Foto: Marcos Santos USP Imagens Fotos PúblicasDireito sob ataque: o Brasil passou a tomar por regra a censura e a liberdade por exceção

CARTA DO EDITOR

Em meio aos confrontos entre Jair Bolsonaro e o STF, e a compra do Twitter pelo bilionário Elon Musk, esta edição especial reflete sobre a natureza da liberdade de expressão
28.04.22

Há uma guerra em curso no Brasil, a respeito dos limites da liberdade de expressão. Neste momento, ela passa por um de seus momentos mais quentes, e opõe o bolsonarismo ao Supremo Tribunal Federal. Como em toda guerra, o bom senso sucumbiu antes do disparo do primeiro tiro. Além disso, todos os argumentos usados pelas partes precisam ser interpretados contra o seu pano de fundo político – não a política nobre dos tratados filosóficos, mas a encarniçada, das eleições que acontecem em outubro deste ano. Até mesmo a compra do Twitter pelo bilionário de origem sul-africana Elon Musk, anunciada nesta semana, tornou-se munição de ataque. Esta edição especial de Crusoé traz reportagens e artigos que destrincham a disputa entre Jair Bolsonaro e o STF, mas também refletem sobre a natureza da liberdade de expressão.

A condenação do deputado federal Daniel Silveira a quase nove anos de prisão, bem como à perda dos direitos políticos e do mandato parlamentar, deu início aos combates. Silveira foi punido pelo STF, há cerca de uma semana, por disseminar vídeos que incitavam à violência contra a corte e seus ministros. De surpresa, o presidente concedeu um indulto a Silveira e acusou o tribunal de castigar injustamente não apenas um deputado protegido pela imunidade parlamentar, mas um cidadão que simplesmente exercia o seu direito de falar. Reportagem de Fabio Leite mostra como esse episódio incentivou o time de Bolsonaro a organizar neste domingo, por todo o país, demonstrações de força política semelhantes às do Sete de Setembro de 2021. Em outro texto, o repórter Duda Teixeira trata da aquisição do Twitter, dos planos de Elon Musk para reduzir a moderação na plataforma, mas também dar mais transparência ao seu funcionamento, e de como esse debate chegou ao Brasil. 

Em circunstâncias de menor hostilidade, seria possível dizer que Jair Bolsonaro e o STF representam duas visões sobre o direito à liberdade de expressão: a americana, em que as limitações ao debate público são quase inexistentes, e a europeia, bem mais restritiva. Os dois artigos desta edição, assinados por André Marsiglia e Jerônimo Teixeira, tomam partido pelo modelo americano, assim como Crusoé, que já foi censurada por ter publicado uma reportagem verdadeira e, portanto, já experimentou na pele a interpretação tropicalizada da versão europeia. Mas isso não equivale a legitimar todas as ações de Bolsonaro e Silveira. Nem em sua forma mais plena, a liberdade de expressão admite aquilo que é injúria, calúnia, difamação ou ameaça – e o bolsonarismo com frequência ignora essas fronteiras. Como escreve Marsiglia, “a liberdade de expressão esbarra em seu limite quando deixa de ser discurso”. 

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