Pedro França/Agência SenadoLula: garganta que inspira cuidados

O bicho-papão de Lula

No final de 2021, uma vitória de Lula no primeiro turno das eleições parecia ao alcance das mãos. Hoje, a certeza no PT é de que a disputa será “duríssima”, e com pouco espaço para erros
22.04.22

Nos últimos dois meses, tornou-se comum ouvir de políticos petistas, em conversas públicas ou privadas, que é preciso “evitar o salto-alto” em relação às eleições. Mais do que não passar uma impressão de arrogância, trata-se de realismo. No final de 2021, uma vitória de Lula no primeiro turno parecia ao alcance das mãos. Pesquisas de intenção de voto não apenas registravam diferenças de vinte pontos ou mais, entre o ex-presidente e Jair Bolsonaro, como mostravam que o percentual do petista era maior do que a soma de todos os outros concorrentes juntos. O Datafolha de 16 de dezembro serve de exemplo: Lula tinha 47%, contra 21% de Bolsonaro. Desde fevereiro, no entanto, essa vantagem vem se estreitando. Em 23 de março, o mesmo Datafolha apontou Lula com 43% e Bolsonaro com 26%. Em pesquisa divulgada nesta quinta-feira (21), o instituto Idea Big Data mostrou o petista com 42% e seu adversário com 33%. A diferença, que hoje é de nove pontos percentuais, no levantamento anterior, em março, era de 13. Quem realiza pesquisas eleitorais, ou estuda a história do voto no Brasil, hoje tem poucas dúvidas de que esta será uma disputa em dois turnos. No PT, a certeza é de que será uma disputa “duríssima”, com pouco espaço para erros.

Um episódio mostra o tipo de equívoco que pode desgastar Lula e favorecer Bolsonaro. Em um evento recente, o ex-presidente opinou sobre aborto, um tema divisivo no Brasil. Sua fala repercutiu imediatamente e deu munição aos bolsonaristas, sempre ferozes nas discussões sobre a chamada pauta de costumes. “Esse tipo de discussão não favorece em nada um candidato na posição de Lula”, diz o cientista político Maurício Moura, que conduz as pesquisas do instituto Idea Big Data. “O espaço natural de uma campanha como a deste ano é o julgamento do governo que busca a reeleição. Como a rejeição a Bolsonaro é alta e as notas atribuídas à sua gestão continuam ruins, quanto mais seu adversário se ativer a isso, mais terá chances. O principal desafio do PT é impedir que Lula e o próprio partido se transformem em alvo, como ocorreu no caso do aborto.”

A eficiência do bolsonarismo nas redes sociais torna os deslizes ainda mais arriscados. Segundo a consultoria Bites, que monitora os protagonistas do debate político na internet, os conteúdos produzidos pelo presidente e sua equipe mobilizam quase três vezes mais a atenção do público do que os conteúdos de Lula. Bolsonaro responde por 63% de toda a conversa sobre temas políticos na rede, contra 24% do petista. Um exemplo desse poderio é o fato de que até agosto do ano passado não havia busca no Google pela expressão “voto auditável”. Uma vez que Bolsonaro passou a falar do tema, a procura se tornou constante. Hoje, há em média 36.000 buscas mensais por esses termos do vocabulário bolsonarista no Google, em comparação com 15.000 buscas mensais sobre “urna eletrônica”, por exemplo. Por outro lado, a pandemia, que causou grandes danos à imagem do presidente, já não agita as redes. “Não há correlação direta entre presença na internet e voto na urna”, diz Manuel Fernandes, fundador da Bites. “Mas a capacidade do bolsonarismo de pautar as conversas e construir narrativas atualmente é maior que a do PT, e isso pode influir na campanha.” 

O petismo está ciente dessas ameaças. “Nossa campanha está se preparando para um grande enfrentamento, com uma força violenta de direita, que não tem um pingo de compromisso com a democracia”, diz o deputado federal José Guimarães, integrante da executiva nacional do PT. “Mas nós sabemos que o mais importante é focar na economia e  nas carências do povo. Vamos relembrar tudo que a dupla Bolsonaro e Paulo Guedes deixou de fazer nesses quatro anos, ou então fez mal feito, não para ajudar as pessoas, mas porque estavam apanhando pelos erros.” O desafio de virar o jogo na internet deve ficar nas mãos de Franklin Martins, o jornalista que comandou a secretaria de comunicação do governo federal nos mandatos de Lula. Martins perdeu prestígio nas últimas semanas, porque o publicitário que ele contratou para cuidar do rádio e da televisão na campanha foi desaprovado e porque seu estilo fez com que batesse de frente com nomes da cúpula do PT. Mas Lula confia nele. Além disso, Martins foi um pioneiro do jogo sujo na internet, ao criar, ainda nos anos 2000, uma rede de veículos e blogs que defendiam o governo petista, atacavam a reputação de jornalistas independentes e se financiavam com dinheiro público.

Clauber Cleber Caetano/PRClauber Cleber Caetano/PRBolsonaro em viagem: tendência é que a avaliação de seu governo continue a melhorar
Além de apostar nos tropeços do inimigo e na capacidade do seu aparato de comunicação de manter a chama do antipetismo bem acesa, Jair Bolsonaro pode contar com outros fatores para aumentar sua intenção de voto.

