Guilherme Leite/FolhapressAgressor também chamou Bolsonaro de "marionete do capitalismo" na internet

No rastro de Adélio

A Polícia Federal encontrou pistas que aumentam ainda mais o mistério em torno do agressor de Jair Bolsonaro. Transações bancárias estranhas, um possível elo com a facção criminosa PCC e uma constatação: antes do atentado em Juiz de Fora, ele foi a outro evento do presidenciável
21.09.18

Nesta quinta-feira, 20, a Polícia Federal entregou à Justiça a primeira parte das investigações sobre o atentado que quase matou Jair Bolsonaro. Os policiais pediram mais 15 dias para concluir o trabalho. Nesse primeiro inquérito, eles irão se debruçar sobre o crime cometido na véspera do feriado da Independência contra o candidato do PSL. Só sobre o crime. A ideia é focar na conduta de Adélio Bispo de Oliveira naquele dia. Tudo caminha para uma conclusão conservadora: eles devem dizer que, em Juiz de Fora, Adélio agiu por conta própria e não contou com a ajuda de terceiros. A parte mais interessante da investigação, porém, estará em um segundo inquérito, a ser concluído mais adiante. É nele que os investigadores reunirão — e tentarão elucidar — os pontos obscuros que têm surgido ao longo da apuração. Não são poucos.

Um deles é que, meses antes de esfaquear Bolsonaro, Adélio esteve em um outro evento com a presença do presidenciável. Foi em Uberaba, também em Minas Gerais, em outubro do ano passado. Adélio havia morado na cidade, mas àquela altura já tinha se mudado. Seu paradeiro era desconhecido. Curiosamente, ele reapareceu por lá dias antes de Bolsonaro chegar para um encontro com militantes. Ao esquadrinhar os passos de Adélio nos últimos meses, a Polícia Federal esbarrou na coincidência. E procurou falar com as pessoas com quem Adélio teve contato na cidade naqueles dias. Uma delas é o pastor Romildo Cândido, que deu abrigo a Adélio e cuja igreja o agressor de Bolsonaro havia frequentado no passado, quando morou em Uberaba. O pastor confirmou ter recebido a visita repentina de Adélio.

Raysa Leite/FolhapressRaysa Leite/FolhapressO instante do crime: na cadeia, Adélio tem resistido a esclarecer as dúvidas da polícia
A Crusoé, nesta quinta-feira, Romildo contou que foi a última vez em que esteve com Adélio, que dizia, àquela altura, estar em busca de um emprego de pedreiro. O evento com a presença de Bolsonaro tinha acontecido dias antes. Lá pelas tantas, entre outros assuntos, o pastor perguntou se Adélio havia ido ao ato. O homem que meses depois esfaquearia o presidenciável teria respondido que sim, e em seguida, sempre segundo pastor, feito um comentário sobre o candidato: “Esse Bolsonaro vai ser igual aos outros mesmo, vai só pegar o dinheiro do pobre”. O pastor não acredita que Adélio já estava, naquela ocasião, planejando o atentado. Ele acha que foi apenas uma coincidência.

A Polícia Federal não está tão certa disso. E pretende, no novo inquérito, se aprofundar no assunto. Dias atrás, os policiais perguntaram ao próprio Adélio a razão pela qual ele permaneceu em Uberaba nos mesmos dias do ato de campanha de Bolsonaro. Ele confirmou que estava na cidade, mas se negou a explicar os motivos da viagem. “Há várias situações suspeitas nas quais, agora, precisamos nos aprofundar”, diz uma fonte com acesso à investigação. Outra coincidência que tem intrigado os investigadores é o fato de Adélio ter feito aula de tiro em um clube de Florianópolis às vésperas de uma visita de Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidenciável.

A polícia descobriu que Adélio marcou uma sessão de 70 tiros no clube para a data exata em que Carlos faria uma visita ao local, também para atirar – os donos do clube são amigos da família Bolsonaro. O filho do candidato chegou a Florianópolis naquela data, mas adiou a visita. É bem verdade que, sugestionadas pelo atentado, as testemunhas podem estar fantasiando os seus relatos. Mas o depoimento de uma delas, ouvido dias atrás pela PF, chamou a atenção. O instrutor de tiro do clube que deu assistência a Adélio afirmou que ele, durante a sessão em que gastou as 70 munições, olhava o tempo todo para a entrada. “Era como se estivesse esperando alguém”, diz quem teve acesso ao depoimento do instrutor. Algumas perguntas seguem no ar. Adélio sabia que o filho de Bolsonaro iria ao clube de tiro naquele dia? Se sim, ele pretendia alvejar Carlos Bolsonaro?

Divulgação/FacebookDivulgação/FacebookAmigo de Adélio, o pastor Romildo Cândido confirmou também aos investigadores a visita do agressor a Uberaba
Os policiais estão concentrados ainda na análise das mensagens trocadas por Adélio por aplicativos de mensagens – inclusive nos computadores de uma lan house que ele frequentou diariamente em Juiz de Fora nos dias que antecederam o atentado. Os extratos contendo as ligações telefônicas de Adélio também estão sendo analisados. Neles, há telefonemas para Florianópolis, Montes Claros, Uberaba e Juiz de Fora. Os policiais não descartam a hipótese de haver incentivadores ou mesmo mandantes por trás da decisão do ex-ajudante de pedreiro de atentar contra a vida de Jair Bolsonaro.

Como parte da investigação, a PF também quebrou o sigilo bancário de Adélio. E encontrou, em uma conta, transações que chamaram atenção. O agressor de Bolsonaro recebia com alguma frequência transferências de valores e também depósitos em espécie – os valores são mantidos em segredo. O desafio agora é descobrir quem transferia recursos para Adélio. Os investigadores também têm tentado entender quem está remunerando os advogados que, desde o dia do atentado, defendem o agressor. Os defensores se negam a revelar quem está bancado os serviços. Para tentar decifrar o mistério, um dos primeiros passos dos policiais foi fazer um amplo levantamento dos clientes que, em outras causas, pagam a esses advogados. Daí vem um dado sobre o qual os encarregados da investigação têm se debruçado – e que consideram relevante: um dos advogados, segundo a PF, trabalha para pelo menos quatro integrantes do Primeiro Comando da Capital, o PCC. Os policiais consideram a hipótese de a facção estar financiando a defesa de Adélio. “Estamos trabalhando com todas as possibilidades”, diz um investigador que trabalha no caso.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO