U.S. Department of JusticeDepartamento de Justiça dos EUA: quem ajudar a encontrar ativos obtidos com dinheiro ilícito pode ser recompensado

Lá fora o petrolão não morreu

Se no Brasil os envolvidos na roubalheira descoberta pela Lava Jato tentam apagar a história, nos Estados Unidos os órgãos de investigação trabalham para mapear o propinoduto e punir os ‘cleptocratas’ do esquema
01.04.22

Políticos e uma parcela da cúpula do Judiciário têm se empenhado nos últimos anos em desconstruir a Lava Jato, a maior operação de combate à corrupção da história do Brasil. Desgostosos do que prometia ser o fim da impunidade, eles se sublevaram e operaram uma inversão de valores na sociedade. Hoje, enquanto os ex-integrantes da força-tarefa são alvos, os investigados e condenados se apresentam como vítimas inocentes e têm liberdade, até, para se candidatar a cargos públicos.

Nos Estados Unidos, contudo, o legado da Lava Jato continua firme, de pé. No país com a legislação anticorrupção mais avançada do mundo, não pairam dúvidas sobre os pagamentos de propinas apontados pela força-tarefa brasileira. Depois de traçarem as próprias conclusões sobre essas transferências ilícitas, os americanos agora querem saber onde o dinheiro roubado foi parar.

Na quarta, 17, o Departamento do Tesouro anunciou a criação do Programa de Recompensas de Recuperação de Ativos da Cleptocracia, que pagará prêmios de até 5 milhões de dólares, o equivalente a 24 milhões de reais, a quem fornecer informações que levem à identificação de destinatários de propinas da Odebrecht (atualmente Novonor) e da Braskem, o braço petroquímico da empreiteira. “Este é um valor considerável que pode fazer muita diferença, pois sabemos que programas semelhantes atraíram inúmeras denúncias”, diz o advogado americano Hunter Carter, especialista em corrupção que atende clientes da América Latina, em Nova York.

As recompensas só serão pagas quando a denúncia resultar no bloqueio de algum ativo, que podem ser bens em território americano, em bancos do país ou em braços de instituições financeiras internacionais nos Estados Unidos. Um endereço de email e um número de telefone foram colocados à disposição de quem quiser colaborar. Os acusados podem ter qualquer nacionalidade.

Casa BrancaCasa BrancaJoe Biden: pressão para caçar ativos de russos, malaios e brasileiros
A oferta de prêmios em dinheiro complementa um trabalho que já vinha sendo feito, desde 2010, pelo Departamento de Justiça e pelo FBI, a polícia federal americana, com o nome de Iniciativa de Recuperação de Ativos da Cleptocracia. O termo cleptocracia é definido pelo FBI como o “governo dos ladrões, uma forma de corrupção política em que os governantes buscam ganhos pessoais e status às custas dos governados”. Os piores exemplos, segundo o FBI, ocorrem em países pobres, em que recursos desviados são escondidos no exterior. Quando as cifras passam pelos Estados Unidos, os órgãos de investigação do país entram no jogo e tentam colaborar para que o dinheiro volte para o país de origem.

Um exemplo recente desse tipo de ação envolve um fundo estatal da Malásia, criado para promover o desenvolvimento econômico do país. O dinheiro foi desviado e usado para comprar iates, hotéis, jatos privados e obras de arte de Vincent Van Gogh e Claude Monet. Em março, com o início da caçada aos bens de oligarcas russos que apoiam a guerra de Vladimir Putin na Ucrânia, o presidente Joe Biden pressionou o Congresso americano para aprovar uma lei que permitisse a oferta de recompensas, pelo Departamento do Tesouro, a informantes que possam colaborar com o mapeamento dos bens. O programa abrange três países: Rússia, Malásia e Brasil.

Localizar o patrimônio dos corruptos costuma ser o passo seguinte após a assinatura de um acordo celebrado judicialmente. Após se entender com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a Odebrecht e a Braskem admitiram a culpa pelos desvios e aceitaram pagar pelo menos 3,5 bilhões de dólares em multa para entidades americanas, brasileiras e suíças. “Ao celebrar um acordo com o Departamento de Justiça, que é subordinado à Casa Branca, as empresas aceitam cooperar com as investigações e mudar suas práticas”, diz Antonio Sepulveda, pesquisador do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições da UFRJ. A questão agora não é investigar quem pagou a propina, sim quem as recebeu. “Diante da recompensa de 5 milhões de dólares oferecida a denunciantes, parece que as autoridades americanas presumem que o montante já devolvido ainda está muito aquém daquilo que as investigações apontam”, diz Igor de Lazari, também pesquisador do laboratório.