Um deles é o esfarelamento da Terceira Via. Quanto mais remota se torna a chance de uma candidatura alternativa interferir no duelo entre Lula e o atual presidente, mais fica assegurado que a diferença que hoje os separa vai se estreitar até a data do primeiro turno, em 2 de outubro. A melhora de Bolsonaro nas pesquisas eleitorais de abril coincide com a neutralização de Sergio Moro, o candidato de centro que contava com mais votos. É quase certo que o ex-juiz não conseguirá voltar à disputa depois de ter trocado o Podemos pela União Brasil, no final de março. Como boa parte de seus simpatizantes dizia ter Bolsonaro como segunda opção de voto, em pesquisas que exploraram essa questão, o presidente provavelmente poderá contar com esses órfãos de Moro até o final. Na verdade, qualquer candidatura de Terceira Via (exceto a de Ciro Gomes, caso se queira pensar nele dessa forma) disputaria eleitores indecisos mais com Bolsonaro do que com Lula. O lançamento tardio dessa candidatura só não traz maiores benefícios ao presidente do que sua pura e simples inexistência.

O pacote de bondades que o governo vem despejando sobre os brasileiros – Auxílio Brasil, vale-gás, antecipação de décimo-terceiro salário dos aposentados e pensionistas do INSS, liberação de valores do FGTS, incentivos aos microcrédito e aos empréstimos consignados – também terá efeito positivo. Segundo o já mencionado Datafolha de 23 de março, a avaliação da administração Bolsonaro teve melhora significativa em comparação com dezembro: a porcentagem de quem acha o governo ruim ou péssimo caiu de 53% para 46%. No entanto, além de variar de intensidade nas diferentes regiões do Brasil, a percepção dos benefícios não é assegurada. O que acontece no Maranhão, segundo o relato do senador Roberto Rocha (PTB), é um bom exemplo. Com a pior renda familiar per capita do país (635 reais), segundo dados recentes do IBGE, o estado tem 1,1 milhão de beneficiários do Auxílio Brasil. “Acontece que ninguém associa esse dinheiro ao Bolsonaro”, lamenta Rocha, que apoia o governo e enfrentará o socialista Flávio Dino em busca da reeleição ao Senado. “As pessoas se confundem, acham que ainda é auxílio emergencial da pandemia. Não entendem que é política nova. O resultado é que o Maranhão continua sendo o estado mais lulista do Brasil.” Uma melhora na comunicação do governo e uma boa propaganda eleitoral podem surtir algum efeito. Mas o petista José Guimarães duvida que ele seja significativo. “O DNA desse tipo de política é do Lula, não adianta tentar enganar o povo”, diz ele.

Segundo Maurício Moura, do Idea Big Data, as eleições de 2022 serão decididas em um terreno-chave, a região Sudeste, e terão um tipo crucial de eleitor, as mulheres de classe C. Nas eleições de 2018, Bolsonaro venceu no Sudeste e viu seu desempenho nas urnas melhorar do primeiro para o segundo turno. Ao longo do mandato, no entanto, ele perdeu apoio nas regiões metropolitanas, com grande densidade demográfica. Os moradores dessas áreas são especialmente afetados pela inflação de itens como alimentação e consumo. Para eles, o Auxílio Brasil de 400 reais não dura nada. Esse também é o universo de um enorme contingente de mulheres de classe C, com quem Bolsonaro não soube criar empatia ao longo de três anos e meio de governo. Seu comportamento durante a pandemia, especialmente em relação à vacinação, que sempre foi vista como um serviço importante prestado pelo estado às famílias, deixou uma marca negativa que está esvanecendo, mas pode ser reavivada. Um fato curioso sobre essas eleitoras é que elas costumam demorar a decidir o voto – mas o tempo pode não ser suficiente para que Bolsonaro as cative.

Como em toda campanha de reeleição, os eleitores brasileiros indecisos farão a si mesmos uma pergunta fundamental: minha vida está melhor do que estava há quatro anos? Sob essa ótica, Bolsonaro tem um caminho íngreme para percorrer. Mas a aprovação de seu governo já foi pior e a tendência é que ainda melhore. Como em nenhuma outra campanha da história, contudo, as vísceras também vão conduzir a mão que digita o voto. Lula e Bolsonaro são figuras carismáticas, que despertam vastas emoções, tanto positivas quanto negativas. Subestimar a capacidade do time de Bolsonaro de fomentar o antipetismo, aproveitando-se de qualquer deslize, pode ser um erro fatal. Lula nem sempre tem se lembrado disso. Para completar o quadro favorável ao atual presidente, o ativismo do STF tem jogado a seu favor. A recente decisão de Bolsonaro de indultar o deputado federal Daniel Silveira, cassado e condenado a 8 anos e 9 meses de prisão, por atentar contra o Supremo, fortalece a percepção de que o presidente está preocupado com a liberdade de expressão, ao contrário de Lula, que já prometeu que, se eleito, tentará controlar a imprensa e as redes sociais. Não importa, aqui, o aspecto legal do indulto. É a imagem que ele projeta.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO