Petrobras exposta
Avaliada em 70,6 bilhões de dólares, a Petrobras é a empresa mais importante entre as 158 sob o controle acionário do governo federal. Desde janeiro, quando superou a mexicana América Móvil, é também a companhia mais valiosa da América Latina. Os números são superlativos: a Petrobras produz 2,7 milhões de barris de óleo por dia, investe mais de 70 bilhões de reais por ano e paga, por hora, 23 milhões de reais em impostos e tributos à União. Apesar da relevância estratégica para o mercado interno e até para a geopolítica internacional, a petroleira se transformou perigosamente em mais uma peça do jogo de Jair Bolsonaro para viabilizar seus planos eleitorais.
Após quase três semanas de incertezas e de um vaivém constrangedor e arriscado do ponto de vista do negócio, o químico José Mauro Ferreira Coelho recebeu na tarde de quinta-feira, 14, o aval do conselho de administração para assumir o comando da empresa. Ex-funcionário de carreira e até então conselheiro, o engenheiro Márcio Andrade Weber foi aprovado como presidente do conselho. A dupla chega à cúpula da estatal após uma sequência de trapalhadas que levou à queda das ações, mesmo com o petróleo em alta, e arranhou a credibilidade da Petrobras.
As mudanças são produto direto da pressão do presidente, que quer passar para o eleitorado a impressão de que está fazendo algo para controlar os preços das bombas dos postos de combustíveis. Antes de José Mauro Coelho e Márcio Weber terem seus nomes aprovados, o governo percorreu um caminho tortuoso. Primeiro, fritou o general Joaquim Silva e Luna, com uma importante mãozinha do Centrão. Formalmente indicados, o economista Adriano Pires – que tinha seu nome abençoado pelo notório Arthur Lira – e o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, desistiram da empreitada. Com negócios relacionados à área de óleo e gás, havia evidentes conflitos de interesse que os deixariam expostos ou mesmo sob risco de terem os nomes rejeitados. O governo patinou até encontrar alternativas.
Recém-empossado como líder do PL, o deputado Altineu Côrtes, do Rio de Janeiro, é um legítimo representante do baixo clero da Câmara que, sob Bolsonaro, se aventurou em voos mais altos. Tão altos que, nos bastidores, é apontado como um dos padrinhos do novo presidente da Petrobras. “Eu o conheço desde o tempo em que era presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério das Minas e Energia). Sem dúvidas, é um nome técnico, que fará um grande trabalho”, afirma o líder do PL, que não assume a condição de padrinho de Coelho (ele jura não ter conversado com Bolsonaro sobre a indicação). Detalhe: Altineu integrou a tropa de choque de Eduardo Cunha antes da derrocada do ex-presidente da Câmara, foi subrelator da CPI da Petrobras, aberta em 2015 para apurar o escândalo do petrolão, e hoje é um dos principais soldados de Valdemar Costa Neto no Congresso.
Aliados do governo minimizam os impactos da mudança. Mas, ao mesmo tempo, admitem a existência do componente político. “É claro que as trocas constantes não são algo desejável, mas temos que analisar a necessidade dessas substituições. Se perguntarmos ao brasileiro comum se ele está satisfeito com os rumos da Petrobras, eu posso assegurar que a resposta será majoritariamente negativa. O que acontece na empresa tem reflexo no bolso de quase 100% da população. E quando temos uma política de aumento de petróleo quase semanal, aí o povo começa a se perguntar o que está errado”, explica o deputado Édio Lopes, também do PL, atual presidente da Comissão de Minas e Energia da Câmara, responsável pela fiscalização da política energética do país.
Édio Lopes prossegue: “Se houve alguma pitada de participação de parlamentares, como o deputado Altineu, isso é natural. É de bom alvitre que o presidente ouça seus aliados, ainda que a palavra final seja dele. O PL já era uma força política muito presente no governo, e hoje o PL é o governo. Nosso partido não pode mais dizer que é coadjuvante no Palácio do Planalto. O PL é o Palácio do Planalto”. Não se trata de algo trivial: com a memória do petrolão ainda viva, os políticos já falam abertamente da retomada da influência do Congresso sobre os rumos da estatal. Um escárnio que se soma à desconstrução da Lava Jato e à anulação das punições aplicadas aos responsáveis pelo esquema.
Bolsonaro, porém, demonstra desconhecer as normas mais básicas do mercado e, muitas vezes, baseia suas ações em postagens de redes sociais e fake news. Demitido no ano passado nas mesmas circunstâncias de Silva e Luna, Roberto Castello Branco, o primeiro chefe da Petrobras no atual governo, revelou ter sofrido pressão do presidente da República para reduzir os preços. A pressão se dava, disse, por meio de ligações e mensagens. “Eu simplesmente não atendia”, afirmou, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura.
“Causa profunda perplexidade essa enorme capacidade do governo de criar confusão, de tratar assuntos sérios de maneira improvisada, sem planejamento, sem levar em conta as normas, as leis e o interesse da sociedade em geral. Ele é rápido em criar confusão e não tem a necessária capacidade de resposta nem aos problemas existentes, nem aos que ele cria sem necessidade”, diz Ildo Sauer, ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras. “Se Bolsonaro tem problemas na percepção pública com relação ao preço dos combustíveis, ele demite o presidente da Petrobras. Isso cria tumulto e o presidente da República espera que as coisas se acomodem durante essas marolas. É absolutamente inacreditável que o governo use esse estratagema. Estamos às raias do abismo”, acrescenta Sauer.
A despeito do plano de Bolsonaro de espalhar para o eleitor desavisado a leitura de que o governo trabalha para conter o preço dos combustíveis, ao tomar posse no cargo nesta quinta-feira, 14, o novo presidente da Petrobras defendeu a manutenção da política de preços da estatal. Para entregar a sensação de mudança desejada pelo presidente, porém, José Mauro Coelho disse que pretende ampliar a interação com a sociedade, com o Congresso Nacional e com o governo. É mais uma evidência, entre tantas, de que os tempos de ingerência e politicagem na empresa estão de volta.
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