melhor do que se fosse tradução literal do original, Police Academy. “Portunhol” é outra exceção tolerável.)

Você sabe como funciona: é como aquelas famílias em que o pai se chama Nilo, a mãe Mercedes e os dois acham uma excelente ideia batizar a coitada da criança como Nilcedes (isso aconteceu de verdade, e a vítima foi a atriz Glória Menezes). No mundo dos substantivos que não são nomes próprios, isso resulta em monstruosidades como ATACAREJO, misto de atacado com varejo e provavelmente a palavra mais feia da língua portuguesa em todos os tempos. Soa como um ataque de galinhas assassinas cacarejantes — uma espécie de cruzamento entre Os Pássaros, do Hitchcock, e algum filme do Mazzaropi.

Mas há muitas outras. A mulher que, hesitante entre o status de namorado e o de marido, opta por chamar o parceiro de “namorido”, o que deveria resultar em separação imediata com entrega de todos os bens à parte agredida. O pessoal da firma que sai para “bebemorar” qualquer coisa, tornando-se automaticamente merecedor de um bombardeio com napalm à mesa do bar. A pessoa que pergunta se pode “roubartilhar” alguma coisa que você postou nas redes (“pode, só não usa esse verbo perto de mim que eu começo a ter convulsões”). Gente que chama a madrasta gente-fina de “boadrasta”, arriscando-se a transformar a mais boazinha das madrastas em uma Medeia ensandecida de faca em punho. Fiquem à vontade para sugerir qualquer outra aberração nos comentários.

Gosto de dizer que a culpa de tudo isso é do finado Décio Pignatari — que, esclareço sempre, é o poeta concretista e não o jurado do Show de Calouros. Pignatari não só chamava essas coisas de palavras-valise como tentava justificá-las com exemplos da obra de James Joyce; pior, produzia artesanalmente ele mesmo as próprias aberrações. Por exemplo, pegando L’Après-Midi d’un Faune (o poema de Mallarmé, que depois inspirou o prelúdio de Debussy) e cometendo o que chamou de tridução, com três versões em português para cada verso do original. Logo na primeira linha, Décio Piccinini, ops, Pignatari conseguiu traduzir perpétuer como PERPEMATAR — não nego que, quando li isso, senti ganas de arremessar o livro pela janela e perder o réu primário depois de perpematar o tradutor. É o tipo de terrorista que deve achar “atacarejo” uma coisa linda, lírica.

A você que não tem ouvido, peço encarecidamente: evite se meter a doutor Frankenstein das palavras. Os monstros criados podem se voltar contra todos nós, ainda que só você mereça o ataque das galinhas assassinas cacarejantes.

***

A GOIABICE DA SEMANA

O Bolsolão do MEC, em cima do qual Augusto Aras deve se sentar assim que abrir mais uma daquelas suas “apurações preliminares”, é talvez o mais 100% suco de Brasil de todos os escândalos recentes. A ser verdade — faço a ressalva porque aqui temos responsabilidade jurídica —, pedir um quilo de ouro e oferecer desconto na propina solicitada aos prefeitos é muito, demais, a cara do nosso Bananão bananeiro (“na minha mão o suborno é mais barato!”). Além disso, basta olhar uma vez para a cara dos tais pastores-lobistas para corroborar o que escrevi em outra coluna, tempos atrás: Cesare Lombroso tinha razão.

MECMECO pastor Arilton Moura (à dir.) em uma conversa republicana com Milton Ribeiro
 

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  1. E eu, ingenuamente, acreditando qye “tragipatético” seria palavra adequada para definir tudo que diga respeito ao “nosso presudente”…

  2. Acho essas fusões de palavras muito esquisitas e não uso nenhuma. Entre as que ouço no meu cotidiano, a que menos gosto é "maravilinda"😒. Muito podre!

  3. Eu nunca desacreditei totalmente na teoria de Lombroso, mas a palavra-valise maior é um dos pares (casal) chamando ao outro de "Mô" (amor). Eu já tive faniquitos, antes de qualquer convulsão. Perdoe se voce for o Mô da sua esposa: é jeca demais.

  4. Se é pra falar de costumes irritantes, primeiro vou estar analisando sua coluna e depois vou estar fazendo um comentário ...

