RuyGoiaba

Os idiotas com megafone e as caixas de som

28.04.22

Há três coisas certas nesta vida: morte, impostos e o fato de que aquele imbecil que põe a caixa de som em volume altíssimo, para estourar os tímpanos da cidade inteira — seja no carro dele, seja na praia —, jamais estará ouvindo Mozart. Nem Duke Ellington, nem Pixinguinha. Nem qualquer música que não seja um lixo absoluto, auditivamente coerente com a personalidade de quem faz esse tipo de coisa. Afinal, para que se dar ao trabalho de usar fones de ouvido se é tão mais divertido estuprar musicalmente ouvidos alheios? Liberdade de expressão é muito legal e tal, mas tem esse limite dos tímpanos humanos.

O assunto voltou à baila nesta semana porque Eduardo Paes, o prefeito do Rio, decidiu proibir o uso de caixas de som nas praias. “As praias são os lugares mais democráticos e populares de nossa cidade. É importante que o espaço do outro seja respeitado, sem ser invadido por um som alto, que chega a obrigar as pessoas que estão lá se divertindo, descansando ou curtindo a se retirarem do local”, escreveu Paes em sua conta oficial no Twitter na última terça-feira (26). Como tudo no Bananão (e ainda mais no Rio, lugar que um amigo — aliás carioca — chama de “o Brasil do Brasil”), a lei corre o risco de se tornar mais um caso de “é proibido, mas se quiser pode”. Seja como for, sua intenção é louvável.

Mas é claro que, uns cinco segundos depois do tuíte do prefeito, já apareceu gente para PROBLEMATIZAR a medida, especialmente no Twitter, aquela ágora repleta de idiotas com megafone que Elon Musk acabou de comprar. Pessoas contrárias à proibição, muitas delas brancas e no mínimo de classe média, se arrogaram o papel de advogados do povão, sacudindo seu dedo virtual na cara dos outros e dizendo basicamente “quem não gosta de caixa de som na praia = racista e elitista”, duplo twist carpado (argumentativo) que nem uma campeã olímpica como Rebeca Andrade ousaria. Vamos, por ora, ignorar que os modelos mais potentes de caixas como as da JBL podem custar mais de 3 mil reais e que o oligofrênico que descrevi no primeiro parágrafo tem, no mínimo, dinheiro suficiente para não só andar de carro como instalar nele aquele sonzão irado.

Será possível que essa gente seja tão, mas tão progressista que não percebe o próprio preconceito ao associar “pobres” ou “negros” a “pessoal barulhento e que só ouve música ruim”? Pelo visto, não lhes passa pela cabeça que morar numa favela não faz ninguém gostar automaticamente de excesso de barulho (vá perguntar aos moradores se eles curtem pancadão na porta de casa). Nem que impor seu gosto musical a um ambiente público requer alguma grana e é, portanto, não só uma atitude autoritária como elitista, de quem se acha no direito de “privatizar” a praia. Posso apostar que é o mesmo tipo classe-média-culpada que fica muito surpreso com o fenômeno “pobres de direita” — sinal inequívoco de que a pessoa nunca conversou com um pobre em toda a sua vida.

De todo modo, como já disse no Twitter, tenho um plano infalível: estou me empenhando em uma seleção de álbuns para ouvir no talo na praia, na caixa de som mais potente possível, tornando todo mundo que é contra a proibição imediatamente favorável a ela. Posso começar com o “Metal Machine Music”, do Lou Reed, e daí partir para outros exemplos clássicos de tortura auditiva. Minha esperança é que, antes de ser preso pela puliça de Eduardo Paes, eu consiga por alguns minutos transformar o Posto 9 em uma praia deserta só para mim.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Um bom atestado de idade é desconhecer completamente todas aquelas bandas que vêm em letras pequenas nos cartazes de festivais como Lollapalooza e Coachella — nem falo da dificuldade de enxergar as letrinhas em si. A novidade é que o Primavera Sound, previsto para novembro em São Paulo, incluiu na sua escalação um grupo chamado Viagra Boys. Achei que fosse sacanagem (não nesse sentido, leitor pervertido), mas fui checar e eles existem mesmo; confesso que fiquei aliviado ao saber que é uma banda sueca de pós-punk, não um bando de militares brasileiros. De todo modo, não me espantarei se convidarem para esses festivais algum grupo chamado The Próteses Penianas; até já deve existir.

Foto: ReproduçãoFoto: ReproduçãoVocê também não consegue ler as letrinhas desse cartaz? Tem minha solidariedade

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