Carlos Fernandodos santos lima
O apagão do combate à corrupção
01.04.22O Brasil vive um completo apagão institucional, ético e jurídico desde a reação do Congresso Nacional em 2018, comandada por Rodrigo Maia, contra as revelações da operação Lava Jato, especialmente no que diz respeito ao combate à corrupção. Não há mais, principalmente por alguns dos ministros do STF e parlamentares, qualquer pejo em decidir contra as leis e a Constituição. Vivemos um tempo de insegurança jurídica, perseguições e puro exercício de poder político, mesmo que contra a própria Constituição.
Assim, quando perguntado sobre a existência de mais ou menos corrupção no atual governo, a única resposta honesta que posso dar é a de ser impossível saber, pois, se na época dos governos Lula/Dilma havia instituições independentes, capazes de jogar luzes sobre o que acontecia dentro do governo de coalizão PT/Centrão, hoje quase todas as luzes foram apagadas, restando uma penumbra em que apenas vislumbramos sombras do que acontece.
Essas sombras, entretanto, não podem ser minimizadas. Se o lugar comum que nos diz que “onde há fumaça, há fogo” é verdadeiro, não há como negar a existência de corrupção no governo Bolsonaro diante de tantos espectros na escuridão. Basta lembrarmos o escândalo das vacinas, envolvendo o líder do governo na Câmara dos Deputados, o deputado federal Ricardo Barros, do PP — em plena pandemia, com mortes de milhares de brasileiros, noticiou-se haver uma organização criminosa agindo diretamente no governo federal para a aquisição por preço superfaturado de vacinas de fornecedores indianos.
A corrupção noticiada no governo Bolsonaro não envolve apenas as políticas de saúde pública, mas agora também outras áreas, como vimos com a exigência de um pastor de recebimento de barra de ouro para abrir portas no Ministério da Educação. O mandamento do “não roubarás” para esses religiosos parece não valer quando a vítima é a “viúva” – se bem que não posso dizer que não haja essa mesma conduta de pastores inescrupulosos com fiéis mais incautos. De qualquer modo, para quem paga, conseguir uma verba do Ministério da Educação é mais garantido que um lugar nos céus. Lord Hailsham, veterano político britânico, já ensinava que “a introdução da paixão religiosa na política é o fim do político honesto, e a introdução da política na religião é a prostituição da verdadeira religião”.
Diante dessas sombras e da ausência completa das instituições, é perfeitamente compreensível que tenhamos uma piora significativa da expectativa da população a respeito do crescimento da corrupção, como comprova a pesquisa do Datafolha divulgada nesta última terça-feira, dia 29, segundo a qual 53% dos brasileiros afirmam que haverá mais corrupção daqui para a frente. Como sabemos, expectativas sobre o futuro são baseadas na percepção do passado recente, e, nesse quesito, o governo Bolsonaro se assemelha aos escândalos dos governos Sarney e Collor, com sua corrupção atomizada em diversas organizações criminosas compostas por pequenos patifes aproveitadores.
Evidentemente não se trata da corrupção organizada e tabelada que o Mensalão e a operação Lava Jato encontraram no governo petista, e nem mesmo a corrupção dirigida por grandes caciques partidários em seus feudos em ministérios e estatais, mas sim de uma corrupção de pequenos aproveitadores organizando-se com outros aproveitadores elevados à condição de líderes ou ministros. Trata-se de uma corrupção pequena e disseminada do baixo clero, sem o DNA das altas cúpulas partidárias.
Hoje em dia, os líderes do Centrão nem precisam mais dessa corrupção desorganizada e canibalesca da Nova República, pois conseguiram legalizar o poder que o acesso ao dinheiro público lhes dava, antes pelo uso de práticas corruptas, agora com o controle do orçamento e do sigilo do apadrinhamento das destinações de verbas. A corrupção noticiada nos Ministérios da Saúde e Educação é a corrupção das rachadinhas e dos pastores, e não a dos tesoureiros dos partidos e dos caciques partidários como na era PT.
Mas isso não torna a situação de hoje melhor do que a anterior. O que fica certo é que estamos diante de um descontrole sem igual do uso do dinheiro público no país. O governo Bolsonaro esconde-se no sigilo dos seus cartões corporativos, o Congresso Nacional distribui dinheiro sabe-se lá como e toda uma malta de pequenos ladrões e estelionatários orbita nos gabinetes de Brasília, à procura de oportunidades de roubar mais. E não se espere que a situação melhore agora, pois não há interesse real em se coibir esses esquemas em pleno ano eleitoral.