ReproduçãoReproduçãoO anúncio do governo americano: busca por destinatários de propinas pagas pela Odebrecht e pela Braskem
A Odebrecht já admitiu ter distribuído 788 milhões de dólares em propinas para funcionários governamentais em doze países, além do Brasil, incluindo Angola, Colômbia, México e Moçambique, entre 2001 e 2016. A Braskem confessou um valor um pouco menor, mas ainda assim bastante vultoso: 250 milhões de dólares. Se as pessoas que receberam esses valores os transferiram para contas americanas ou compraram bens nos Estados Unidos, então estarão sob a mira do FBI e dos procuradores do Departamento de Justiça.

A vontade americana de ir até o fim nas investigações de corrupção contrasta com a realidade brasileira. Aqui, o acordo de leniência feito com a Odebrecht e o Ministério Público Federal está sendo bombardeado por uma ala anti-Lava Jato no STF. No ano passado, o ministro Ricardo Lewandowski declarou a “imprestabilidade” das provas apresentadas pela Odebrecht contra Lula. Ele atendeu a pedidos feitos pela defesa do petista, que alega que a equipe da Lava Jato entrou em contato diretamente com procuradores de outros países sem antes passar pelos ritos necessários. Os advogados de Lula também afirmam que as provas coletadas não receberam o tratamento devido e poderiam ter sido adulteradas.

Bruno Escolastico/Photo Press/FolhapressBruno Escolastico/Photo Press/FolhapressLewandowski, do STF: anulação de acordos de leniência no Brasil
A decisão do ministro impediu que as evidências fossem usadas na ação contra o ex-presidente Lula pelo uso de propina para comprar o terreno do instituto que leva seu nome, avaliado em 12 milhões de reais. Entre os elementos descartados estava o depoimento de Marcelo Odebrecht, dizendo que o terreno destinado a abrigar a sede da entidade foi comprado por meio da conta das propinas destinadas ao PT. A decisão de Lewandowski deu origem ao que passou a ser conhecido como “precedente Lula”. Isso porque a anulação das provas contidas no acordo de leniência da Odebrecht levou réus e condenados na Lava Jato a pleitearem o mesmo benefício.

Por obra e graça do ministro Lewandowski, o Brasil está apagando inteiramente tudo o que foi feito na Lava Jato, como os inquéritos, as condenações e, sobretudo, as confissões dos réus”, diz o advogado Modesto Carvalhosa, ex-professor de direito da USP. “Não há precedente na história do direito penal ou da democracia mundial em que um órgão judicial queira simplesmente eliminar as confissões dos réus. O contraponto com os Estados Unidos é inacreditável.”

Nos Estados Unidos, o desmanche das conquistas da Lava Jato não tem qualquer chance de acontecer. Após três anos de negociação, a Petrobras fechou um acordo de leniência em 2018 com o Departamento de Justiça e concordou em pagar uma multa de 853 milhões de dólares. A companhia também aceitou pagar quase 3 bilhões de dólares para os acionistas que foram prejudicados pelos escândalos de corrupção.

O acordo da Petrobras com os americanos foi mais leve do que o assinado com a Odebrecht e a Braskem. A multa aplicada às duas companhias foi maior, e elas tiveram de abrir suas contas para auditores externos. Em 2019, José Carlos Grubisich, ex-diretor-executivo da Braskem, foi preso em um aeroporto em Nova York, para onde tinha viajado a passeio. Acusado de ter criado um fundo secreto para subornar funcionários públicos e partidos políticos do Brasil, ele foi condenado a 20 meses de prisão. Grubisich acabou solto em 2020, após pagar uma fiança de 30 milhões de dólares. No ano seguinte, admitiu ter desviado 250 milhões de dólares da empresa e pagou uma multa. Mais 2,2 milhões de dólares.