    1. Hoje e hoje em dia não são a mesma coisa. Hoje é um advérbio de tempo que indica o dia em questão. Hoje em dia é mais amplo, indicando a época em que se vive. MS

  5. Atacarejo define um novo tipo de negócio e simplifica bastante a vida de quem escreve e de quem lê material de economia, por mais bizarro que soe. Sempre achei esquisito e por diversas vezes fiquei a um passo de decifrar o significado mental da palavra, mas nunca consegui. Lendo a descrição do Ruy (ataque de galinhas cacarejantes) finalmente posso descansar, pois é perfeita. Mais uma vez, parabéns pelo texto. Morrendo de rir aqui imaginando o tal ataque dentro do Assai ou do Tenda…

  6. Lembrei que uns tempos atrás, apareceram uns morcegos no jardim da casa. Eu os batizei como Waldomiro, Malafaia e Crivella. rsrs

    1. Morcegos não merecem tais "adjetivos". ... São figuras naturais.

  7. A lista é longa. Não é o caso de fusão de duas palavras mas são igualmente vomitórias: vou falar com meu "financeiro"; isso abalou meu "psicológico", e ainda "CEO", que abunda (!) na boca de quem não tem ideia do que seja.

    1. ... No embalo: qualquer Vendedor de bugigangas virou CONSULTOR. ... o Chief Executive Officer é nobre título para qualquer gerente sem talento.

  8. Quem sabe, um dia, você escreva sobre as palavras propositadamente mal traduzidas do inglês, para o falante mostrar que tem mais identidade com aquela língua do que com a nossa: aplicar uma universidade; pontuar algo , entre0 outras pérolas da viralatice cultural.

    1. Nossa Claudia, boa lembrança. Essa é, definitivamente, a que eu mais odeio.

    1. Tem limonjada? O corretor automático é igual ao Ruy: não gosta de palavras fundidas.

  9. Ri muito rsrsrs principalmente pq,nascida em Goiás,sempre me espantei c/a junção de nomes naquele estado.Sempre disse q se meus pais me colocassem um nome assim,qdo crescesse os processaria por danos psíquicos e morais.Ainda bem q meu pai era "apaixonado" p/uma atriz estrangeira do cinema mudo,senão,sabe-se lá como eu me chamaria:Gistonia?Antolena?Quem tiver curiosidade,procure p/nomes de políticos goianos e terá uma pala.Ruy Goiaba,faça um artigo sobre o "gerundando" (vou estar te transferindo)

  10. tem uma tal de Walderice. Não sei o que os pais pensaram ao definir esse nome, só sei que ela facilitou para o povo conhecê-la: Wal do Açaí

  11. Esse pessoal do Bolsolão é flexível pois aceitam dinheiro vivo, PIX, cartão bancário, ticket restaurante, vale transporte e por aí vai.

  12. Ler e reler Ruy Goiaba, e os comentários é uma das minhas poucas felicidades nesta vida de brasileira! Rir no Bananao é um ato de sobrevivência, ou todos enlouquecemos ou nós matamos!

    1. nos matamos! O corretor errou, mas bem que poderia ser "nós matamos"

    1. hahahahahaha Manoel, essa foi sensacional!

  13. Caro Ruy, meu pai, Bolívar, e minha mãe, Alice resolveram por bem me batizar com o nome de Varlice, soma do final do nome de ambos. Sempre preciso explicar a origem do meu nome, é cansativo se levarmos em conta que estou na casa dos 70... Ultimamente, e quando a apresentação de documento não se faz necessária, digo que sou Maria. Simplifica. Facilita.

    1. Parabens Varlice! Maria é uma alternativa belissima, como seu bom humor também.

    2. Desculpe, Varlice, mas adorei quando você disse que se chama Maria. Gosto de gente com bom humor, por isso volto aqui para ler os comentários. 😉

    1. Nessa linha há vários: petralha, lulalá, bolsotropa, bolsoafetivo, lulopetismo, bolsolulismo, canalheiros e outros que agora não lembro.

  14. Na mesma linha, mais suave, minha esposa e eu somos "vótorista" e "vôtorista" que buscam netas e netos na saída das escolas...

  15. Já que vc pediu, vou colaborar; tenho um primo de Goiás, filho de gente que se deu bem na vida, cujo pai, o "cara", se chama Eurípedes, e a mãe, Ione, que causaram um eterno e irreparável bullying no menino recém-nascido, "assassinando" o infeliz com o nome de Eurione; não sei com qual apelido o chamam desde então, caso não tenha se suicidado...

  16. Não seria muito melhor chamar todos esses pastores (e bota quase todos nisso!)de pastlombro? Economiza saliva e fere menos as cordas vocais (covoca).

  17. Oi, Goiaba! conheço gente chamada Renalva (mistura de Renan com Dalva), outra palavra é gordelicia (gorda com delícia); já tive um namorado que dizia que era meu namorido (ODEIOOOOOO), agora meu novo ódio vem daquele seres estranhos, os bolsonaristas: BOLSOMITO. Bolsonaro já é o cúmulo sozinho, e ainda puseram mito depois, aí fud....

    1. Tem Bozonero - que é a mistura do Bozo com Nero o incendiário!

    2. E eu acrescento: BOLSOMInto e BOLSOAsno; LUlarápio e LULAdrão. Não sei se isso é melhor ou pior que ATACAREJO (me recuso a ir só por conta do nome)

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