Adriano Machado/CrusoéGesto de Sergio Moro, que admitiu abrir mão de sua candidatura ao Planalto em favor de um nome de consenso, não pode ser isolado

Que comecem os jogos

A terceira via finalmente começa a se mover para tentar sair do atoleiro e impedir que Lula e Bolsonaro protagonizem, sozinhos, a corrida presidencial
01.04.22

As notícias de uma possível desistência de João Doria do plano de concorrer ao Palácio do Planalto chacoalharam o meio político nesta quinta-feira, 31. Enquanto ainda pairava o mistério sobre a decisão do governador de São Paulo, um outro movimento politicamente mais relevante ganhava fôlego nos bastidores da corrida presidencial. Após intensas conversas envolvendo os principais players da terceira via nos últimos dias, foi produzido o consenso de que os partidos de centro precisam, com urgência, convergir em torno de um único nome ao Planalto se quiserem quebrar a polarização entre Jair Bolsonaro e Lula. Como ficou demonstrado em 2018, a pulverização de candidaturas é o caminho mais curto para a reprodução da disputa entre bolsonaristas e petistas no segundo turno da eleição à Presidência. Por isso, a palavra de ordem – quase um mantra entre políticos da terceira via – passou a ser “desprendimento”.

O primeiro gesto partiu do pré-candidato Sergio Moro. Em que pese seja o nome mais bem avaliado do espectro de centro, com cerca de 8% das intenções de voto, o ex-juiz decidiu colocar a candidatura em suspenso em favor das negociações em torno de um nome de consenso ao Planalto – que ainda pode até ser o dele. Foi a primeira vez, desde que se lançou à disputa presidencial pelo Podemos, em novembro do ano passado, que o ex-juiz admitiu deixar a corrida presidencial.

Depois de assinar na tarde desta quinta-feira, 31, a ficha de filiação à União Brasil, Moro divulgou uma nota em que atribuiu a mudança de sigla à necessidade de “facilitar as negociações das forças políticas de centro democrático em busca de uma candidatura presidencial única”. “O Brasil precisa de uma alternativa que livre o país dos extremos, da instabilidade e da radicalização. Por isso, aceitei o convite do presidente nacional do União Brasil, Luciano Bivar, para me filiar ao partido”, escreveu. “Para ingressar no novo partido, abro mão, nesse momento, da pré-candidatura presidencial e serei um soldado da democracia para recuperar o sonho de um Brasil melhor.”

A decisão, apurou Crusoé, só foi tomada por Sergio Moro depois de uma rodada de conversas com Simone Tebet, pré-candidata do MDB, Eduardo Leite, que acalenta o sonho de se lançar ao Planalto pelo PSDB, e tucanos da ala anti-Doria, como Tasso Jereissati e José Aníbal. Tebet, por exemplo, disse claramente a Moro nos últimos dias que aceitaria compor como vice em sua chapa, desde que as costuras passassem por um grande acordo envolvendo o MDB, o seu novo partido, a União Brasil, e o PSDB. “Não tenho dúvidas de que até julho teremos um candidato único”, disse a senadora a interlocutores em tom de otimismo, depois da conversa com o ex-juiz. “É preciso que esse campo político tenha relevância política e condições de chegar ao segundo turno. O movimento de Moro vai nesse sentido”, dizia uma pessoa próxima a Moro, antes de ele bater o martelo sobre a ida para a União Brasil.

Divulgação TV brasilDivulgação TV brasilSimone Tebet aposta em candidatura de consenso da terceira via até julho
É bem verdade que o novo lance de Moro no tabuleiro do xadrez político não foi só revestido de idealismo. Houve muito de pragmatismo no movimento. Abrigado até então em um partido sem estrutura, com parcos recursos para turbinar uma candidatura que a própria presidente da legenda, Renata Abreu, para além da inabilidade política flagrante, parecia boicotar, Moro via sua campanha definhar. Embora tenha recuado apenas um ponto na margem de erro das pesquisas, a expectativa do núcleo do ex-juiz era a de que, a essa altura, ele já estivesse consolidado com dois dígitos – havia quem apostasse em 15% a 20% no mês de abril, um cenário improbabilíssimo hoje.

Enquanto Moro pena para tirar sua campanha do marasmo, Bolsonaro, o principal adversário da terceira via na disputa para chegar ao segundo turno, ganhou um respiro. Mesmo que o crescimento seja residual, se em meados de outubro do ano passado tudo parecia caminhar para a deterioração da popularidade do presidente, hoje o quadro é outro: o presidente candidato à reeleição pode até não demonstrar recuperação suficiente para vencer, mas os índices exibidos até agora são significativos o bastante para não tirá-lo da segunda etapa das eleições.

Na União Brasil, Moro já chega sofrendo a resistência de uma ala do partido, fundado a partir da fusão do DEM de ACM Neto e do PSL de Luciano Bivar. A turma proveniente do DEM, em especial, quer que ele abra mão da disputa presidencial e saia candidato a uma cadeira na Câmara dos Deputados por São Paulo – uma opção que ele próprio não admitia até então, mas teve de considerar para ser aceito na nova legenda. Horas após Moro assinar sua ficha de filiação, a ala da União Brasil egressa do DEM fazia circular que a “solução Câmara” havia sido uma condição imposta a Moro para que ele pudesse entrar no partido, dotado de muito mais capilaridade e máquinas estaduais do que o Podemos.

Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência BrasilFábio Rodrigues Pozzebom/Agência BrasilACM Neto, da União Brasil, se opõe à candidatura de Moro ao Planalto
No fim da tarde, oito representantes da sigla assinaram uma nota para declarar que o ex-juiz é “bem-vindo” à legenda “caso haja interesse em construir uma candidatura em São Paulo”. Havia, porém, uma ressalva sem meias palavras: “Neste momento, não há hipótese de concordarmos com sua pré-candidatura presidencial pelo partido”, afirmaram os signatários. A cúpula da legenda acredita que, com o ex-juiz como principal puxador de votos em São Paulo, será possível eleger uma bancada de dez deputados no estado. Moro, por sua vez, sonha com uma mudança futura no cenário que o coloque como opção incontornável para a disputa presidencial.

Independentemente do que virá mais adiante, o movimento de Sergio Moro de abrir mão, por ora, da candidatura não foi nada desprezível. Se os demais integrantes da terceira via vão acompanhá-lo é outra história, mas já há outros sinais claros de que, diante do horizonte de afunilamento entre Lula e Bolsonaro, os demais personagens da corrida vão se mover. João Doria, que em menos de 24 horas desistiu de ser candidato e depois desistiu de desistir, por enquanto permanece como um dos empecilhos para o consenso. Mas o ensaio da desistência, por si, indica uma mudança de ânimo.

Com o blefe, admitido em entrevista no início da noite, o tucano quis criar um fato político em cima de outro fato político: o anúncio da permanência de Eduardo Leite na segunda-feira, 28, no PSDB, para ser candidato a presidente, depois de flertar com o PSD de Gilberto Kassab. Doria, que renunciou ao cargo de governador nesta quinta, afirmou que a ameaça de desistência teve por objetivo obter uma declaração clara de apoio do PSDB ao seu nome – algo que veio no decorrer do dia, com uma manifestação assinada pelo presidente do partido, Bruno Araújo. “Houve, sim, um planejamento para que pudéssemos ter aquilo que conseguimos, o apoio explícito do PSDB, através de seu presidente, Bruno Araújo. A carta que ele assinou hoje não deixa nenhuma dúvida, nem agora, nem depois. O PSDB elegeu em processo democrático das prévias, com a participação de três bons candidatos, elegeu um. Esse é o candidato. Não tem dúvida. Não há golpe possível em uma democracia, seja ela partidária, de um estado, ou de um país”, afirmou o agora ex-governador paulista.

Para os articuladores da candidatura única do centro, no entanto, Doria produziu uma vitória de Pirro. No dialeto político, “ganhou-perdendo”. “Ele ganhou a carta (do PSDB), mas saiu menor do que entrou do caso, pois ficou claro que ele forçou a mão. Com isso, desagradou a muita gente, principalmente, entre os membros dos partidos que poderiam fazer parte de sua aliança, como a União Brasil e o MDB”, afirmou um político bem postado nessas conversas. Na avaliação de dirigentes da União Brasil e do MDB, ao fim e ao cabo, Doria ajudou a colocar água no moinho de Leite – que teria saído fortalecido como uma das opções de nome único do chamado “centro democrático”. Para essas mesmas lideranças, em “um, dois meses no máximo”, a candidatura do paulista sucumbe por “inanição”. “O tempo mostrará que Doria sairá esquálido dessa confusão que ele mesmo criou para si, o que acabará ajudando Leite.”

ReproduçãoReproduçãoDoria desistiu da candidatura e, depois, desistiu de desistir
Mais observador do que ator nas jogadas políticas das últimas horas, o ex-governador do Rio Grande do Sul entende que Doria só reagiu porque percebeu o risco – por essa leitura, o ex-governador paulista teria se dado conta de que a candidatura do ex-governador gaúcho tinha musculatura suficiente para virar uma realidade dentro do PSDB. Por isso, Leite ainda aposta em virar o jogo na disputa interna até as convenções partidárias, entre julho e agosto. A estratégia, no entanto, passará por ajustes: se antes a ideia era iniciar já no próximo mês uma “campanha paralela”, agora ele tem sido orientado a “jogar parado”. Um de seus interlocutores mais frequentes tem sido Sergio Moro.

Nada, porém, será definido antes de junho. O que mudou, dos últimos dias para cá, foi a intenção de acelerar os entendimentos em favor da candidatura única – o que não é pouco, embora não seja uma garantia de sucesso nas urnas. O cenário não é dos mais alvissareiros, mas pesquisas em poder dos articuladores dos partidos de centro mostram que ainda é possível furar a polarização Lula-Bolsonaro. Fiam-se nos índices que mostram que mais de 40% da população não quer nem o petista nem o candidato à reeleição pelo PL. Os levantamentos mostram ainda que as intenções de voto de ambos estão infladas pelo chamado voto útil: as opções por um dos extremos muitas vezes estão relacionadas à rejeição a um e a outro. Portanto, o eleitor que só vai de Lula porque não quer Bolsonaro e vice-versa estaria disposto a escolher outro candidato, desde que se revele competitivo. É exatamente esse nome que a aliança de centro precisa buscar dentro de, no máximo, três meses. Demorou, mas parece que a ficha começou a cair.

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