Em todos esses casos, o Departamento de Justiça, o FBI e a Receita americana atuaram com total autonomia. Não houve qualquer interferência da Suprema Corte. À diferença do que ocorre por aqui, o tribunal se limita a analisar as leis, sob a ótica da Constituição. Não há pressão para livrar políticos e empresários enrolados. Se eles não são punidos no Brasil, ao menos resta a esperança de que, lá, algum tipo de sanção eles podem sofrer.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. O trabalho do governo americano tem um trabalho muito fácil : é só pegar a lista de propina da Odebrecht e juntar ao nomes os amigos dos amigos.

  2. Isso aqui já era, tá tudo dominado pelos corruptos e a população emburrecida pelos mesmos acha que não adianta votar em gente honesta e ainda reclama que o Brasil nunca muda.

  3. as provas colhidas aqui pela Lava-Jato foram preferidas, porque poderiam ter sido adulteradas, mas as mensagens da farsa jato, ainda que a PF tenha argumentado a possível manipulação, foram usadas para reforçar anulações de condenações. É o Brasil.

  4. Infelizmente nós estamos numa terra onde quem manda é a corrupção. POLÍTICOS IMPEDINDO E CRIANDO MILHÕES DE DIFICULDADES PARA COM A CANDIDATURA DO MORO !

  5. a Crusoé informa que foram disponibilizados fone e email p quem conhecer onde está o dinheiro, mas a reportagem não divulga. Quero saber para colocar nas redes sociais...mas se a reportagem não divulga?

  6. Só vejo uma solução: redescobrir o Brasil Ruptura já Estado mínimo Parlamentarismo Privatização total Voto aos 21 anos Fim das bolsas-voto Lei da ficha limpa plena Foro privilegiado restrito Fim dos cargos vitalícios Prisão em segunda instância Fim da estabilidade do funcionalismo Fim das indicações monocráticas de servidores Candidato a qq cargo político acima de 50 anos Perda dos direitos politicos por 2 legislaturas se renunciar Quarentena de 1 ano após fim da legislatura p nova candidatura

    1. boa idéia,Elvio, perda de mandato para político que não cumprir promessas, assim acabaremos com esses políticos mentirosos será uma limpa geral no pântano da política brasileira.

    2. Põe na lista: perda de mandato se não cumprir as promessas de campanha

  7. Torcendo para que sejam pegos alguns desses picaretas que o stf livrou! Para desmoralizar mais ainda esses senhores “IMPARCIAIS”!!! VERGONHOSO!!!

  8. O que fazer quando temos os três poderes da República, que deveriam defender a DEMOCRACIA, abusam de seus cargos para se auto protegerem e trabalham para que justiça nunca seja aplicada? Em minha opinião o Brasil não é uma democracia faz tempo. Eles se protegem maculando este nome toda vez que se sentem ameaçados.

  9. Esse artigo PRECISA SER MUITO COMPARTILHADO!!!! dá até enjôo pensar que estamos à beira de termos essa quadrilha de novo na presidência... ou o segundo colocado, UM HORROR TB !!! VAMOS DEIXAR QUE ESSA BARBARIDADE ACONTEÇA????

  10. É um abismo a diferença de atitude com relação aos crimes e aos criminosos, mas não dá pra falar só da vergonha, da leniência e da falta de escrúpulos do STF. Se o Lula ganhar as eleições a falta de vergonha, a leniência e falta de escrúpulos é do povo que terá votado e da incompetência (se é q o termo é válido) de 33% dos eleitores q não estão satisfeitos, mas tb ñ conseguem se unir pra produzir uma mudança nesse quadro horroroso!

    1. Perfeito! Você pode procurar muitas coisas interessantes que podem ou não estarem relacionadas com acontecimentos aqui Brasil no jornal português www.publico.pt

  11. Sobre o fundo estatal da Malásia há o documentário "O homem no topo", um episódio da série "Na rota do dinheiro sujo", exibida pela Netflix. O grande cleptocrata Najib Razak, que foi primeiro-ministro, passou uma temporada na cadeia. Atualmente voltou a disputar eleições, tendo recuperado a popularidade. Povinho de lá é parecido com o povinho de cá.

  12. Isto é uma vergonha ! Enquanto, no Brasil, corruptos, corruptores, legisladores, tribunais superiores concedem "indulgência plenária" para quem está preso e para quem tem rabo preso, outro país oferece recompensa para quem denunciar os beneficiários das gordas propinas apuradas pela Lava Jato.

