Adriano Machado/CrusoéCiro Nogueira é o padrinho do presidente do FNDE, que foi chefe de seu gabinete

O fundo do poço na Educação

O bilionário FNDE virou emblema da terceirização do governo para o Centrão e também da estratégia de "descentralizar" a corrupção
15.04.22

Se há um ano o governo ainda se preocupava em esconder a proximidade de Valdemar Costa Neto com o Palácio do Planalto, hoje sobram retratos no álbum de “casamento” de Jair Bolsonaro com o Centrão. Depois da cerimônia quase secreta que colocou o partido do ex-deputado mensaleiro à frente da Secretaria de Governo, Bolsonaro abandonou o jogo de aparências ao entregar o comando da poderosa Casa Civil a Ciro Nogueira e se filiar ao PL de Valdemar para disputar a reeleição. A despeito da guinada retórica, governo e Centrão já viviam um regime de união estável muito antes da efetiva chegada dos caciques à Esplanada, com uma série de indicações do bloco fisiológico para postos-chaves do segundo escalão. As consequências estão vindo à tona agora, com a reedição de um filme cada vez mais difícil de mascarar dentro do bilionário Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, que financia programas educacionais em estados e municípios de todo o país.

A história recente está repleta de exemplos que mostram como o aparelhamento da máquina pública é a origem dos grandes escândalos de corrupção. Políticos indicam aliados ou apadrinham servidores de carreira para ter influência na liberação de dinheiro do órgão conforme seus interesses pessoais e partidários ou em favor de empresários que financiam suas campanhas. Nos governos do PT, isso ocorreu em larga escala em estatais como Petrobras e Correios e beneficiou não apenas os correligionários do ex-presidente Lula como também a dupla Ciro-Valdemar, que hoje sustenta Jair Bolsonaro. Faz dois anos que o chefe da Casa Civil e o “dono” do PL replicam o método do apadrinhamento no FNDE. O fundo é presidido desde junho de 2020 por Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete do cacique do PP no Senado. Valdemar, por sua vez, também tem lá um homem de sua extrema confiança aboletado em uma das principais diretorias. Há, ainda, outros dirigentes indicados pelo Centrão.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéValdemar indicou Garigham Amarante, ligado ao PL há mais de 20 anos, para
uma importante diretoria do fundo
Considerado uma espécie de “banco da Educação”, o FNDE tem um orçamento que, para este ano, está estimado em nada menos que 64,8 bilhões de reais. Os indícios de irregularidades envolvendo os recursos do fundo atingem praticamente todos os seus principais programas: vão de compra superfaturada de ônibus escolares, merenda e equipamentos para aulas de robótica até a liberação de dinheiro para a construção de escolas que não saem do papel em municípios comandados por prefeitos aliados. Como já mostrou Crusoé, esses recursos costumam ser enviados a partir de critérios meramente políticos. Muitas vezes, depois que os prefeitos vão até Brasília para audiências no FNDE, acompanhados de deputados federais e estaduais ligados aos líderes do Centrão. A agenda de Marcelo Ponte está recheada de reuniões com políticos do PP e do PL do Nordeste, em especial do Piauí, terra de Ciro Nogueira. Os encontros são, primeiro, capitalizados politicamente com postagens nas redes sociais. Depois, as prefeituras se refestelam com as contratações.

Embora também seja obrigação do governo fiscalizar os recursos federais gastos na ponta, pelas prefeituras, as autoridades de Brasília se esquivam de qualquer responsabilidade quando surgem indícios de desvios de dinheiro nos municípios. Mas uma recente licitação suspeita conduzida próprio FNDE colocou os holofotes sobre a cúpula do fundo. O órgão abriu um pregão para compra de 3.850 ônibus escolares destinados a atender crianças moradoras de áreas rurais, com indício de sobrepreço de 732 milhões de reais. Uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o valor sugerido pela área técnica da própria autarquia era de 1,3 bilhão de reais, mas a diretoria chefiada por Garigham Amarante, o indicado de Valdemar, apresentou uma estimativa de 2 bilhões na licitação. O valor só foi reduzido depois que o caso veio a público, um dia antes do pregão. Mesmo assim, o Tribunal de Contas da União suspendeu o processo até a conclusão da apuração do sobrepreço.

O caso agravou ainda mais a crise deflagrada no MEC, em março, com o escândalo envolvendo pastores evangélicos aliados de Bolsonaro acusados por prefeitos de cobrar propina em dinheiro e ouro para facilitar a liberação de recursos do FNDE. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal abriram inquéritos para apurar as denúncias. Mesmo com a queda do ministro Milton Ribeiro, amigo dos pastores que estava sendo fritado pelo Centrão, a oposição iniciou uma articulação para instalar uma CPI que possa investigar no Senado as suspeitas de corrupção dentro da pasta. O senador Randolfe Rodrigues, da Rede, chegou a reunir 27 assinaturas, mas três parlamentares retiraram seus nomes da lista em seguida, depois da pressão do Planalto, alegando que a comissão seria usada como palanque eleitoral – Randolfe é coordenador da campanha de Lula. Caso a estratégia siga adiante, os governistas ameaçam retaliar com a abertura de outra CPI, para investigar obras abandonadas pelos governos do PT e do ex-presidente Michel Temer, do MDB.

Aloisio Mauricio /Fotoarena/FolhapressAloisio Mauricio /Fotoarena/FolhapressWeintraub: Bolsonaro mandou entregar o FNDE ao Centrão
Enquanto isso, senadores têm usado a Comissão de Educação para ouvir os suspeitos de envolvimento no escândalo do MEC. Na semana passada, o presidente do FNDE, Marcelo Ponte, confirmou aos parlamentares ter participado de ao menos quatro audiências com os pastores lobistas, mas negou ter testemunhado qualquer prática ilícita. Indagado sobre a suspeita de sobrepreço no pregão dos ônibus escolares, o homem de Ciro Nogueira mentiu ao dizer que havia reduzido o valor previsto no edital depois de um alerta feito pela área técnica e antes de o caso ganhar o noticiário. Ponte esteve cotado para assumir o ministério após a demissão de Milton Ribeiro, mas o Palácio do Planalto preferiu uma solução interna menos polêmica, promovendo o secretário-executivo Victor Godoy, funcionário de carreira da Controladoria-Geral da União, a CGU.

De qualquer forma, a chave do cofre do MEC continua nas mãos do Centrão. Segundo o ex-ministro Abraham Weintraub, essa foi uma determinação expressa do presidente da República. “Ele (Bolsonaro) falou: você vai ter que entregar o FNDE pro Centrão. E eu falei: presidente, não faça isso”, disse Weintraub em entrevista à CNN na última terça-feira, 12, referindo-se a um diálogo que teria tido com o presidente Jair Bolsonaro, em março de 2020. Três meses depois, os indicados de Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto já estavam dando as cartas no fundo da educação. Ainda de acordo com Weintraub, que continua bolsonarista apesar do fogo amigo, foi o general Luiz Eduardo Ramos quem convenceu o presidente a abrir as portas do MEC para caciques do PP e do PL, em troca de apoio no Congresso. Hoje ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Ramos é apontado como um dos responsáveis pela contra-ofensiva do Planalto que evitou a instalação da CPI. Recursos para isso não faltam.

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