Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência BrasilCiro Nogueira tem o homem responsável por liberar o dinheiro e um pequeno exército de prefeitos pronto para receber

O ciclo completo de Ciro

Em Brasília, Ciro Nogueira tem um apadrinhado no comando do bilionário fundo que financia a educação pública no país. Na outra ponta, prefeitos ligados a ele são suspeitos de desviar as verbas que chegam
01.04.22

Após a exoneração de Milton Ribeiro, no rastro do escândalo da interferência de pastores na distribuição de verbas do Ministério da Educação, Ciro Nogueira passou a atuar para emplacar seu ex-chefe de gabinete, Marcelo Lopes da Ponte, no comando da pasta. Por indicação do chefe da Casa Civil, Ponte já preside desde junho de 2020 o bilionário Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, posto estratégico do MEC do ponto de vista orçamentário.

Se, em Brasília, Ciro já está bem posicionado no manejo do caixa federal da área de educação e ainda quer mais, na outra ponta, em pequenos municípios do Piauí comandados por prefeitos ligados a ele, há um retrato acabado do mau uso das verbas liberadas por quem está no topo do sistema: o dinheiro que chega, muitas vezes facilitado por quem tem a caneta e age para privilegiar aliados, acaba indo parar no ralo da corrupção, como mostram documentos obtidos por Crusoé.

Os recursos, quase sempre, são do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, o Fundeb, destinado a bancar o funcionamento das escolas públicas. Esse é mais um dos generosos nacos do orçamento federal que ficam sob a alçada do FNDE, a quem cabe administrar a distribuição das verbas e, depois, fiscalizar a sua aplicação. Para se ter uma ideia da relevância do posto ocupado pelo ex-chefe de gabinete de Ciro, só neste ano ele está responsável pela gestão de nada menos que 64 bilhões de reais.

Os desvios nos quais estão metidos prefeitos que costumam pedir votos para Ciro Nogueira em seu estado-natal envolvem verbas destinadas ao custeio do transporte escolar. Um dos casos mais emblemáticos enreda o prefeito Roger Linhares, que comanda o município piauiense de José de Freitas, de 40 mil habitantes. Filiado ao mesmo partido de Ciro, o Progressistas, Linhares chegou a ser recebido pelo ministro no Palácio do Planalto em outubro de 2021. A audiência foi registrada nas redes sociais do prefeito.

O ministro recebeu o prefeito aliado Roger Linhares no Planalto, em outubro
Na legenda, posando ao lado do sorridente padrinho político, Linhares diz que um dos principais objetivos de sua visita ao palácio era obter verba para “renovar a frota dos ônibus escolares amarelos via FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação)” na ocasião, o órgão já era presidido por Marcelo Ponte, o ex-chefe de gabinete de Ciro. Nada de anormal, não fosse o fato de, em investigações oficiais, Linhares ter sido apontado por uma série de irregularidades na aplicação de verbas da educação.

Ao mapear contratos firmados pela prefeitura de José de Freitas, um órgão do próprio governo federal, a Controladoria-Geral da União, fez um raio-x de uma licitação realizada pelo município, em janeiro de 2018, no valor de 2 milhões de reais anuais. Além de constatar que apenas uma empresa participou da disputa – os demais concorrentes foram desclassificados depois que foram acusados de conluio por um servidor da prefeitura –, os auditores descobriram que nenhum dos 22 ônibus que eram objeto do contrato foram, de fato, colocados à disposição dos alunos conforme a previsão inicial.

“Foi realizada inspeção pela equipe de fiscalização da CGU nos veículos próprios e locados na Prefeitura, não tendo sido localizado nenhum dos veículos”, diz um trecho do relatório.

A entrega do serviço foi bem diferente daquela que estava estipulada no papel. Os ônibus disponibilizados aos estudantes não contavam nem sequer com extintor de incêndio e, muitas vezes, apresentavam pneus carecas. Além disso, os veículos tinham mais do que o dobro da idade considerada limite para que pudessem rodar. Para além das suspeitas de roubalheira, é exemplo clássico de como os desmandos da política acabam, em paralelo, gerando problemas de outra ordem para a população – no caso, a segurança dos estudantes que usavam o serviço esteve em xeque.

” (…) A idade máxima ideal para todos os veículos da frota de transporte escolar seja de sete anos. Entretanto, a média de idade de fabricação dos veículos utilizados em 2018 e 2019, após a licitação, era de 15 anos (…) o que prejudica a qualidade dos serviços prestados e põe em risco a segurança dos alunos”, diz um dos relatórios de auditoria.

Ciro Nogueira e Jullyvan MendesCiro Nogueira e Jullyvan MendesCiro também esteve com Jullyvan Mendes, outro prefeito suspeito de irregularidades
Não é o único caso de desvio de recursos da educação na cidade. Em 2019, o Ministério Público Federal abriu um inquérito para apurar obras inacabadas no município de José de Freitas com recursos do FNDE. Os vários sinais explícitos da falta de zelo com a coisa pública, porém, não foram suficientes para abalar o prestígio do prefeito com Ciro Nogueira. Na tal visita ao Planalto em outubro, o prefeito aliado levou a tiracolo seu irmão, San Martin Linhares. Por influência do ministro da Casa Civil, San Martin foi nomeado para comandar a superintendência do Ibama no Piauí.

Outro aliado de Ciro que aparece envolvido em suspeitas de irregularidades com recursos federais da educação é Jullyvan Mendes, prefeito de Beneditinos, município de pouco mais de 10 mil habitantes próximo à capital, Teresina. Embora esteja hoje no PTB, no período em que os indícios de desvios foram mapeados, o prefeito era filiado ao Progressistas de Ciro.

Durante a gestão de Mendes, foram descobertos problemas graves em uma licitação de 1,2 milhão de reais para a contratação de uma empresa que cuidaria da manutenção de ônibus escolares. Os sinais de direcionamento eram explícitos. De acordo com outra auditoria realizada pela CGU, duas das empresas participantes – inclusive a vencedora da concorrência – funcionavam no mesmo endereço, em Teresina. Não era só isso. Elas também compartilhavam os serviços do mesmo engenheiro mecânico. Ainda assim, o prefeito homologou a licitação.

Em outro contrato sob suspeita, a prefeitura de Beneditinos pegou carona em uma concorrência de Caldeirão Grande do Piauí, um município distante 350 quilômetros, encravado na divisa com Pernambuco e Ceará. Em comum entre as duas cidades havia o fato de os dois prefeitos serem ligados a Ciro – embora seja filiado ao PSB, João Vianney, o prefeito de Caldeirão, cultiva boa relação com o ministro. O contrato, de quase meio milhão de reais, foi firmado sem que houvesse o chamado “termo de referência”, que serve para detalhar os serviços que serão prestados. Os fiscais que avaliaram a contratação apontaram ainda que os pagamentos foram feitos sem que houvesse mecanismos capazes de atestar que a empresa realmente fez o trabalho de manutenção. A auditoria também constatou a existência de pagamentos de despesas “não previstas”.

Para além dos problemas nos contratos relacionados ao transporte escolar, nos mesmos municípios piauienses os auditores encontraram outros indícios de mau uso de verbas do Fundeb. Em Beneditinos, eles descobriram problemas na contratação de consultorias e de obras de reforma e ampliação de escolas, por exemplo. Já em José de Freitas, foram detectadas irregularidades na contratação de serviços de capacitação de professores e outros funcionários da rede municipal de educação. Procurados por Crusoé na manhã de quarta-feira, o ministro Ciro Nogueira e os prefeitos Roger Linhares e Jullyvan Mendes não se manifestaram.

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