Adriano Machado/CrusoéLula em visita a acampamento indígena nesta semana em Brasília: no PT, tem crise

Trombadas na campanha petista

O crescimento de Bolsonaro nas pesquisas é apenas um dos problemas visíveis da candidatura do PT ao Planalto. No entorno de Lula, há confusões por todos os lados
15.04.22

Há exatamente um ano, Lula voltava de vez ao jogo eleitoral — foi no fim de tarde de 15 de abril de 2021 que o Supremo Tribunal Federal anulou as condenações do petista na Lava Jato e devolveu-lhe os direitos políticos. Enquanto o caminho era aberto para mais uma candidatura do ex-presidente ao Palácio do Planalto, o país vivia uma situação ainda mais delicada que a atual, com a vacinação contra o coronavírus a passos lentos, a taxa de contaminação em alta, a economia estagnada e o desemprego em nível recorde. Foi o suficiente para o clima de “já ganhou” tomar conta do estado-maior do petismo. Os últimos dias mostraram, no entanto, que a eleição presidencial está longe de estar decidida. Para além do crescimento de Jair Bolsonaro em todas as pesquisas, o PT vem tropeçando decisivamente nos próprios erros. Na pré-campanha, os problemas vão desde a disputa interna por influência e território até o bate-cabeça na hora de definir a agenda do pré-candidato à Presidência. Ultimamente, é difícil saber quem fala a mesma língua. Da área de articulação política à comunicação, poucos se entendem. “A campanha virou uma mistura de sindicalistas, ex-ministros palacianos e petistas da velha guarda”, diagnostica uma parlamentar do partido.

Luiz Dulci, por exemplo, além de fundador do PT, foi ministro da Secretaria-Geral da Presidência durante os oito anos de Lula no Planalto. Hoje, é o responsável pela agenda do petista. Ao menos no papel. Na prática, a tarefa de definir os compromissos de Lula cabe também à noiva do ex-presidente, Rosângela da Silva, a Janja, e ao cientista social Marco Aurélio Santana Ribeiro, o Marcola. O problema é que o trio anda desafinado. Depois que Janja passou a decidir quais lideranças políticas teriam a preferência nos encontros com Lula e a articular a participação do petista em eventos públicos, Ribeiro se sentiu atropelado. Marcola estreitou laços com o ex-presidente durante o período em que ele esteve na prisão, em Curitiba. Era um dos responsáveis por fazer a “ponte” entre Lula e o mundo externo — além de despachar cartas, atuava como portador de recados que o então presidiário queria transmitir a integrantes do partido. Desde então, passou a ajudar informalmente na organização da agenda de reuniões. Trata-se de um poder que costuma ser delegado, em geral, a pessoas de estrita confiança. Quando Lula era presidente, a função cabia a Gilberto Carvalho. De acordo com integrantes do entorno lulista, as trombadas com Janja foram tão feias que Marcola já ensaia deixar a campanha. “Se você bate de frente com a pessoa número um da vida do candidato, fica difícil permanecer”, diz um interlocutor. No meio da confusão, Dulci tenta atuar como magistrado, mas também tem levado bordoadas. E, como é o responsável oficial pela agenda do ex-presidente, é ele quem acaba virando alvo de críticas internas toda vez que algo não sai como esperado.

Nos últimos 30 dias, Lula priorizou reuniões e participou de eventos com seu eleitorado já cativo. Teve encontros com integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, o MTST, e da Central Única dos Trabalhadores, a CUT, participou de um Congresso do PCdoB e visitou um acampamento de indígenas em Brasília. Integrantes da campanha insatisfeitos se queixam: dizem que o petista precisa parar de falar somente para convertidos. Foi, aliás, em eventos como esses que Lula defendeu que militantes pressionassem parlamentares e familiares em suas casas – para o delírio dos bolsonaristas, que aproveitaram a situação para explorar o tema nas redes sociais –, tachou a elite brasileira de “escravista” e se disse favorável à legalização do aborto – essa última declaração, em especial, não repercutiu bem entre o eleitorado evangélico, o que levou ao recuo do ex-presidente. “A única coisa que eu deixei de falar, na fala que eu disse, é que eu sou contra o aborto. Tenho cinco filhos, oito netos e uma bisneta. Sou contra o aborto. O que eu disse é que é preciso transformar essa questão do aborto numa questão de saúde pública”, disse ele, tentando consertar, dois dias depois.