    1. E porque você acha que o Gilmar e o Lewandowski estão acabando com a lava Jato. Estão podres de ricos. Suas futuras gerações não terão problemas financeiros,nem que limpem o toba com notas de 100. Por isso que odeiam o moro e não o querem como presidente.

  13. Enquanto tivermos um sistema eleitoral manipulado e indicações para stf apadrinhadas, Brasília será a morada dos ratos.

  14. Desviou $250 milhões de dólares e pagou $30 Milhões + $2,2 Milhões de dólares , sobrou = USD$217,800,000.00 dólares, sera que o crime compensa? agora esse lewan nao vai ser investigado? porque togado do stf e considerado deus supremo que não peca e não faz nada errado, baseado nas canetadas e decisões que ele próprio toma no stf, fica claro que ele faz muita coisa errada! na minha opinião a justiça tem que ser igual a todos independente do cargo que ocupa no estado Brasileiro.

  15. Sugiro ao departamento de justiça americano começar procurar no registro de imóveis (RGI) das quintas em Portugal. É só mapear os destinos preferidos dos sinistros. Atibaia, Lisboa... têm muito a revelar.

  16. Se a “lava jato” era irregular (!?) por que ocorreu tamanha devolução de valores? O resultado econômico-financeiro foi muito maior do que o resultado que Gilmar e demais pseudos juízes podem trazer com suas decisões encomendadas.

  17. Melhor matéria impossível. Aguardemos para que o mundo se delicie com a vergonha brasileira ao se constatar que se por aqui o líder da quadrilha é o candidato "favorito" nas próximas eleições, lá fora roubar é crime e ladrão continua sendo bandido e ponto!

  18. MEU LIVRO “O INROTULÁVEL”. Link de acesso: https://www.amazon.com.br/dp/B09HP2F1QS/ref=cm_sw_r_wa_awdo_PQSA5Z6AXXH2SX16NH87 ..............................................……. o ACORDÃO dos DEGENERADOS MORAIS para EVITAR o IMPEACHMENT do BOLSONARO e TIRAR LULA da CADEIA! os EXEMPLOS EXECRÁVEIS que uma SOCIEDADE tão CORRUPTA é capaz de produzir! Em 2022 SÉRGIO MORO “PRESIDENTE LAVA JATO PURO SANGUE!” Triunfaremos! Sir Claiton

  19. .. a roubalheira é cosa nostra ... a politicalha(gem) é cosa nostra ... a imunidade e imunidade é cosa nostra ... as supremas cortes esta é coisa deles em riba de nóis o pobre canelau votante ... e assim o Braziu vira pó e lixo quem sabe adubo prá comida dos chineses ... do'nt censor p´lease.

  20. Excelente matéria do Duda Teixeira. Confio que os EUA acabarão encontrando, para nossa vergonha, algumas "autoridades" no meio político e judiciário brasileiro. Aí as pessoas entenderão a real motivação por trás daqueles que enxergaram (mas nunca explicaram) coisas estranhas na lava-jato.

  21. Isso a Globo não mostra né! Essa matéria deveria ser mostrada para o Brasil inteiro, para que todos aqueles que ainda acham que o bandido "Nine" é o maior inocente do país.

  22. Torço para que a iniciativa norte americana dê certo. Será mais uma bofetada internacional nesses cleptocratas que vivem mudando as leis em favor do crime.

  23. considerando o escândalo FIFA e as prisões como ocorreram, a partir de agora muitos "agentes políticos" não irão pisar fora do país de maneira nenhuma. Viverão no estilo Maluf de ser.

  24. A Receita Federal no Brasil é um órgão a serviço da cleptocracia, não vê nada acontecendo e abocanha a renda de pobres coitados assalariados que já pagam impostos indiretos da corrupção e tributos sobre o consumo.

  25. Parabéns pela matéria! Isso só fortalece o que muitos já sabem: estamos diante de autoridades judiciárias coniventes com a corrupção. Não ficaria surpreso serem descobertos como destinatários diretos ou indiretos do produto da mesma.

  26. A reportagem poderia explicar melhor porque Carlos Grubisich foi condenado por subornar funcionários públicos e partidos políticos do Brasil. Trata-se de jurisdição. O que o judiciário ianque tem a ver com crimes cometidos no território brasileiro?

    1. ..."Se as pessoas que receberam esses valores o transferiram para os EUA ou compraram bens lá, estarão sob a mira da justiça americana"

Mais notícias
Assine agora
TOPO