Twitter: objetividade e transparência nos critérios do que é ou não admissível nas mensagens seriam uma mudança bem-vinda

Por um Twitter libertário

Não se sabe bem para onde Elon Musk vai levar a rede social que acaba de adquirir, mas é bom saber que ele defende a liberdade de expressão
28.04.22

Uns cinco ou seis anos antes de Elon Musk cogitar no acréscimo de uma rede social a seus já ricos feudos, um conhecido meu foi banido do Twitter porque concluiu um post com o seguinte chamado: “Morte aos fascistas!”.

Como é comum em certa esquerda, esse sujeito tinha uma noção de fascismo ampla o bastante para abranger, por exemplo, qualquer pessoa com sensatez histórica para compreender que não houve um golpe de Estado no Brasil em 2016. Se sua conclamação para matar fascistas fosse atendida, eu estaria na longa fila para o paredão, junto com uma penca de amigos (de esquerda, inclusive). 

No entanto, não me senti ameaçado. Bazófia em rede social é só ar — ou, menos que isso, só uma fila de 0s e 1s. Admiro a doutrina da “ameaça clara e imediata(“clear and present danger”) que Oliver Wendell Holmes consagrou na Suprema Corte americana em 1919: só cabe proibir ou punir o discurso beligerante quando houver a possibilidade efetiva de que o chamado às armas seja atendido. Como expressões de infantilidade política vindas de figuras acadêmicas em geral não levantam multidões, dou risada e sigo a vida. 

Ainda não se sabe exatamente como será o Twitter libertário de Elon Musk. Mas, no meu Twitter ideal – que não existe nem existirá, pois mesmo que por milagre eu ganhasse 44 bilhões de dólares, compraria destilarias escocesas, estúdios de cinema italianos e folios do Shakespeare bem antes de investir em uma rede social –, estaria liberado pedir a morte de fascistas, comunistas, liberais, monarquistas, identitários, lulistas, bolsonaristas e até de tucanos (se alguém lembrar que esses existem). “Ai, que feio, discurso de ódio“, protesta o delicado millenial. Sim, e daí? Como qualquer sentimento humano, o ódio merece expressão. “Porém meu ódio é o melhor de mim“, já dizia um poeta perdido entre melancolias e mercadorias. 

Agora, suponha que depois do slogan “morte aos fascistas“, algum tuiteiro informasse meu nome e endereço, ou a escola onde meus filhos estudam. O perigo real e imediato começaria a dar as caras, não? Não avento uma hipótese remota: grupos radicais das mais variadas colorações políticas têm o mau hábito de indicar onde vivem seus opositores, para intimidá-los. A militância trans, por exemplo, já fez isso com J.K. Rowling. Tal prática será permitida no Liber-Twitter?

Agora, repare o leitor nos possíveis objetos de ódio que elenquei dois parágrafos acima. São todos filiações ideológicas, políticas e/ou partidárias. Quero crer que a situação seria substancialmente diferente se alguém fosse à internet pedir a morte não de comunas ou reaças, mas de negros, ou de judeus, índios, orientais, brancos. Quem reivindica a morte de bolsonaristas ou lulistas talvez esteja apenas expressando de forma desastrada o desejo razoável de que essas forças políticas se esgotem e desapareçam. Já quem pede a morte de um grupo étnico está sempre sendo literal. Isso será permitido no novo Twitter?

Espero que não. É ótimo que Musk anuncie a liberdade de expressão como princípio, mas, sem parâmetros mínimos, o Twitter estará aberto a todos os crimes e aberrações, da divulgação de pornografia infantil a campanhas de recrutamento do Estado Islâmico. O que não se compreende nas redes sociais – não apenas dessa que agora pertence ao criador da Tesla, mas também no Facebook de Mark Zuckerberg – é o mistério quase oracular que cerca seus mecanismos de regulação. Objetividade e transparência nos critérios do que é ou não admissível seriam uma bem-vinda mudança.

Há ainda um argumento libertário que serviria para deixar tudo exatamente como está, com os caprichosos algoritmos das redes censurando qualquer palavra “ofensiva” aos melindres dos justiceiros da internet. Vai mais ou menos assim: redes sociais são companhias privadas – e com a jogada bilionária de Musk, o Twitter passará a ser uma companhia de capital fechado – que têm o direito de instaurar suas próprias regras de uso, como fazem tantos prestadores de serviços, de  escolas a academias de ginástica.

Só que redes sociais não são restaurantes instaurando seus códigos de vestimenta. Trata-se de um mercado global com poucos players, e se dois ou três resolvem dizer que o cliente só entra no salão de black tie, quem só tem jeans e camiseta no armário fica de fora da festa. 

As consequências deletérias desse domínio das redes sobre o debate público vêm sendo examinados por vários estudiosos e críticos (a propósito, recomendo o recente artigo do psicólogo Jonathan Haidt, – coautor de “The Coddling of the American Mind”, desalentador inventário da censura woke nas universidades americanas – na revista The Atlantic). Só não dá para dizer que o público é uma vítima passiva desse processo. Fomos nós que escolhemos Facebook, Twitter, WhatsApp, YouTube e alguns menos cotados como meios preferenciais para o bate-papo (ou bate-boca) político. Como o proverbial gênio não retornará à garrafa, Haidt, no artigo mencionado acima, deixa algumas sugestões simples para melhorar o ambiente nas redes. Uma delas foi aventada por Musk: verificação efetiva de usuários, para banir bots e perfis falsos das redes. Haidt propõe ainda medidas para obrigar os usuários a ler os textos que compartilham, em vez de divulgar conclusões equivocadas a partir de títulos que não raro até os mais respeitáveis veículos sensacionalizam no esforço de conseguir cliques.  

Se essas providências dariam resultados uma vez efetivadas, só saberemos com o tempo. De imediato, dá para constatar que elas não são censórias. Já é um bom ponto de partida.

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