Edilson Rodrigues/Agência SenadoEdilson Rodrigues/Agência SenadoGleisi reclama das articulações de Dirceu sem anuência do partido
Se as escaramuças no círculo mais íntimo do ex-presidente preocuparam e podem até a levar a deserções, foram as trocas de chumbo entre José Dirceu e Gleisi Hoffmann que mais estremeceram o partido nas últimas semanas. Principalmente, pelo peso de ambos nos bastidores da sigla. “É o que chamamos de briga de cachorro grande”, diz um grão-petista. O antigo “capitão do time” de Lula e a presidente nacional do PT não se bicam há pelo menos uma década, mas a crise se ampliou nos últimos dias – foi necessário um tête-à-tête.  Os dois travam uma disputa por espaço e influência. Gleisi, que é a coordenadora-geral da campanha, não gostou de saber que Dirceu estava se encontrando pelas suas costas com aliados de Jair Bolsonaro, como o governador do Paraná, Ratinho Júnior, e integrantes da equipe do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro. A petista também ficou enfurecida com as tentativas do ex-ministro da Casa Civil de interferir nas candidaturas e alianças estaduais do PT. Já Dirceu, que ajudou a articular nos bastidores o recente encontro com banqueiros e empresários da Faria Lima, em São Paulo, se irritou com a escalação de Gleisi para representar o partido na reunião.

Nas últimas semanas, no ápice da tensão, Gleisi passou a falar a quem quisesse ouvir no partido que Dirceu não tinha condições de apitar na campanha por ter sido um dos responsáveis diretos pelo escândalo do mensalão. Ao tomar conhecimento do comentário, o ex-todo-poderoso do primeiro governo Lula desabafou: “Com Gleisi no comando, vamos perder a eleição”. Com a entrada de bombeiros em cena, durante a conversa que tiveram, na semana passada, os dois juraram deixar as diferenças de lado. Aliados, no entanto, temem que a trégua não dure.

Zanone Fraissat/FolhapressZanone Fraissat/FolhapressDirceu revida: “Com Gleisi no comando, vamos perder a eleição”
Na comunicação, Jilmar Tatto, secretário nacional do PT, e Franklin Martins, ex-ministro e responsável por coordenar o setor na campanha, não têm se entendido sobre a definição das estratégias. Enquanto o primeiro defende um marketing integrado entre as imagens do partido e as do ex-presidente, o segundo prefere apostar unicamente no que chama de “marca Lula”. Além disso, Franklin tem resistido a compartilhar com integrantes do partido detalhes da estratégia digital da campanha — nesse caso, irritou não apenas Tatto, mas também dirigentes do PT. O pomo da discórdia, porém, foi o contrato milionário acertado entre Franklin e Augusto Fonseca, da MPB Estratégia & Criação. Responsável pela produção do material de divulgação da campanha, o marqueteiro deve receber mais de 40 milhões de reais. O valor provocou a ira de integrantes da Executiva da sigla. Eles dizem que o dinheiro para a campanha deste ano não será tão abundante quanto o disponível para as candidaturas de Lula em 2002 e 2006, quando doações de empresas ainda eram permitidas. Irritados com a postura de Franklin Martins, alguns petistas deixaram até de cumprimentá-lo.

Por ora, Lula faz ouvidos de mercador ao ser informado sobre as divergências. “Ele (Lula) precisa entender que experiência não pode se confundir com autossuficiência”, pondera um senador aliado, sob reserva. Aliados defendem que o petista precisa delimitar o papel de cada integrante de sua equipe se quiser evitar novos desgastes. Integrantes do entorno lulista, inclusive, já anteveem uma previsível disputa pelo protagonismo na elaboração do programa de governo, em fase de produção. Randolfe Rodrigues, da Rede, e Sarney Filho, do PV, atual secretário de Meio Ambiente do Distrito Federal e filho caçula do ex-presidente José Sarney, com quem Lula se reuniu a portas fechadas durante a semana, já andam se estranhando nos bastidores. Motivo: os dois querem ter ascendência sobre a área de meio ambiente. Mais uma trombada.

Durante um encontro com senadores e caciques do MDB, em Brasília, na segunda-feira, 11, Lula recebeu pedidos para reduzir os ruídos na campanha, moderar o discurso, evitar a pauta de costumes e focar nos “três assuntos que unificam o Brasil: fome, economia e democracia”. Para lideranças que estiveram no jantar, o petista tem preferido seguir seu instinto político a ouvir as opiniões de terceiros. Ou seja, Lula está mais Lula do que nunca. E as trombadas devem continuar.

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