Entretanto, se não podemos saber se a corrupção atual é maior que nas gestões Lula/Dilma, a situação de hoje é infinitamente pior no que se refere ao seu combate. Naquele tempo tínhamos instituições que se demonstraram corajosas no enfrentamento do poder político. Talvez tenha sido uma coragem vã de centenas de policiais, promotores e procuradores, juízes e outros funcionários públicos, que acreditaram que o Brasil vivia um período de estado de direito pleno, onde a lei, apesar de nosso passado patrimonialista e dos interesses complexos a envolver o público e o privado, valeria para todos. Infelizmente isso se demonstrou falso, o que resultou no atual estado de coisas, com a polícia instrumentalizada, o Ministério Público violentado e o Judiciário em crise diante da vexaminosa atuação de alguns ministros nos Tribunais Superiores. As luzes que a Constituição Federal de 1988 acendeu para proteger o patrimônio público e o cidadão estão apagadas.
Nesta escuridão institucional e social em que vivemos, uma verdadeira “Idade das Trevas” em que a ignorância repetida mil vezes tem mais valor que a ciência, em que “mecanismos de busca” substituem a busca pela educação e pelo conhecimento e em que a imprensa deixou de ser crítica e investigativa da verdade, mas se tornou em repositório acéfalo de versões em conflito, pouca esperança se tem em uma mudança de curto prazo. Além disso, a mecânica maniqueísta da disputa Bolsonaro/Lula para a presidência da República não traz qualquer indicativo de melhora, pois aos dois não interessa o retorno da institucionalidade.
Primeiro, porque o atual presidente nunca teve qualquer apreço pelo combate contra a corrupção. Bolsonaro foi apenas um arrivista que vislumbrou a oportunidade de se fantasiar de um outsider da política e surfar na onda de indignação contra a corrupção descoberta nos governos petistas. Mas Bolsonaro, com seus quase trinta anos de vida parlamentar, com os filhos encarapitados em outros cargos parlamentares, é tudo exceto um outsider.
Toda a sua família é de pequenos políticos que viveram suas vidas nas bordas do sistema, seres marginais dentro dos parlamentos, cuja única fonte de receita, além das honestas, parece ser a rachadinha do salário de seus servidores, fantasmas ou não, e uma relação muito próxima com milicianos. Além disso, não bastasse seu desprezo pelas instituições, hoje Bolsonaro é refém do Centrão, que encontrou nele o candidato perfeito para transformar nosso presidencialismo de coalizão em um parlamentarismo de cafetões.
Com Lula não será diferente. O que ele pretende certamente é reinstituir uma coalizão, como no seu governo anterior, em que os partidos periféricos que o apoiavam mendigavam verbas/propinas rigidamente controladas, distribuídas ou autorizadas pelo Partido dos Trabalhadores. Entretanto, hoje, Lula certamente verá que sua prática de cafetão dos parlamentares do Centrão não vai mais ser aceita facilmente. Acostumados a mandar e desmandar no estabelecimento chamado governo Bolsonaro, o Centrão buscará que sua assembleia de caciques, ou cáftens, como se prefira chamar, continue sendo o real governante, tendo as verbas, mas não o desgaste da presidência.
Resta a esperança em um candidato da terceira via que venha a mudar essa situação. Uma esperança tênue, mesmo porque nem todos os candidatos da chamada terceira via estão igualmente interessados em mudar o status quo e fortalecer as instituições e muito menos possuem um plano coerente para isso. Cabe a esses candidatos dizer a que vieram: como pretendem fazer frente ao problema chamado Centrão; qual são as propostas para revitalizar nossa democracia, com o enfrentamento dessa corrupção estrutural que beneficia candidatos prostituídos protegidos dos caciques; e qual o projeto para restaurar o estado de direito, com o fortalecimento e a independência das instituições.
Certo é que não podemos aceitar mais esse ambiente libertino em que se transformou nossa política, nem essas cortinas que escondem a luxúria dos poderosos dos olhos da população. Se continuarmos nesse caminho, aquilo que é mera prostituição moral de alguns indivíduos acabará se tornando em gangrena moral de toda uma nação.
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