Carlos Fernandodos santos lima

O jogo em que todos perdemos

15.04.22

O caminhar das campanhas eleitorais pode parecer desanimador para boa parte da população brasileira, especialmente para aquela que não vê na política uma questão de paixão futebolística, mas que busca definir seu voto em compatibilidade com os seus interesses pessoais e os do país como um todo. E há razões suficientes para esse desânimo, uma vez que as alternativas às duas candidaturas líderes das pesquisas parecem incapazes de articular um discurso que empolgue e reverta as expectativas de uma completa polarização entre Lula e Bolsonaro.

Mesmo sendo cedo ainda para qualquer aposta sobre o resultado das eleições, e certo também de que essas expectativas são em boa parte manipulação midiática, é preciso que a chamada terceira via reaja o mais cedo possível, pois essa polarização, ainda artificial, pode acabar se consolidando na imaginação dos eleitores, impedindo uma discussão construtiva sobre políticas públicas realmente necessárias para superar nosso atraso econômico e social, e não apenas sobre guerras culturais e ideológicas que não ajudarão em nada o país.

Uma coisa é inquestionável: o Brasil perde se essa polarização prevalecer. De um lado temos um presidente golpista, incapaz, arrogante, mesquinho e sem qualquer empatia, manipulando o medo em relação às minorias e o preconceito contra direitos sociais e humanos básicos, e de outro um ex-presidente golpista, mendaz, egocêntrico e enlameado por inúmeros escândalos de corrupção, manipulando o medo do desemprego e da fome.

Só por essa descrição, já se vê que a posição de Bolsonaro é significativamente mais frágil que a de Lula. Enquanto o antipetismo ainda é muito forte, a rejeição de Bolsonaro é ainda maior. E no confronto das duas narrativas, a situação realmente desesperadora de boa parte da população, que se encontra sem emprego, sem comida e tratada como lixo humano pelos radicais de direita, vai prevalecer sobre questões culturais e manipulação de preconceitos. Antes de mais nada as pessoas vão buscar quem lhes ajude, e não quem lhes instigue o ódio.

Além disso, a memória das mazelas econômicas e crimes dos governos Lula e Dilma Rousseff vão ficando esvanecidas diante do absoluto descalabro do atual governo. Se houve uma corrupção bilionária no governo Lula, a corrupção das rachadinhas, das vacinas e dos pastores está aí a gritar que também esse governo se encontra mergulhado em corrupção. Se houve inflação recorde no governo Dilma, com uma política econômica equivocada, o governo Bolsonaro consegue ser ainda mais caótico e sem rumo. É bom que se diga que a capacidade intelectual de Bolsonaro consegue, convenhamos, fazer Dilma parecer um gênio da raça. E Lula vai se distanciando dessa sua criatura, preferindo lembrar exclusivamente da bonança econômica de seu governo.

É uma estratégia muito forte, pois, claramente essa eleição será sobre economia. Não sobre grandes questões econômicas, nem discursos abstratos sobre o futuro do país – todas muito importantes, mas da economia das famílias e de como será possível reverter a triste situação em que muitos se encontram. Nesse ponto, Lula navega absolutamente sozinho, pois Bolsonaro é incapaz de empatia ou compaixão e a terceira via parece uma reunião de acadêmicos que nem sequer compreendem o problema real, quanto mais capazes de articular três palavras compreensíveis para a população.

Da mesma forma obscura para a maior parte dos eleitores, a tentativa das elites da esquerda de propor um plebiscito já no primeiro turno sobre o governo Bolsonaro, querendo fazer parecer que a democracia ameaçada é a grande questão da eleição, é equivocada por diversos motivos. Certamente Bolsonaro é um golpista e, portanto, um risco para a democracia. Sua contínua tentativa de cooptação das instituições armadas mostra claramente que não deve ser reeleito, pois sua vitória na próxima eleição pode o fazer crer, bem como a grupos radicais dentro das Forças Armadas e das polícias militares, que ele tem o respaldo da população nessa aventura.

Entretanto, de maneira diferente, Lula também é um golpista contra nossa democracia. Se não fossem as revelações do mensalão e do petrolão, teríamos um partido hegemônico, patrão de uma clientela de políticos sedentos de dinheiro público, pois capitalizado pela corrupção sistêmica a lhe garantir poder eleitoral pelo abuso do poder econômico. O golpe de Lula pode parecer menos grave do que o pretendido por Bolsonaro, mas ele é tão grave quanto, ainda mais considerando que é muito mais insidioso e traiçoeiro e que não ficou apenas na retórica extremista e aberta como a de Bolsonaro, mas cuja execução foi realmente iniciada durante o primeiro governo Lula. Negar isso é mentir para a população. Bolsonaro é um mal que não deve se reeleger, mas assim também é Lula.

Por isso, a ideia de um plebiscito entre Lula e Bolsonaro a respeito da nossa democracia é perigosa. Ambos os lados podem acreditar nessa narrativa, que não faz parte das preocupações da maioria da população, levando-os a crer que podem buscar mecanismos antidemocráticos no próximo governo, caso sejam vencedores. Não seria de se espantar, por exemplo, que Lula venha realmente a implantar o controle social da mídia, como algumas vezes mencionou, dentre outras medidas que impliquem em controle ideológico das informações.

O outro erro dessa proposta plebiscitária, conclui-se, é descartar a terceira via como uma ideia possível, capaz de quebrar a polarização ideológica e irracional que o Brasil vive. Com certeza, mais do que uma vitória de Lula num segundo turno, ou uma vitória apertada do petista já no primeiro, mais eficaz para a colocação da extrema direita em seu devido lugar seria o terceiro lugar de Bolsonaro no primeiro turno. Isso deixaria claro para todos que o bolsonarismo não é assim tão poderoso, apesar de certamente contar com um nicho de 20% da população que segue cegamente o presidente.

O que resta é saber se a terceira via terá capacidade de articular um nome viável, capaz de um discurso que vá além da classe média, compreensível para a população em geral. Com a estranha e surpreendente saída de Sergio Moro do Podemos e sua ida para a União Brasil, as opções ficaram ainda mais reduzidas. Certamente Moro enfrentará dificuldades para convencer os inúmeros caciques da União Brasil de sua viabilidade, assim como Simone Tebet já percebe o mesmo dentro do MDB. Por outro lado, se Eduardo Leite desponta como um candidato melhor que João Doria, também é questionável que seja empolgante para boa parte da população.

Sobra, além desses, Ciro Gomes, que corre em raia própria, mas que também encontra muitas dificuldades em deslanchar. Entretanto, Ciro é capaz de falar para os mais necessitados de forma mais clara e eficiente que Moro, Tebet, Doria ou Leite. Para se tornar palatável para os eleitores centristas e de centro direita, Ciro deveria deixar seus arroubos boquirrotos e sua retórica esquerdista, caminhando para um confronto mais claro com o PT e Lula. De outra forma, repetirá seus fracassos anteriores.

Os próximos meses serão cruciais para o futuro do Brasil. Não se pode admitir que só tenhamos uma situação em que “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Não é aceitável que tenhamos uma eleição entre dois candidatos ligados a agrupamentos políticos sabidamente corruptos, um aliado do Centrão e outro do consórcio PMDB-PT. Qualquer um dos dois, se eleito, trará enorme instabilidade social e prejuízo para o país. Não podemos aceitar que se trata de uma escolha entre o menos ruim, pois um segundo turno entre Bolsonaro e Lula será um jogo em que todos saem perdendo. Nessa hipótese, o voto em branco, mostrando uma rejeição significativa aos dois, é a opção mais digna e talvez um recurso para colocar freios em qualquer pensamento golpista do vencedor.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO